Qual é o mais terrível obsessor?
Fares, próspero comerciante, aguardava com ansiedade o término dos trabalhos mediúnicos em sala íntima, junto ao salão de reuniões públicas, no Centro Espírita. Desejava orientação para um problema que o afligia. Algo aparentemente simples, até ridículo para quem o apreciasse, mas terrível para ele que o enfrentava: uma dificuldade no fechamento diário de sua próspera loja.
Dificuldade não era o termo exato. Diria melhor, batalha. Uma batalha contra o impulso de repetir intermináveis cuidados e verificações, relacionados com as instalações elétricas, o cofre, as janelas e a porta de entrada.
Esta última era o tormento maior. Parecia dotada de magnetismo. Por maior fosse seu empenho em afastar-se, era inexoravelmente atraído, levado a testar repetidamente se estava trancada. Pressionava para cima, como se fosse erguê-la, experimentando a resistência da fechadura central. Observava o cadeado embaixo, manualmente, porque não confiava no testemunho de seus olhos.
Ensaiando resolução, virava as costas e dava alguns passos em retirada. Frustrava-se logo, porquanto a dúvida se instalava de imediato, trazendo-o a novas verificações. Repetia aquele bailado irracional múltiplas vezes, disfarçando para que ninguém percebesse seu comportamento desatinado.
Quando finalmente convencido de que tudo estava bem, já no estacionamento em travessa próxima, ressurgia a infame dúvida: “Será que tranquei o cofre?”
Então se danava, forçado a rever a verificação, confrontando pela enésima vez a malfadada porta, a esquentar os miolos.
Confiava na ajuda espiritual. O médium encarregado do receituário era conhecido por suas virtudes como instrumento dos Espíritos em favor de pessoas atribuladas.
Encerrada a reunião, ouviu chamarem por seu nome. Levantou-se e foi ao encontro do atendente, que lhe entregou a esperada orientação. Em letra firme e alongada estava registrado:
Diagnóstico: Auto-obsessão.
Tratamento: Passe e oração. Ler Mateus, 6:19-21.
Fares estava perplexo. Já ouvira alguém se referir à auto-obsessão como um processo em que o indivíduo alimenta ideias infelizes que o perturbam, colhendo sofrimentos voluntários, desnecessários e inúteis, algo como morder a própria língua ou bater a cabeça na parede.
Chegando ao lar, buscou um exemplar de O Novo testamento. No trecho recomendado, leu:
Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a Terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam. Mas, ajuntai para vós outros tesouros no Céu, onde nem a traça nem a ferrugem corroem e onde ladrões não escavam nem roubam. Porque, onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração.
Impressionado, Fares considerou que talvez fosse melhor empenhar o coração em favor de riquezas mais consistentes, conforme a recomendação de Jesus.
* * *
Quando nos envolvemos demasiadamente com o imediatismo terrestre, nossa mente passa a funcionar em circuito fechado, gerando dúvidas e angústias que crescem rapidamente em nosso íntimo, como massa levedada.
Em tal situação, antes de cogitarmos da existência de supostos obsessores, melhor faríamos combatendo a auto-obsessão, no esforço por arejar nossa vida interior com ideias nobres e ideais santificantes, cuidando das “coisas do Céu”, para que as “coisas da Terra” não nos sufoquem.