DURANTE O DIA DOUTOR
MEIA NOITE TRANCA RUA
Já era madrugada e a gira corria animada, com muitos sofredores sendo atendidos de forma alegre e prazeirosa.
MEIA NOITE TRANCA RUA
Já era madrugada e a gira corria animada, com muitos sofredores sendo atendidos de forma alegre e prazeirosa.
Maria girava e girava, cantando, dançando e sacudindo as saias,
mas sempre prestando atenção no que ocorria ao seu redor.
Lá pelas tantas da madrugada,
os enfermeiros da espiritualidade colocaram aos pés dela o espírito de um jovem médico, que se encontrava encolhido, devido ao medo que tinha de tudo.
Ela olhou-o afetuosamente, pois já o conhecia e sabia que aquele espírito já beirava a loucura, tal o seu grau de sofrimento.
Padilha agachou-se, sentou-se no chão e em seguida colocou uma das mãos sobre a cabeça dele.
Imediatamente ela pode ver um lúgubre cenário formar-se na tela mental daquele sofredor.
Viu um hospital de campana, para onde feridos de guerra eram levados, onde três jovens médicos descendentes da nobreza Européia atendiam, amorosa e confiantemente todos que ali estavam
Mas algo estava acontecendo, que muito os entristecia:
não haviam mais recursos médicos necessários, como antibióticos, gaze, algodão, corticóides e tantos outros medicamentos, para atender a tantos doentes e mutilados. E, para manter tudo bem organizado, eles resolveram passar a escolher quem iria ou não viver.
E assim foi feito.
Mas esse fato lhes envenenou a consciência quando, mas tarde, depois de terem feito a passagem, passaram a recordar aquele terrível episódio de suas vidas, enchendo-os de culpa e vergonha.
Em consequência disso, aquele que ali estava aos pés de Padilha, vinha sofrendo cada dia mais, destruindo todas as oportunidades de vida que o Senhor lhe proporcionara até então.
Seus outros dois companheiros não se perturbaram com isso, e, apesar de abalados em suas consciências, seguiram habitando vários corpos, como médicos de front de guerra, zelando por todos, sempre com desvelo e desprendimento.
Maria retirou sua mão da cabeça do rapaz e o fez levantar. Ao vê-lo de pé, ela o atraiu para junto de si, num abraço tão apertado, que ele por mais que tentasse, não conseguiu se livrar.
Abraçada a ele, dançando ao som dos atabaques, ela começou a falar em seu ouvido:
- Eu estava lhe esperando aqui, moço! Me pediram que eu fosse lá num tal de Umbral lhe buscar e eu fui, com tranca-Rua ao lado! Ficamos lá muitas horas, muitos dias e noites, tentando lhe convencer que a vida continua e que tem muita gente precisando de você aqui! Vamos lá, moço, trate de reagir e voltar pra vida! Vamos!
Ela terminou a frase numa gostosa gargalhada, o que fez o rapaz estremecer e quase despertar de seu torpor.
Parecendo estar bêbado ou drogado, ele tentava reagir, mas seu espírito não conseguia.
Os Ogãs começaram a tocar e cantar pra todos dançarem:
“...Então eu clamei, ao povo da rua que me enviasse/no momento alguma ajuda pois eu já não tinha força para continuar
Quando me virei vi uma mulher, na beira da estrada/trazia uma rosa em suas mãos/um feitiço no olhar
Naquela bela noite de luar/deslumbrei sua dança/com sua saia a rodar/eu me aproximei e lhe perguntei o que ela fazia na estrada
ela respondeu/ moço eu sou Rainha/vim lhe ajudar/sou Maria Padilha/ ela respondeu, moço eu sou Rainha, vim lhe ajudar/ sou Maria Padilha
Salve Maria Padilha que ilumina o meu caminhar!”
Enquanto ele chorava copiosamente, ela o apertava contra si delicadamente. As entidades manifestadas em seus respectivos médiuns perceberam o que ocorria e fizeram um círculo ao redor dos dois, cantando, batendo palmas acompanhando o Ponto e passando energia para aquele jovem sofredor.
- Agora olhe e veja quem veio lhe ver! - ela disse sorrindo.
Os dois médicos, seus companheiros de front de guerra ali estavam, em desdobramento astral, vindos de suas atuais encarnações. Foram levados até ali por seus guias espirituais, para abraçar e dar estímulo ao amigo.
Durante algum tempo eles conversaram alegremente, enquanto os atabaques continuavam a rufar.
Depois que os dois doutores foram embora, abriu-se um espaço na gira, dando passagem à Seu Tranca-Rua das Almas, que chegou com sua falange.
Tranca-Rua saudou respeitosamente:
- Vamos trabalhar, Doutor! Tenho vários médicos em minha falange que, por seus méritos, já conseguiram evitar suicídios e restaurar a saúde de pessoas que sofriam vários tipos de influências negativas. Vamos trabalhar, Doutor!
Padilha o atraiu para cá, para tirá-lo do círculo letárgico no qual o senhor se encontra há séculos!
Durante varias giras, o antigo médico foi levado até aquele terreiro para olhar aquele cenário, onde várias entidades se manifestavam em corpos de médiuns e onde enorme assembleia de aflitos aguardava sua vez para ser atendida. Pensou que ele mesmo estava sendo privilegiado naquele momento, por receber um nome e uma extensa 'família' voltada para o bem da coletividade!
Assim, numa certa noite de Gira de Exu, ele foi até o médium que incorporava Seu Tranca-Rua das Almas e pediu para ser aceito em sua Falange, pois queria atender e ajudar aos necessitados!
Nesse mesmo instante todos aplaudiram e assobiaram ruidosamente, transformando aquele acontecimento em festa!
“O Sino da igrejinha faz blém blém blom
O Sino da igrejinha faz blém blém blom
Deu meia-noite o galo já cantou
Seu Tranca-Ruas que é o dono da gira
Oh corre gira que Ogum mandou...”
Os Orixás, sentados em Seus tronos de luz, comemoraram a libertação daquele tão sofrido jovem, que a partir dali dedicou-se amorosa e fielmente à falange de Tranca-Rua das Almas!
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PAI FOLHA