terça-feira, 27 de dezembro de 2022

CAUSO DE VÓ CAMBINDA

 CAUSO DE VÓ CAMBINDA


É interessante que eu descreva a estória dessa grande sábia entidade que me deu a honra e prazer de poder evoluir pelo seu amparo e exemplo.

Vó cabinda em sua última romagem por esse planeta, veio trazida para o Brasil, da África, mais especificamente do porto de cabinda, grande entre posto comercial, recebia o nome de rota de Mina ali recebia os escravos da região oeste da África (sudaneses) aonde hoje situa a Guiné Bissau, antigo povo da republica de Daomé, quando estes falavam na língua Ioruba eram chamados de Mina ou nagôs, foram trazidos para a região norte e nordeste do Brasil para trabalharem no ciclo do açúcar. No século XVI e XVII.

Ela chega ao Brasil com 12 anos é levada a uma fazenda engenho no estado do Maranhão, não vou me deter a datas e ao nome da fazenda que ainda persiste nos tempos atuais, preferíamos deixar em segredo, também não vou me deter em sua origem seu nome sua infância, pois isso seria estória para outro causo, no qual ainda não estou permitida a revelar. Nos detemos nos fatos.

Palavras de Cabinda:

—" Ah fia, desde que cheguei no engenho, tive meu serviço acertado, meus bracinho eram finos, diziam, que eu não prestava pra cortar cana, que de tão miúda era possível o capataz nem me nota, então criança que eu era, eu ia ficar por conta dos meus miúdos da senzala, cuidava pra eles crescerem fortes pro serviço, então eu cuidava das dores de barriga, das perebas e de tudo que criança tinha, até mesmo as escondidas brincava de roda pra enganar a fome dos coitados, então os anos foi passando e me tornei assim cabinda que hoje os fio chama de babá, então fui consagrada pelas mães da senzala de menina d'agua, porque eu era de Iemanjá¹ porque vim lá do porto, mas também de mamãe oxum e protegida pelo gênio forte de xangô, nosso rei. Agora fia vou te explica porque mamãe oxum também é minha madrinha.

Certo dia, já contava eu vinte e duas luas, fui chamada na casa grande, me levaram pro quarto e eu tremendo seguia a iabá gorda e muda, abriu a porta e eu vi a senhora ali chorando no leito me estendeu a criança branca em volta a mais pano branco, a única cor que eu via na criança era a bochecha vermelha, as mães de leite olhavam pra mim como se viam a própria mamãe oxum, então a senhora me perguntou:

— Você menina, tem leite?

—Eu senhora?

— Você, faça sua mandiga, alimente minha filha.

Calada e acho que até pálida, fiquei parada congelada com a menina nos braços, fui interrompida em meu momento de terror por uma das mães de leite.

— Cabinda minha criança, nós já não temos força no leite, só sai um riachinho o que fazemos para amentar a Sinhazinha? Você tem um dom, então vá na morada de oxum e peça com fervor que ela mostre sua valia.

— Mãe Joana, tenha piedade, deve tá faltando miolos... Senhora, nunca tive grávida, como posso então ter leite? Dá logo o de cabra pra criança.

—Já tentamos de tudo, a menina vai morrer de fome e se isso acontecer, você também, juro por meu Deus, pelo seu Deus e qualquer orixá que vocês cultuam, se for pra ser assim peço a eles a salvação:

— Bem fia, vivi bem sabe, na época, que era impossível ir contra a senhora estava conturbada e a mães velhas crentes demais para realidade chama-las, mãe Joana disse a senhora que me entrega-se algo de ouro para que a "mandiga" desse certo, no ímpeto ela relutou mas acabou dando como ela disse o pagamento, sabemos fia que não é nesse sentido que as coisas andam em se tratando de oferendas a orixás, mas era perca de tempo tentar nos explicar. Ainda com a criança branquinha nos braços saí, passei pela cozinha e peguei, um tablete de rapadura, pensando na proteção de ibejim que não me deixa-se morrer, fui escoltada a cachoeira mais perto.

Chegando lá tudo fez sentido, logo que cheguei levei foi um baita de um susto, quando vi Exu, parado com aquele olhar, ah! Aquele olhar de Exu, você sabe, tremi toda, nunca tinha visto orixá nenhum, curvei diante aquele gigante que não me disse nada em palavras mais conversou comigo mentalmente pedindo que os jagunços não passassem dali, lá fui eu explicar aos homens maus, rindo mas aceitando com medo, coloquei a criança em uma pedra, não sabia o que fazer, tentei me acalmar, então uma voz dentro de mim fez o som da cachoeira sumir, então a voz me disse que a criança deveria ser salva e que ela faria bem ao meu povo, então ressoou em mim o pedido... Cante.

Cantei a Exu¹, a Xangô¹, a oxum¹, a ibejim¹ e ao meu pai Oxalá¹. Clamei, pela minha vida e me despindo de orgulho também pedi pela vida da criança, ofereci doce, partindo uma parte para as dezenas de indiozinhos espíritos que me olhavam curiosos lá da mata, então pedi pelo amor de Oxóssi¹ por oxum, que ele com todo seu conhecimento também abençoa-se aquele rito, banhei a cabecinha da neném, bati cabeça na cachoeira, me banhei com respeito e entreguei as aguas a correntinha brilhante de ouro a sua verdadeira dona, a mãe por excelência pedindo que me desse o leite para amamentar não só aquela branca criatura filha também de Olorum², mas a todos meus miúdos que necessita-se, pedi também a ela que adoçasse a senhora, que os dias na fazenda fossem de paz, no momento não vi mais nada, fui tomada pelo amor de Oxum, não sei fia... Como descrever pra você, mas tento passar esse amor que recebi a todos até os dias de hoje, e ele, o amor, nunca se esgota, é infinito como ela minha madrinha oxum.

Saindo do êxtase, tentei ainda acanhada dar o peito ao serzinho que ali estava, já tremendo de frio, pelos respingos da água da cachoeira, então o milagre se materializou, o leite jorrou eu chorei e a sinhazinha se fartou.

Oxum estava em mim, não sei se para me guiar em minha missão ou pelo amor incondicional as crianças, ou pelo dois, sinto que oxum se fez presente por meu corpo, mas não por mim mas pelo ser frágil em meus braços e pelas tantas que viriam.

Voltei ao engenho, entreguei a bebé, fui abençoada por mãe Joana, que tratou de contar o milagre de Oxum para todos, a senhora liberou uma festa na senzala, me agradecendo com desdém, achando ser apenas mais um serviço prestado, mas oro por ela, pois se não fosse o desespero de mãe eu também não saberia o que é o amor, meus miúdos comeram até ficarem com a barriguinha estufada, sabia eu, que no outro dia teria muitos chazinhos para preparar, a vida seguiu e o leite também.

Porém fia, no tempo dessa minha última existência eu nunca pari um fio meu, cuidei com fervor e resignação de tantos miúdos, mas nunca nenhum de meu ventre, aliás essa seria outra estória pra um dia se oxalá permitir eu te contar.

Hoje fia, estou feliz em ter sua companhia e caminharmos juntas, minha menina de oxum, mais feliz ainda em poder fazer seu ventre gerar uma nova vida tão desejada e amada, que esses laços de amor durem infinitamente, pois o que seria desse planeta sem o ventre das mulheres?

1:orixás, seres da natureza, divindades, partes de um deus, seres do panteão Africano Ioruba. Cada qual com suas funções e personalidades.

2:olorum: entre os povos da costa da Guiné e regiões vizinhas, ente divino abstrato, eterno, onipotente, criador do mundo e cuja epifania é o firmamento [Tem estatuto acima dos orixás e pode não ser entidade originária do panteão negro-africano; não é objeto de culto regular no Brasil nem na África.] fonte: internet

Iabás: O termo Yabás refere-se ao Yorubá, dialeto africano que, traduzida, significa, "mãe", "senhora", "aquela que alimenta seus filhos". Na religião de origem africana, as Yabás são orixas femininos, representados por Nanã, Iansã, Oxum, Obá e, Yemanjá, entre outras. ( fonte: internet)