sexta-feira, 15 de abril de 2022

Fanatismo. MAURO E CELINA, CASADOS HÁ QUINZE ANOS, SÃO ADEPTOS DO ESPIRITISMO. APROVEITANDO MOMENTO PROPÍCIO, CELINA TOCA NUM ASSUNTO QUE A VINHA INCOMODANDO:

 Fanatismo.
MAURO E CELINA, CASADOS HÁ QUINZE ANOS, SÃO ADEPTOS DO ESPIRITISMO. APROVEITANDO MOMENTO PROPÍCIO, CELINA TOCA NUM ASSUNTO QUE A VINHA INCOMODANDO:


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MAURO E CELINA, CASADOS HÁ QUINZE ANOS, SÃO ADEPTOS DO ESPIRITISMO. APROVEITANDO MOMENTO PROPÍCIO, CELINA TOCA NUM ASSUNTO QUE A VINHA INCOMODANDO:

– Mauro, atualmente, você só conversa sobre Espiritismo!

– Mas, Celina, conversar sobre Espiritismo não é importante?

– Claro que é, marido, porém no momento apropriado. E tem mais: você só tem lido obras espíritas!

– Há algum mal nisso, querida?

– É que esse seu comportamento está me parecendo sintoma de desequilíbrio.

– Que é isso, Celina!

– É isso mesmo. Você me parece um tanto fanatizado, e isso é desequilíbrio.

– Mas, querida, o Espiritismo é a Terceira Revelação e, por isso, muito importante para todos nós.

– Eu sei disso, meu bem!

– Entendo o Espiritismo como a doutrina redentora, que nos possibilita o progresso espiritual.

E Celina investe contra o comportamento de Mauro:

– Conheço a Doutrina Espírita, meu bem, desde muito cedo, pois, como você sabe, nasci em lar espírita.

– Estou certo, querida, de que você tem conhecimento espírita.

– Porém, Mauro, não restrinjo minha vida em somente falar de Espiritismo e ler obras espíritas.

– Pois saiba, Celina, que conversar sobre Espiritismo e ler obras espíritas me satisfazem sobremaneira. Aprendo muito, querida!
– Reflita seriamente no que lhe estou dizendo, Mauro!

– Ora, querida! Tenho feito o que me dá prazer.

– Mas, nem jornal, Mauro, você quer mais ler!

– Os jornais só trazem más notícias.

– Não se esqueça, Mauro, de que precisamos estar a par do que acontece na nossa cidade, no país e no mundo.

E Celina prossegue:

– Você, que gostava tanto dos escritores nacionais contemporâneos, está totalmente divorciado de nossa literatura, rica de boas obras.

– Atualmente, Celina, o Espiritismo me tem bastado.

– Mauro, querido! O Espiritismo nos fornece os referenciais que devemos utilizar na relação conosco mesmo e com a sociedade.

– Claro, querida!

– Mas, você não vem mais fazendo isso.

E ela complementa:

– A pretexto de aprender e praticar o Espiritismo, não acho válido se esquivar da vida, nos seus diversos aspectos.

– Não posso entender esse seu posicionamento, querida, pois você também lê obras espíritas.

– Não só as leio como também converso sobre Espiritismo.

– Então, por que a censura ao que venho fazendo?

– Só, meu caro, que procuro ser conveniente.

– Em que sentido?

– Venho buscando, constantemente, na Doutrina Espírita os balizadores para o meu caminho, ou seja, tenho procurado vivenciar os conceitos doutrinários.

Aí, Mauro se inquieta:

– E eu, você acha que não vivencio esses conceitos?

– É sempre, querido, aquela questão da fé sem obras.

– É assim mesmo que você me vê?

– É assim que você tem se mostrado, Mauro.

Celina continua:

– Você só lê livros espíritas, só conversa sobre Espiritismo, porém suas atitudes, no meu entender, estão deixando muito a desejar.

Você, que foi sempre muito atencioso com a família, ultimamente, está pisando na bola.

– Que é isso, Celina?

– É isso mesmo, Mauro. A religião está servindo de escudo para você se esconder das lutas humanas, que nos aferem o valor e nos ajudam a crescer.

Mauro, então, se agasta:

– Do jeito que você fala, parece que sou um irresponsável.

– Tá quase chegando lá, querido.

– Você, agora, me assustou, meu bem.

– Isso é ótimo!

– Como ótimo, Celina?

– Pior é se você não tivesse se tocado.

Mauro começa a entender a mensagem de sua esposa.

– Bem, Celina! E, agora, então, o que fazer?

– Só você poderá mudar essa situação, querido.

– É! Não há dúvida.

– Veja bem, Mauro, estamos perdendo nossos melhores amigos não espíritas, pois você só quer falar de Espiritismo.

– Preciso reverter isso.

– Temos ótimos amigos, adeptos de outras crenças, pessoas de bem, que muito acrescentaram em nossas experiências de vida. E eles nos estão evitando, justamente por essa sua postura fanática.

– É! Isso vem acontecendo. Quando não sou eu mesmo quem os evito.

– De tanto falar somente de Espiritismo e de conversar só com espíritas, daqui a pouco você estará falando o “espiritês”, e não mais o português.

– Não entendi!

– Ora, Mauro! O Espiritismo tem seu vocabulário próprio, que cabe muito bem na conversa entre espíritas. Porém, os não espíritas não têm obrigação de conhecer esse vocabulário.

– E, então, a conversa passa a se tornar enfadonha, não é mesmo?

– Justamente! E, aí, o pessoal foge.

– Preciso de sua ajuda, Celina, para me modificar, pois estou reconhecendo o fundamento de suas palavras.

– Estamos num mesmo barco, querido, em que um ajuda o outro a colocá-lo a navegar rumo ao norte do esclarecimento.

– Já consigo perceber que, contrariando os próprios ensinamentos doutrinários, criei um mundo especial, ilusório, só para mim.

– Que ótimo, marido!

– Infelizmente, parti para isolamento injustificável, deixando de participar da vida, de enriquecer-me com as experiências do cotidiano, da família, da sociedade.

– A pretexto de espiritualização, Mauro, não podemos deixar de participar da vida cultural de nossa cidade. Tantos lugares bonitos para visitar! Peças teatrais, inclusive espíritas, para se apreciar!

E Celina ainda comenta:

– Há filmes interessantes em cartaz, com denúncias e mensagens importantes para nossa reflexão. Aliás, no que diz respeito a cinema, a indústria nacional está sendo reverenciada, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa.

– Equivoquei-me, querida! Vinha distorcendo a finalidade. tanto do Espiritismo quanto do livro espírita.

– Ambos são importantíssimos em nossas vidas, marido, desde que os utilizemos para nos tornar seres humanos melhores, mais esclarecidos, mais participativos, mais responsáveis no caminhar.

– Estou entendendo agora, Celina, que o Espiritismo não é somente um processo cultural, mas, em especial, uma nova leitura da religião e, em conseqüência, da Vida.

E, assim, amigos, atentemos para o que diz a questão 766 de O Livro dos Espíritos: “Deus fez o homem para viver em sociedade. Deus não deu inutilmente ao homem a palavra e todas as outras faculdades necessárias à vida de relação”. E, da questão 768 consta o seguinte: “O homem deve progredir, mas sozinho não o pode fazer porque não possui todas as faculdades: precisa do contato dos outros homens. No isolamento, ele se embrutece e se estiola.”
Antonio Carlos Piesigilli.