segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

A VIDA EM CIMA DO MURO é uma história baseada em fatos reais, onde retrata a vida de uma família negra com dificuldades, que luta contra o preconceito racial, religioso e social.

 A VIDA EM CIMA DO MURO é uma história baseada em fatos reais, onde retrata a vida de uma família negra com dificuldades, que luta contra o preconceito racial, religioso e social.


Lucia_Mandel

Um novo lar

-Lucia-

Ano-1981

Estou com seis anos, minha irmã mas velha Marilene tem quatorze anos, Luis tem onze, Helena tem dez,Miriam está com oito, Fátima tem cinco e a Casula Aparecida tem três.
Acordei naquela manhã de segunda-feira com a buzina de um caminhão, levantei e vi minha mãe na cozinha escrevendo uma carta enquanto todos os outros carregavam as nossas coisas para o caminhão, perguntei a ela por que estavam levando nossas coisas para o caminhão,ela sempre carinhosa me deu um beijo e me disse que estava tudo bem. Subimos todos no caminhão e o mesmo seguiu para o nosso novo lar.
Eu não fazia ideia para onde estávamos indo,só sei que me senti segura, sentada ao lado de meu irmão, Luis, ele sempre estava cuidado de todas, acho que ele gosta de se sentir importante, pois na ausência de papai ele era o homem da família.
O caminhão parou em frente a uma casinha, tinha duas peças, não tinha água encanada e nem luz, estávamos eufóricos, mamãe tratou de nós acalma.

– Tudo isso vai mudar vou transformar esta casa em nosso lar e vamos ser muito felizes aqui. – mamãe disse nos acalmando.

Logo chegou as tias Cleonice e Maria, irmãs de mamãe, para ajudar.
Tia Cleunice é casada com meu tio Régis irmão mais velho de papai, e tinha um bar ali, na favela, bem na esquina, eu sabia que mamãe trabalhava nesse bar, com minha tia, do seu lado fica a casa da tia Maria, e depois de duas casas fica a nossa.
Sabe aquela carta que vi mamãe escrevendo? era para papai avisando nossa mudança, e o endereço pois papai não sabia de nada, para ele era um dia como os outros, só que não ia nos encontrar lá.

A Favela

-Lucia-

Fiquei tão feliz ao ver meu pai chegando com tio Régis que corri ao seu encontro, papai beijou nossa testa e entrou, minutos depois já se percebia que tudo estava bem.
Ao amanhecer do outro dia percebo um pouco de diferença do lugar onde morávamos, ali podíamos brincar na frente do portão, correr na rua, enquanto mamãe arrumava a casa, logo quando a noite caí papai passa o cadeado no portão e ninguém mas sai.
Enquanto mais os anos se passaram mais eu entendia como me comportar naquele lugar, de como as pessoas aceitam tudo por medo e que existe leis a ser seguidas.
Conforme eu cresci vi nossa família crescer também.     

Religião

Ano – 1985

Mamãe é umbandista e se tem uma coisa que ela leva a sério é sua religião, mesmo porque ela tem um dom de ver e sentir as coisa antes de acontecer, ela não gosta muito mas aceita.
Todas sextas são sagradas, ela tem que ir ao terreiro descarregar. Minha mãe tem um coração enorme, vive acolhendo pessoas em casa, principalmente crianças e foi assim que minha família cresceu com irmãos de coração.
Mamãe não tem vergonha da sua religião, ela faz questão que todos na favela soubesse e é só perguntar.

– EU SOU UMBANDISTA. – Ela diz, isso faz com que as pessoas a respeite ou talvez tenham medo, não sei só sei que ela é muito conhecida e respeitada.

Nada passava desapercebido por ela, as tias não tem este dom por isso as três são muito grudadas, sempre quando podem estão juntas.
Mamãe trabalha com a tia Cleonice no bar, aquele bar nem é tão movimentado e mamãe sempre tem dinheiro, foi do bar que ela conseguiu o dinheiro para construir nossa casa, papai nunca questionou mesmo porque finais de semana elas não abrem o bar, sábado é dia de feira e domingo almoço de família. Ao lado de nossa casa mora dona Marlene a vizinha fofoqueira, nada foge dos ouvidos daquela mulher. Dona Marlene cria galinhas, que as vezes sumiam misteriosamente. Mamãe tem uma facilidade para pegar aquelas galinhas, joga um pouco de milho e pronto já está na mão.

– coloquem água no fogo, vamos jantar um ensopado de galinha hoje. – Falava mamãe.

De frente mora dona Rosa, dizem as más línguas que ela é bruxa, a casa dela sempre está fechada, ela é alta e magra dos olhos claros, aquela mulher é linda, acho que é por isso que a chamam de bruxa, viúva de um coronel, tem dia que dona Rosa surta e saí para fora nua e ela acha isso super normal. O engraçado é que ninguém a toca todos respeitam, aquilo é o jeito dela tomar sol e ponto.
Mamãe sente que tem algo estranho com aquela mulher.

– Ele não vai deixar ela, espírito zombeteiro, está sugando sua força até que morra, pobre mulher. – Disse mamãe.

– você não pode ajudar? – Perguntou papai.

– Só posso ajudar quando ela acreditar e ter fé, por enquanto faço o que posso por aqui. – concluiu mamãe.

O aviso

Ano – 1987

Eu adoro os dias de feira, foi num dia desse, de feira, que conhecemos seu Gaspar, motorista de dona Elizabeth, a madame que mora em uma mansão perto da favela, o seu marido dr. Alfredo Nassar, advogado muito rico.

Na sexta-feira tia Maria foi em casa pedir dinheiro emprestado para mamãe.

– Zenilda você me empresta algum?quero ir na feira amanhã, Pedro pegou um bico só vai ter dinheiro de tarde. – Disse tia Maria.

– Claro que sim Maria. – Respodeu mamãe, que ao se despedir de titia correu para o quarto, acendeu uma vela e começou rezar, ficou ali por algum tempo.

– Mamãe não está bem? – perguntei ao meu irmão, Luis, que já era um adolescente.

– está tudo bem, ela só precisa ficar um pouco sozinha. – Respodeu ele, para nos acalmar.

Depois de alguns minutos mamãe saiu do quarto e foi para a cozinha preparar o jantar.

– Vão brincar lá fora até tudo ficar pronto. – Disse mamãe. 

E fomos para a frente de casa brincar, logo depois vimos papai conversando com tio Pedro e fomos ao seu encontro, ele perguntou de mamãe e fomos para casa, papai foi para cozinha ver mamãe e nós fomos lavar as mãos para jantar. 

– Não vou poder ir buscar as galinhas amanhã, Pedro me chamou pra fazer um bico. – Disse papai.

– Estou sabendo, Maria me falou, só não sabia que você ia ajudá-lo. – Disse mamãe.

– Sim, vou com o Régis, assim termina rapidinho, tá tudo bem? – Perguntou papai.

  –  Sim. – Disse mamãe.

Depois de jantar fomos ao terreiro, mamãe continuava estranha, poucas vezes vi mamãe assim, e já entendia o que estava acontecendo.
No sábado de manhã papai se despediu da mamãe no portão

– Vai com Deus e se cuida. – Disse mamãe

Logo chegou as tias e fomos para a feira, chegando lá mamãe viu um carro muito bonito preto.

  – Parece carro de filme de cinema, Maria. – Disse mamãe.

– Nossa! Veja o homem que está dentro dele. – Falou tia Maria.

– Ai, ai. –Gritou mamãe, se sentando devagar no chão.

– Tá tudo bem? – Perguntou aquele homem e já foi saindo do carro em nossa direção.

– Acho que furei meu pé em um prego, mas vai passar obrigada. – Respodeu mamãe. – Você é muito gentil e educado, tá tudo bem. – Continuou ela – Meu nome é Zenilda e essas são minhas irmãs, Maria e Cleonice. – Se apresentou

– E este é meu motorista Gaspar. – Disse a madame que parou bem atrás dele.

– Ele continua sendo muito gentil e educado, mesmo sendo seu motorista, por um acaso você acha que motorista não é gente? É bicho agora? Nojenta. – Falou tia Cleonice indignada.

– Gaspar, coloque as compras no carro e vamos tenho muito para fazer hoje! – Falou a madame. 

– Tem mesmo! Muito tempo livre para ficar humilhando as pessoas na rua. – Disse mamãe.

– Não me lembro de ter falado com vocês, mesmo porque nós somos muito diferentes.– Disse a madame, enojada

– Somos mesmo, sou negra, pobre e tenho educação, ao contrário de você que parece o capeta enfeitada, deixa eu te falar uma coisa, hoje realmente não é meu dia, não levo desaforo pra casa, a única coisa que eu levo pra casa é dinheiro querida, então você não testa minha paciência, por que eu sento a mão na sua cara. – E foi com essa fala de mamãe que se formou uma enorme discussão onde não se entendia nada.

Foi quando chegou meu irmão Luis e meu primo Antonio, filho de tia Maria, que acalmou as duas partes, e fomos as compras.
Depois de toda a confusão elas ainda estavam rindo, e muito.

Chegando em casa mamãe foi preparar o almoço, que logo papai e os tios estariam chegando.

– Vamos fazer um almoço aqui em casa Maria, para todos – ouvi mamãe falar ao convidar as tias para o almoço.

Papai tinha dado certeza de que chegaria na hora certa para o almoço, mas as horas se passaram e nada deles, mamãe olhava para as tias, aflita.

– Porque tanta demora? – Perguntou tia Cleonice. 

– Acho que não vão vir para o almoço, melhor almoçarmos e quando chegarem a gente esquenta para eles. – Respodeu mamãe, dava para sentir seu nervosismo, mesmo que tentasse disfarçar, as tias também perceberam.

– Você sabe de algo Zenilda? – Questionou tia Maria, desconfiada.

–  Não! –  Afirmou mamãe. _ O que eu sei é o que vocês também sabem, eles foram fazer um bico e daqui a pouco estão aqui, vamos parar de nos preocupar a toa.

Passada mas algumas horas, mamãe chamou Luis e Antonio.

– Vocês sabem onde fica este lugar onde foram trabalhar seu pai e seus tios?

– Sim, nos sabemos. – Afirmou Luis.

– Então vão atrás de notícias, levem Clodoaldo e Marcos com vocês e não demorem. – Disse mamãe.

Marcos e Clodoaldo são irmãos, mamãe cuida deles para uma amiga, que os deixou com ela, isso já tem cinco anos, Clodoaldo tem 10 anos e Marcos 6, mamãe cuida deles assim como cuida de nós.
Lá se foram atrás de notícias.
Quando voltaram já com papai e tio Régis, Antonio abraçava tio Régis forte, chegando perto vi a dor no seu olhar. Papai chegou perto da mamãe e falou o que tinha acontecido.

– Pedro passou mau no trabalho, levamos ele para o hospital, mas não adiantou e ele nos deixou, Maria, sinto muito.

Aquilo foi um choque para todos, tio Pedro teve um infarto fulminante e não resistiu, foi muito sofrimento para todos, eu percebi que de todos mamãe sofria muito mais. Eu peguei ela no quarto chorando e perguntei se já sabia.

– Dói ainda mais saber antes que todos, porque não posso contar, e tenho que passar por isso sozinha, não escolhi isso, se eu pudesse mudaria tudo, mas não tenho esse poder, eu peço a Deus e aos orixás que me tirem este dom.  – Disse mamãe me abraçando.

Tia Maria precisava muito dela naquele momento e ela tinha que ser forte para ajudar sua irmã

– Sei bem o que devo fazer, o destino já me deu uma ajudinha, vamos passar por esta tempestade e tudo se encaminhará. – Disse mamãe para papai.

Naquele momento mamãe já sabia o que ia acontecer nos dias a seguir e pelo jeito é bom, eu vi um leve sorriso em seu rosto.

O Recomeço

Ano - 1987

Estava sendo muito difícil para minha tia e os primos continuar a vida sem tio Pedro, Antonio que não saía de casa dizia que sentia muita falta de seu pai. Luis e Antonio além de primos são muito amigos.
Luis queria muito ajudar Antonio só não sabia como fazer, foi quando o convidou pra ir na balada e Antonio arrumou uma namorada.

Mamãe, precisava dar um jeito de alegrar um pouco tia Maria.
Passado alguns meses do falecimento de titio mamãe convidou titia para ir a feira, pois desde a morte de tio Pedro elas não foram mais, para mamãe os dias de feira era um divertimento, elas sempre aprontavam.

- Luis venha aqui – mamãe chamou meu irmão – você que anda pela noite, me diga onde posso levar sua tia Maria para dançar, preciso por um sorriso em seu rosto.

– sei sim – Disse Luis.

– Eu convidei ela para ir a feira, de noite podemos sair pra dançar, Marilene também vêm. – Explicou ela.

Marilene já está casada e não mora com a gente, mas vem nos finais de semana.

Papai chegou e mamãe comentou com ele da ideia que teve, papai aceitou na hora.

– Vamos sim ao baile, faz tempo que não dançamos juntinhos. – Falou papai que pegou mamãe pela cintura e saiu dançando com ela.

No dia seguinte chegando na feira tia Cleonice viu um menino deitado na grama, estava com a roupa rasgada, sujo, com os pés descalços e muito machucado, fomos chegando perto dele, foi quando abriu os olhos.

– Estou atrapalhando as senhoras?– Perguntou o menino com os olhos arregalados e já foi se afastando, como se estivesse com medo.

– Não, Não! Calma, tá tudo bem, venha aqui, me diga seu nome, nois só queremos te ajudar. – Disse tia Cleonice ao menino que estava muito assustado.

– Meu nome é Daniel.

– Daniel onde está sua família? Seus pais? – Perguntou mamãe ao menino que aos poucos ia se acalmando.

– Antonio vai com o Luis comprar algo para o Daniel comer. – Pediu tia Maria, e foi abrindo a carteira para lhe dar o dinheiro.

Nesse momento aparece seu Gaspar.

– Posso pagar algo para o menino comer senhoras?

– Hora, Hora, se não é o motorista  educado da Perua, seu Gaspar que imenso prazer ver o senhor novamente – Disse tia Maria olhando para os lados.

Seu Gaspar riu.

– Hoje não estou com a dona Elizabeth, trouxe a filha dela, senhorita Rita. Naquele dia não pude me desculpar com as senhoras, será que podemos começar do zero sem toda aquela discussão?

– Claro que sim. – Respodeu mamãe.

Enquanto isso tia Cleonice cuidava de saber mais sobre Daniel, que nos disse, que sua família tinha partido sem ele, pois eles são ciganos e não ficam muito tempo em um lugar só.

– Na verdade esqueceram dele e é claro que vão voltar para buscá-lo, resta saber quando e onde que tudo estará resolvido. Não é Daniel? – Perguntou tia Cleonice ao menino, para ver se conseguia um sorriso no seu rosto, e ela conseguiu até mais que um sorriso, conseguiu passar confiança e Daniel se sentiu seguro para lhe contar tudo sobre sua família.

– Estou admirada com tanta facilidade que ela tem de passar amor e confiança, parece que esse menino já esperava por ela aqui, é estranho não é Luis?– Perguntei ao meu irmão que estava ao meu lado, também olhando, enquanto tia Cleonice brincava com ele na praça, ao lado de onde acontecia a feira.

_ É, a mãe e as tias tem esse dom e é lindo. – Respodeu ele que foi ao encontro dos dois com um pastel para Daniel comer.

Do outro lado está tia Maria conversando com seu Gaspar, Luis e eu fomos a procura de mamãe na feira, encontrarmos ela comprando frutas com Antonio e minhas irmãs Fátima e Aparecida.

– Tá tudo encaminhado como Deus quer. – Disse mamãe.

– A senhora sabia que aquele menino estaria aqui? – Perguntou Luis para mamãe, com olhos arregalados.

– Não, nem tudo eu sei meu filho, quem sabe de tudo é Deus, ele é quem manda a gente só obedece. – Falou mamãe, que não nos convenceu.

Mamãe comprou tudo que precisava, e fomos ao encontro das tias, tia Maria estava se despedindo de seu Gaspar e tia Cleonice vinha ao nosso encontro com Daniel, enquanto mamãe também se despedia de seu Gaspar, apareceu a senhorita Rita com algumas sacolas nas mãos, chegou nos cumprimentando, totalmente diferente da sua mãe.

– Bom dia! Vocês são parentes do seu Gaspar? – Perguntou – Sou Rita. –  A menina já foi estendendo a mão para nos cumprimentar.

– Oh, não, apenas amigos, faz pouco tempo que nos conhecemos! – explicou mamãe – Sou Zenilda, minhas irmãs Maria e Cleonice, meu sobrinho Antonio, meu filho Luis e essa é Lucia minha filha– nos apresentou – Lucia vai se abaixar agora para pegar o queixo do Luis que caiu no chão. – brincou mamãe.

– Mãe! – indagou Luis que olhou para a garota envergonhado, ela riu.

– Gaspar nós vamos em uma sociedade dançante hoje, se quiser aparecer por lá. – convidou mamãe.

No caminho para casa tia Cleonice de mão dada com o menino Daniel.

– Meu Deus! Zenilda, você perdeu a vergonha na cara, convidou o homem para sair com a gente. – Disse tia Cleonice, abismada com mamãe.

– Com a gente não, convidei ele para dançar com a Maria, não fui assim direta, mas acho que ele entendeu minha intenção.

– Claro que ele entendeu, se todos aqui entenderam impossível ele não ter entendido. – Disse Luis, indignado com a atitude de mamãe.

– Deixa eu te falar uma coisa Luis, antes que eu me esqueça, tire essa garota da cabeça,  ela cheira confusão. – Falou mamãe.

– Que garota? –  Respodeu Luis.

– Aquela que você deixou cair o queixo e sua irmã teve que pegar no chão, estou te falando meu filho, não conhecemos o pai dela mas a mãe é racista, jamais vai deixar você se aproximar dela.

– Eu entendi mamãe.

Mamãe olhou para ele e balançou a cabeça, ela sabia que ele não tinha entendido e suspirou.

Tia Cleonice levou Daniel para a casa dela, disse que iria cuidar dele até sua família aparecer.

Então à noite foram todos para o baile, no outro dia só fiquei escutado o que tinha acontecido, tia Maria pelo jeito estava encantada pelo seu Gaspar, dançaram a noite toda e combinaram de se encontrar para jantar.

– Como foi a noite no baile mamãe?– Perguntou Luis

– Ótima! A noite só não foi perfeita porque Marilene resolveu aprontar. – Disse mamãe.

– Como assim?

– Peguei ela aos beijos com o marido da nossa vizinha, Marlene, agora você imagina o tamanho da confusão, mas deixa Marilene que eu vou ter uma conversa de pertinho com ela. – Disse mamãe revoltada com Marilene, pois ela estava traindo duas pessoas nesse caso, dona Marlene e Carlos seu marido.

O Monstro

Todos os domingos eram dias de felicidade em casa,  porém aquele domingo ia ser diferente, mamãe já esperava por isso, ela sabia que iria passar raiva, só não sabia que ia fazer uma descoberta terrível que iria lhe deixar muito triste e magoada.

Marilene mora a algumas quadras de casa com seu marido Carlos e sua filha Rosângela de apenas dois anos.

Na frente de casa avistei Marilene chegando com Carlos e a criança, gritei para Luis que imediatamente avisou mamãe. Mamãe atirou o avental e chamou Helena e Miriam para cuidarem das panelas que estava No fogo.

– Lucia você cuida dos pequenos lá fora e Luis me avisa quando seu pai estiver vindo, não quero ser interrompida quando estiver conversando com sua irmã. – Falou mamãe, todos nós obedecemos sem questionar.

Logo chegou Marilene, mamãe estava lhe esperando na porta.

– Sua bênção mãe. –Disse ela.

–Entre no quarto precisamos conversar. Onde está Rosângela? –Perguntou mamãe.

–Rosângela está com papai na casa da tia Cleonice.

–Ótimo. – Falou mamãe, que já foi lhe puxando pelo braço até seu quarto, todos nós olhamos e foi cada um fazer o que ela tinha pedido, eu e Luis ficamos la fora, fiquei olhando as crianças brincar e Luis cuidado para que papai não entrasse naquele momento.

Eu e Luis éramos muito grudados,  era sempre com ele que eu conversava, ele sempre sabia me tirar dos apuros, ele me leva ao colégio e sempre quando pode vai buscar, posso fazer qualquer perguta e ele mesmo que não saiba inventa, só para que eu não fique sem resposta.

– Mamãe vai brigar com ela?– Perguntei

– Sim, vai, ela fez uma coisa muito errada. –Respodeu ele

– Sei bem o que ela fez, escutei você conversando com mamãe hoje de manhã.

–Lucia não é pra você ficar escutado conversa atrás das porta, é feio. –Disse Luis, indignado.

–Não escutei atrás da porta vocês tavam falando alto. – me justifiquei

Depois de alguns minutos mamãe saiu do quarto com Marilene olhou para ela saindo.

– Deus te abençoe minha filha, eu sempre irei te abençoar, lembre-se disso. – Disse mamãe que voltou para o quarto chorando e nós corremos para abraçar, o que Marilene tinha dito para que mamãe sofresse tanto?!

– O que ela ela falou? ela magoou a senhora mãe, eu vou atrás dela e faço ela pediu perdão! mãe fala pra mim. –Disse Luis revoltado.

–Deixa ela. – mamãe respondeu.

Mais tarde escutei mamãe conversando com tia Cleonice sobre o assunto.

– Cleonice, ela me disse que tem um caso com ele a muito tempo, ela nem tem certeza se Rosângela é filha do Carlos, e tem mais ela tá grávida. –Disse mamãe para tia Cleonice, que à cada palavra ficava abismada com tudo que ouvia. – Eu coloquei ela contra parede e disse que ela ia acabar com toda aquela bagunça e terminar com Leôncio, e ela bateu o pé e me falou em alto e bom tom que não ia se afastar dele. Então falei pra ela se separar de Carlos e ela também recusou, isso porque ela diz amar os dois e ainda saiu dizendo que se eu abrir a boca ela também conta sobre nosso bar para Jerônimo e Régis.

– E o que você fez? – Perguntou tia Cleonice.

– Eu tive que dar um tapa na cara dela, e me arrependo muito por ter feito isso, só fez com que ela tenha mais ódio de mim, apesar de ter merecido, eu só tenho medo do dia que Carlos descobrir tudo isso – Disse mamãe com os olhos cheios de água.

–Deixa Zenilda ela vai se arrepender. –Falou tia Cleonice abraçando forte mamãe.

– Não, ela não vai se arrepender, a tendência é só piorar, Cleonice, eu não vi onde foi que eu soltei a mão da minha filha, ela pegou a direção errada, eu estou voltando nesse caminho e não consigo achar, eu não posso apoiar ela nisso – Falou mamãe para tia Cleonice que tentava lhe acalmar enquanto mamãe suspirava. – MONSTRO, foi isso que eu criei. – dizia mamãe.

Mamãe sabia que Marilene não ia voltar tão cedo para se desculpar mas isso não fazia diferença para mamãe que na realidade só queria que ela se tornasse uma pessoa melhor.

Fechar o Bar?

Tia Maria se apaixonou por seu Gaspar que agora é meu tio e tia Cleonice ia quase sempre com Daniel no lugar onde sua família tinha lhe deixado, mas os dias se passavam e nada.

Meses se passaram e não vimos mais Marilene, em casa era proibido falar dela, papai queria procurar ela mas foi proibido por mamãe.

Luis foi morar com Joana sua namorada que estava grávida, Antonio também vai ser papai. Os dois começaram trabalhar com papai e tio Régis na construção civil. Minhas irmãs Helena e Miriam estão trabalhando.

O tempo se passava e parecia que tudo ia bem, menos o fato de que Marilene  não dava notícias.

Mamãe e tia Cleonice já pensavam na hipótese de fechar o bar, ou mudar o tipo de atendimento, foi quando resolveram fazer o último atendimento. Estava tudo combinado, tia Cleonice disse que tinha que escolher muito bem seu último cliente.

Tudo acontecia como um dia normal, papai e tio Régis saíram cedo, mamãe se vestiu com sua melhor roupa se maquiou e chamou um táxi onde saíram ela e titia, passaram algumas horas e parou de frente ao bar um carro e logo chegou outro carro de onde saiu tia Cleonice, mamãe estava no carro da frente, entraram direto para dentro do bar.

Fui para o colégio e quando voltei mamãe não estava em casa ainda, achei estranho ela sempre estava em casa quando eu chegava, fui na frente do bar com Helena e vimos apenas um carro, chegamos mais perto e olhamos pelo vidro da janela e vimos um homem totalmente transtornado com uma faca na mão, eu e Helena precisávamos fazer alguma coisa para ajudar mamãe e tinha que ser rápido.
A primeira coisa que veio a minha cabeça foi o carro, peguei uma pedra e joguei com toda minha força naquele carro logo Helena também jogou outra pedra, isso fez com que ele voltasse sua atenção para fora, foi quando mamãe e tia Cleonice puderam fugir.
Mamãe saiu correndo, já na rua ele correu atrás dela e a pegou pelo cabelo, eu e Helena gritamos por socorro. Nisso vêm chegando papai e tio Régis com Luis e Antonio.

Luis e papai quando viram aquele homem em cima da mamãe com aquela faca, bateram muito nele.
O homem dizia a todo momento que queria o dinheiro e que ele foi roubado. Foi então que papai disse para ele chmar a polícia então, ele foi embora preferiu não se comprometer.

– Zenilda o que foi aquilo? –Perguntou papai.

– Eu não sei, aquele homem enlouqueceu, bebeu demais e não queria pagar a conta, Cleonice disse que ele não iria sair sem pagar, aí ele enlouqueceu dizendo que o dinheiro dele tinha sumido.

papai que não se convenceu e foi perguntar para tia Cleonice, que por sorte falou a mesma coisa.

– Cleonice comentou comigo que quer fechar o bar, depois disso que aconteceu acho que vai fechar mesmo. –Falou mamãe para papai.

Foi assim que elas pararam de trabalhar, com essa lembrança, todas as vezes que conversam as três riem muito de tudo isso.

A gota d'água

Ano–1990

Já faz quase três anos que não sabemos nada de Marilene, até que um dia mamãe não se conteve e perguntou para seu Leôncio.

– Leôncio, tem notícias de Marilene?como ela está? As crianças estão bem? – Perguntou mamãe olhando sério para ele, dava para perceber o tamanho da sua revoltada.

– Sim, sim, ela está bem. Ela está grávida novamente, já faz mais de uma semana que não a vejo, Marlene não sai do meu pé, ela tá muito desconfiada, anda até me seguindo. – Respodeu Leôncio com a voz trêmula.

–Está mentindo pra mim.

– Se você acha que eu estou mentindo, por que me perguntou. –Disse ele achando que iria intimidar mamãe.

– Perguntei para ver se você me falava a verdade, cachorro, sem vergonha, vai ver só o dia que eu me cansar dessa situação, ainda não falei nada por causa da minha filha e meus netos.

Mamãe sentia que tinha tinha algo errado e a partir do momento em que ela sente isso, ela não fica bem enquanto não descobre o que está acontecendo. Foi então que ela começou a investigar.

No dia seguinte mamãe foi em busca de respostas para suas perguntas, só que ela não esperava que quem iria lhe dar as respostas era sua vizinha dona Marlene.
Mamãe chegou em casa e logo atrás chegou dona Marlene aos berros.

– Zenilda, descobri tudo, a cadela da sua filha está tendo um caso com o Leôncio. – gritava aquela mulher na mesma hora em que apontava o dedo para a cara de mamãe.

Mamãe não falou nada e virou de costas para ela.
Dona Marlene passou do limite e agarrou minha mãe pelo cabelo.
Eu já tinha visto mamãe brava mas daquele jeito ainda não.
Mamãe virou tão rápido e esbofeteou a cara dela com tanta força que ela foi ao chão, mamãe não deu tempo para ela levantar e subiu em cima dela, segurando seus braços.

– Você me respeita Marlene, eu não tenho nada a ver com isso, vai resolver isso na sua casa, com seu marido e me deixa em paz, só peço isso para que a gente possa ter um convívio bom, pois somos vizinhas. Mas se não quiser, não faz mal, também sei fazer da vida dos meus inimigos um inferno, então você decide. – Explicou mamãe para ela que logo se acalmou

– Fica olhando então. – Ela levantou do chão e foi para casa, levou para fora uma mala de roupas e pois fogo, era as roupas de seu Leôncio que ficou do lado de fora da casa só olhando tudo aquilo sem dar uma palavra.

E de Marilene? ninguém sabia, essa era a preocupação de minha mãe.

– Leôncio como ficou minha filha ? – Perguntou mamãe.

– Eu não sei, agora estou falando a verdade, eu não sei. – Respodeu com tanta certeza que mamãe se convenceu.

–Zenilda o que você vai fazer? Quer ir até lá ?–Perguntou papai.

–Não, eu não sei o que fazer, mas nós não vamos lá, sabe como me dói dizer isso, mas ela precisa decidir o que fazer da vida e tomara que tome a decisão certa, eu não posso interferir.

No outro dia bem cedo escutei a voz de dona Rosa, nossa vizinha da frente, ela chamava por mamãe bem alto.

Mamãe tinha conseguido encaminhar aquele espírito que atormentava dona Rosa, ela tinha se tornado outra mulher, bem mais feliz, estava até namorando, ela achava que devia tudo isso a mamãe.

– Zenilda, Zenilda. – gritava ela, até que acordou a casa toda.

– O que foi Rosa? – Perguntou mamãe abrindo a porta, mas ao abrir, mamãe voltou para trás e olhou para mim e minhas irmãs Helena e Miriam.

– Vamos temos que correr.– Disse mamãe e já saiu correndo para rua, nós saímos atrás dela sem saber o que estava acontecendo e dona Rosa junto.

– Onde foi que você viu ela? – Perguntou mamãe a dona Rosa .

– Duas quadras depois da ponte.

– Vamos meninas, temos que achar essas crianças. – Falou mamãe.

Nós corremos em direção a Ponte, a gente não sabia quais crianças tínhamos que achar, mamãe não falou, só dizia que tínhamos que procurar.
Ao chegar na ponte, mamãe parou bem no meio sentou.
Ela estava tendo uma visão, alguma coisa ia acontecer naquela ponte, mas naquele momento mamãe não podia ficar ali para saber, nós tínhamos que correr. 

– Mãe quem são essas crianças que estamos procurando? – perguntou Helena

– São seus sobrinhos, filhos de Marilene, ela abandonou as crianças na rua aqui por perto, eu consegui ver o desespero das crianças, nós temos que achar elas. – Respodeu mamãe ofegante e nos apontando o caminho.

Depois de algumas quadras, longe da favela, avistamos Rosângela sentadinha no meio de uma calçada, com o pequeno Leo no colo, mamãe correu para pegar eles e chorou muito.

Levamos as crianças para casa, mamãe estava muito revoltada com aquilo.

– Não consigo acreditar que Marilene fez isso, abandonou as crianças na rua, eu não me conformo, nem cadela faz o que ela fez. – falava mamãe com dona Rosa.

– Que bom que conseguimos achar. – Falou dona Rosa para mamãe.

– Eu vou na casa dela, quero escutar da boca dela o porque do abandono das crianças, apesar de não ter justificativa o que ela fez, mas eu quero olhar nos olhos dela. – Dizia mamãe para nós  enquanto trocava de roupa .
– cuidem bem dessas crianças eu já volto. –Falou ela e saiu.

Mamãe sabia que ia ser uma conversa difícil, mas ainda tinha esperança que Marilene dissesse que não abandonou as crianças por que quis e sim por que Carlos obrigou. 

Passaram algumas horas e mamãe esta de volta. As tias estão em casa esperando por notícias sobre Marilene.

– Então Zenilda conseguiu achar ela?– Perguntou tia Cleonice.

– Antes não tivesse achado, ela me disse que vai embora da cidade com Carlos e ele não quer as crianças, porque não tem certeza se são filhos dele, por isso ela abandonou as crianças na rua, eu disse para ela vir morar comigo e cuidar das crianças e ela se negou, disse que vai ficar com Carlos. Eu ainda não consigo acreditar que minha filha, que foi criada vendo eu acolher crianças abandonadas, abandonou seus filhos, isso vai contra todos os meus princípios. Eu não posso perdoar Marilene por isso. – Disse mamãe, um tanto magoada e revoltada
– Ela ficou de me procurar quando nascer a outra criança para deixar comigo, eu pedi para ela trazer aqui, porque ela ia deixar no hospital, talvez até lá pode ser que ela se arrependa.

– E de quantos meses ela está? – Perguntou tia Maria.

– Está de sete meses, ela me entrega a criança e vai embora.

–Ela disse para que cidade vai? – Perguntou papai.

–Não, eu nem pensei em perguntar, na realidade eu prefiro não saber, só quero pegar essa criança e esquecer que tive uma filha chamada Marilene.

Ironia do destino

Passou alguns dias até que todos nós  pudéssemos voltar a vida normal, apesar de tudo que tinha acontecido até as crianças precisavam se adaptar a nova vida. Ninguém falava sobre o acontecido, quanto menos falar mais rápido se esquece, era sempre isso que mamãe dizia para todos nós.

Desde de aquele dia mamãe estava apreensiva, parecia preocupada com algo, ela dizia que queria voltar naquela ponte e que precisava descobrir o que iria acontecer.

–Preciso ir até aquela ponte, tenho tido umas visões, mas está muito embaraçado, não dá pra saber direito quem é, e alguma coisa me diz que é só lá que minha visão vai se abrir. – Disse mamãe à dona Rosa.

– A hora que você quiser ir, eu vou com você.

Estávamos todos sentados na frente de casa quando passou um homem correndo e logo atrás mais dois homens armados, todos que estavam na rua corram, na hora eu nem vi para onde estava indo só pensei em correr, foi então que eu e Fátima fomos nos esconder no galinheiro de dona Marlene  o que a gente não sabia era que aquele homem teria a mesma ideia, mas quando ele entrou e olhou para nós com desespero logo vi que era ele a caça e saímos de frente com os  dois homens armados.

– Tem mais alguém aí dentro?
– Perguntou um deles com a arma apontada para mim, Fátima me olhou e balançou a cabeça, negando, e eu repeti o gesto, então saíram correndo.

– Meninas vocês estão bem?
– Perguntou mamãe, enquanto vinha correndo ao nosso encontro .

– Obrigado meninas vocês salvaram a minha vida. – Falou aquele homem, enquanto saía do galinheiro.

Nós abraçamos forte mamãe e fomos para a casa.

– Coitado daquele rapaz, mal sabe ele que de um jeito ou de outro já é ponto final. – Disse mamãe enquanto caminhávamos para casa.

Eu fiquei tão horrorizada com tudo aquilo que tinha presenciado, eu sabia que eles teriam matado aquele homem caso vissem ele.

No dia seguinte todos comentavam que aquele homem tinha ido para a praia e morreu afogado.

Grande ironia do destino.

Decisão

Mamãe combinou com dona Rosa de irem a ponte ao amanhecer, ela queria saber o que iria acontecer ali e por que sua visão estava fosca, ela conseguia ver muito desespero mas não via o rosto das pessoas e isso estava preocupando muito ela.

– Lucia, filha, vá buscar seu irmão Luis preciso muito falar com ele. – Falou mamãe ao me acordar. Fiz o que ela me pediu imediatamente.

Cheguei na casa de Luis ele já estava se preparando para ir trabalhar, ele como sempre não questionou e foi saber o que mamãe queria.

– Mandou me chamar mãe?

– Sim  meu filho sente aqui preciso te falar uma uma coisa. – Respodeu mamãe passando a mão no seu rosto. 
– Me diga uma coisa você tem saído muito com Antonio nos finais de semana?

– Não, nós não saímos a bastante tempo, eu estava pensando em chamar ele pra sair este final de semana.

– filho deixa eu te pedir uma coisa, evita de sair com Antonio a noite por favor. – Disse mamãe com calma na voz para não assustar Luis, e eu acho que funcionou.

– Tudo bem mãe ,nós não vamos sair.
–Disse Luis que me olhou como se Não estivesse entendendo nada. – Deixa eu ir mãe, se não vou chegar atrasado. – e lhe deu um beijo na testa.

Em seguida ela foi para o quarto de Helena e Miriam, acordou elas.

– Quero todos na sala,quero conversar com vocês. – Disse mamãe, e já foi se sentando no sofá.

Clodoaldo e Marcos já não moravam com a gente, a mãe deles tinha vindo buscar eles, mas todos os finais de semana eles vinham passar com a mãe preta deles, era assim que eles chamavam mamãe.

– As vezes eu finjo não ver e nem ouvir meus orixás, meus guias protetores, e acho que com isso vou me proteger e proteger vocês das dores da vida e sempre acabo me enganando. Então desta vez eu vou dividir com vocês um pouco do que eu vi e o aviso que eles me deixaram, eu sei que algumas de vocês não vão obedecer, mas mesmo assim eu vou tentar. –Falava mamãe, enquanto todos nós escutamos com muita atenção. – Nós vamos passar por uma tristeza muito grande, onde vamos ter que apoiar um ao outro, eu vou precisar muito de vocês. A primeira coisa que eu preciso é que não mintam para mim. Helena e Miriam sei que vocês estão namorando e eu quero saber quem são esses rapazes.

– Sim mãe, estamos namorando, mas o que isso tem a ver com o que vai acontecer? –Disse Helena, olhando para Miriam.

– Isso tem muito a ver com que vai acontecer, por que eles são bandidos, assassinos e é impossível que vocês não saibam disso, eu não quero que vocês sofram então isso vai acabar hoje.
– Disse mamãe.

–Não mãe, eles não são isso. – Disse Helena e foi saindo, quando nossa mãe à pegou pelo braço e colocou ela sentada de volta no sofá.

– Eu não acabei Helena, e você vai escutar até o fim. Vai ter um assassinato em cima daquela ponte que vai ter ligação com nossa família, eu não sei quem vai morrer e não sei quem vai matar, mais meus orixás me disseram que a escolha errada agora vai ter consequências lá na frente. Então vocês duas tem que escolher agora se acabamos com isso ou não.

– Como assim? Mãe não pode ser, o Tiago não teria coragem de fazer isso.
– Falou Miriam, não acreditando no que estava ouvindo.

– Então me diga minha filha, qual é a profissão deste Tiago? O que ele faz? No que ele trabalha? Vamos me diga! Você perguntou isso pra ele? – Perguntava mamãe segurando a cabeça de Miriam e olhando bem dentro dos olhos dela  para que Miriam não fugisse de seu olhar. – Eles são da gangue do bolo sim.

Bolo é o apelido do rapaz chefe de uma gangue na favela.
Para ser integrante da quadrilha tem que passar pelo testes e um deles é matar alguém.
Todos comentavam que as pessoas que faziam parte da gangue tinham feito um pacto com o diabo, talvez tivesse mesmo, porque toda semana era um assassinato na favela e todos sabiam que era a mando deste tal de bolo, mas o medo tomava conta de todos, e mamãe não aceitava que Helena e Miriam fizesse parte daquele horror.

– Eu não acredito que vou perder vocês, minhas filhas, olhem para mim, vocês tem que sair disso o quanto antes, eu vou estar com vocês sempre. Vocês têm que tomar a decisão certa. – Falou mamãe para elas e saiu para a cozinha chorando.

Neste momento as duas saíram, tentei ir atrás delas mas mamãe me proibiu.

– Deixa elas, esse momento é só delas. Meu Deus eu estou ficando cansada de tudo isso e esse é só o começo, temos muita luta pela frente.

Nossa mãe sabia bem o que dizia, ela nunca tropeçou nas palavras, e mesmo assim Miriam e Helena duvidavam dela, o que foi um grande erro, e a escolha errada foi feita.

Naquele ano uns dias depois dessa triste decisão de minhas irmãs, exatos cinco dias, ainda de madrugada, às quatro e cinquenta da manhã, acordei com os sussurros de Luis e mamãe na cozinha, fiquei pensando no que Luis fazia aquela hora em casa, foi então que fui até a cozinha para saber.
Mamãe e papai estavam nervosos falavam baixo para não acordar as crianças.

– Meu pai, que tristeza, Maria não vai acreditar na sua inocência Luis, você tem que fugir meu filho, eu pedi tanto pra você não sair com Antonio. – Dizia mamãe chorando.

–É mãe, só que eu não escutei, eu não vou fugir, tenho que falar a verdade pra tia Maria, e tomara que ela acredite em mim. – Falou Luis que chorava muito.

Luis estava revoltado, e jurava vingança.

A fuga de Luis

A nossa luta por sobrevivência tinha começado dentro daquele lugar onde não existe lei, a única lei que existente aqui é a lei do crime e essa lei tem que ser cumprida a regra sem tropeço. 


Luis sabia disso, porém foi incriminado.


Se passou pelo uma hora para que alguém fosse avisar tia Maria que seu filho, Antonio, estava morto em cima daquela ponte, e logo se escutou os gritos de dor, dor de uma mãe em desespero.


Mamãe tapou os ouvidos, não queria escutar seus gritos.


– Como eu queria que este dia não  chegasse, Deus sabe o quanto eu pedi para que isso não acontecesse, mas ele sabe o que e o porque cada um de nós tem que passar, vamos ser fortes meus filhos. – Mamãe diz com lágrimas nos olhos.


Tia Maria sabia que Antonio tinha saído com Luis então sem dúvida ela iria acusar ele, todos nós já estávamos esperando por isso e mamãe ficou no portao esperando por ela.


– Maria. – ao chama-la, mamãe foi fuzilada com os olhos raivosos de Tia Maria.


–Você sabia disso, não sabia Zenilda? Onde está Luis? Eu não esperava isso de você, quero que você entregue seu filho, ele tem que pagar pelo que fez, Gaspar chame a polícia.


–Você não vai me ouvir agora, mas preciso te dizer, sei que está sofrendo mas não vou entregar meu filho, até porque ele é inocente, jamais faria isso com Antonio, eles são como irmãos, ele está sofrendo também.


Então tio Gaspar saiu para chamar a polícia, tia Maria virou de costas para mamãe e saiu gritando que Luis era o assassino.


Eu abracei Luis, que estava escondido no quarto de mamãe.


– Você precisa ir buscar abrigo seguro até se resolver tudo, a polícia está vindo. – falou mamãe levando Luis pela mão até a porta da cozinha.


– Mãe, deixa eu explicar pra tia, ela vai acreditar em mim, não posso pagar por isso. – Falou ele.


– Sua tia vai escutar você, mas não hoje, hoje ela não escuta ninguém, o problema agora é a polícia, você tem que se provar inocente, dizer quem é o culpado, isso quer dizer se livrar da polícia e se queimar com os bandidos, preciso pensar no que fazer e para isso preciso saber que você está seguro. – Disse ela abraçando forte Luis.


Fiquei pensando como Luis ia passar sem ser visto, tinha muita gente em frente de casa, era quase impossível sair sem ser visto, naquele momento mamãe teve a ideia de tirar Luis pelo quintal de dona Marlene, Luis pulou a cerca e foi logo visto por dona Marlene, naquela hora achei que tudo estava perdido.


– Marlene, eu peço, por Deus, deixe ele ir, meu filho é inocente.


– Não sou este monstro que você pensa Zenilda eu tenho filhos, e é por este motivo que eu não estou vendo Luis aqui. – Falou dona Marlene, desviando o olhar.


– Vá com Deus meu filho, que nossa senhora Aparecida te cubra com seu manto e que nem um mal chegue até você.


Eu vi meu irmão fugir sem rumo e quando mamãe entrou para dentro da nossa casa, fui atrás de Luis.


– Lucia, volte pra casa agora.


– Não, eu vou com você.


– É perigoso.


– Vou assim mesmo. – Eu disse pra ele, e saímos correndo, pulando cercas, até chegarmos na rua que saía fora da favela, onde as viaturas estavam entrando, eu vi o desespero nos olhos de meu irmão.

Vingança

Se passou um ano e nesse meio tempo, Luis já tinha sofrido dois atentados e sobrevivido.

Em uma madrugada, ele bateu na porta e quando mamãe abriu, ele caiu em seu  colo, sangrando muito no pescoço, não  sei como não morreu.

Uma outra vez, ainda era dia, quando um dos capangas começou atirar em Luis, a pelo menos uns 20 metros de distância, quando Luis começou a correr em ziguezague, na direção dos tiros, fiquei horrorizada vendo aquilo, achei sinceramente que ele iria morrer, mas não, ele correu e conseguiu pegar a arma das mãos daquele homem, sem nem um arranhão, mas o seu tempo estava acabando aqui na Terra, nossa mãe sabia disso.

– Mãe, hoje vou sair, vou caçar o Bolo,  fiz um acordo com o Tiago e ele vai facilitar a minha chegada até ele.

– De que jeito eu tiro isso da sua cabeça? Eu já não sei o que fazer para que tudo volte ao normal, também não sei mais o que é normal, nossa vida tomou um rumo que não conheço, agora só me resta esperar. – Disse mamãe, com os olhos cheios de água.

Luis apareceu no outro dia, cedo, para tomar café com mamãe, estava estranho, mamãe não perguntou apenas olhou para ele.

Logo depois, Helena e Miriam também chegaram.

– Logo, logo as pessoas vão perceber o sumiço do bolo. – Disse Miriam para Luis.

– Está tudo bem, não tem como ninguém saber.

Depois de dois dias, acharam o corpo do bolo e realmente ninguém soube o que aconteceu.

Pensei que com a morte do bolo tudo voltaria a ser como antes, mas meu irmão tinha colecionado inimigos e depois de ter entrado no crime não seria fácil sair.

Sua posição no crime era invejada pelos outros bandidos, mas o medo freiava qualquer ação desastrosa, e os seus maiores inimigos estavam por perto, Tiago marido de Mirian e Paulo marido de Helena.

Tiago, por mais que tenha ajudado Luis, era só um plano para que tivesse menos um na lista, para que ele chegasse no topo, ele queria ser o chefe.

Tiago e Paulo nunca entraram em nossa casa, mamãe os odiava, até porque minhas irmãs viviam apanhado deles e eles sempre apanhavam de Luis, era sempre assim, um toma lá dá cá.

Luis não aceitava que um homem batesse em uma mulher, ainda mais se essa mulher fosse sua irmã, então ele sempre dizia: "Se você der um tapa nela, vou te dar três e se der três vai receber sete, porque te dou em dobro e um a mais, até quando eu me cansar e acabar matando vocês."
Tudo isso desencadeou uma discussão entre mamãe e papai que nunca tinha visto, papai não aguentava mais aquela situação.

– Isso não vai acabar bem, não preciso ter nem um dom para saber disso. E você sabe disso também.

Neste momento parou o carro do Dr. Alfredo Nassar em frente da nossa casa, mamãe achou que estava tudo bem, pois Dr. Nassar vivia em casa, diferente da sua esposa, ele gostava muito de Luis e adorava o café de mamãe, as vezes ele fugia dos chiliques dela para rir e conversar em nossa casa, com mamãe e papai, só que desta vez, a madame estava junto e já desceu do carro com aquele ar de superioridade.

– E como se não bastasse, tá vindo  mais encrenca. – Disse papai, enquanto mamãe saía para cumprimentar o Dr.

– Dr. Nassar, entre, vou passar um cafézinho para o senhor. – Disse mamãe, que passou direto da madame, indo em direção ao advogado e o levando para dentro. 

– Oi Zenilda, trouxe minha esposa, nós  precisamos conversar.

– Ah, sim, eu não tinha visto, entre, fique a vontade, se for possível. – Disse mamãe para ela com tom de ironia.

– É, como se eu fosse invisível, vai ser difícil me sentir a vontade.  – Disse ela.

– Desta vez, não vim para tomar um café, o assunto é sério, é sobre nossos filhos e eu espero que vocês entendam.
– Disse o advogado olhando sério para papai e mamãe.

– Sobre nossos filhos não, é sobre o seu filho, que é um bandido, minha filha só fez aquilo sob influência dele. Alfredo vamos parar de mimimi, e vamos ser diretos, não queremos que seu filho procure mais nossa filha.

– Mas do que está falando? está louca? – Perguntou mamãe.

– Do fato de que Rita, estava com Luis,  no dia em que o bolo foi assassinado.

– Nos não sabíamos disso.

– Sim mãe, Rita esteve aqui naquele dia, eu disse a ela que Luis não estava e que provavelmente estaria na praça, ela nem quis entrar, achei que ela tivesse ido embora.. – Eu disse para mamãe.

– Ela foi até a praça, quando chegou, viu que Luis já tinha matado esse homem, foi então que ela disse para eles por o corpo no carro e levar para descartar em algum lugar distante, para a polícia não desconfiar do Luis, e assim foi feito. Ela teve participação no crime. – Disse o advogado.

–Não acredito que Luis concordou com essa loucura e colocou Rita nessa confusão.  – Disse mamãe assustada.

– Acredito que não foi a intenção dele, mas na hora foi uma ótima ideia, na qual ele aceitou. Não estou dizendo que Rita é ingênua a ponto de se deixar influênciar. Estou querendo dizer que, se ela continuar com esse romance vai se envolver ao ponto em que não vou conseguir controlar. Sei bem a filha que tenho, por esse motivo preciso da ajuda de vocês para esse romance não seguir adiante. – Disse ele.

– Nós entendemos e vamos conversar com Luis e pedir que ele se afaste dela.

– Já tava na hora disso acabar, eu sempre disse que esse namoro não ia dar certo, esse rapaz não serve pra ela, este lugar não é nem de longe o que imaginei para minha filha frequentar.
– Disse a madame com cara de nojo.

– Não vou condenar você pelo que diz, sou mãe e sei bem o que está sentindo, só peço que controle sua arrogância, porque se não quem vai acabar se descontrolado sou eu e essa conversa vai tomar um rumo diferente, eu sinto que você não quer isso. Estou certa?

Dito isso, eles foram embora. Dr. Nassar se mudou para São Paulo e não vimos mais Rita, meu irmão sofreu muito com isso, mas ele sabia que seria melhor Rita seguir sua vida sem ele.

Escolhas

Ano – 1991

No começo do mês de março, meu pai viajou para Porto Alegre, com tio Régis,  para rever seus irmãos e seus filhos que havia deixado lá.

Fazia também alguns dias que Luis não aparecia em casa, até que na manhã de uma quinta-feira, ele apareceu, com a camisa do time que torcia, tirou os sapatos e deitou no sofá com a cabeça no colo de nossa mãe.

– Bem que você maninha, podia lavar minha camisa, hoje tem jogo e eu queria usar. Hoje não vou sair daqui, vou passar o dia com vocês, tava morrendo de saudades. – Disse ele para mim.

– Aham, eu sei, fala isso só pra ver se me convence né, mas nem precisa falar mais, já me convenceu.

Aquele dia passou tão rápido nós nos  reunimos novamente,  até as tias tinham vindo almoçar em casa, parecia um dia de domingo, Luis conseguiu juntar todos da família, com exceção de papai, tio Régis e é claro Marilene, que desde que foi embora nunca mais tivemos notícias dela, a sala ficou pequena para todos conversamos, e rimos muito.

Ao cair da tarde me arrumei para ir ao colégio, estudava a noite.

– Vou buscar você hoje, Lucia. – Disse Luis.

E assim fui, ao sair do colégio fiquei esperando por ele, que não apareceu,  logo imaginei, que era dia de jogo e ele deveria estar assistindo, então não iria vir, segui para casa, com minha prima Sônia, filha de minha tia Cleonice.

A lua cheia estava tão linda aquela noite.

Ao chegar em casa mamãe já estava dormindo, fui até o quarto, puxei um pouco a cortina e vi uma vela acesa do lado de fora da casa.

– Fátima quem foi que acendeu essa vela?

– Foi mamãe que acendeu, ela fez isso e foi dormir, disse que não era para incomodar, ela tá estranha.

– Estranho mesmo tá o Luis, disse que ia me buscar e não apareceu.

– Ele deve estar assistindo o jogo.

Sentei na cozinha pra comer um pão para depois ir pra cama, foi quando ouvi um tiro e logo em seguida os gritos, corri abrir a porta, era minha prima, Sônia.

– Lucia, acertaram Luis. – Disse em desespero.

Eu olhei para meu irmão, ele estava no chão, com os braços abertos, corri em direção a ele, foi então que aquele homem armado passou correndo por mim, chegou até a esbarrar em mim, mas naquela hora fiquei cega, só via meu irmão caído no chão e mais nada ao meu redor importava.

Tentei acordar ele, em vão.

– Fique comigo Luis, o socorro já está vindo, fale comigo, abra o olho, Vamos Luis, você tem que ser forte, não pode nos deixar, vai ficar tudo bem, vamos levante. – Dizia em meio as lágrimas.

Por mais que eu falasse, ele já não podia escutar, o desespero me dominava e não havia ninguém que pudesse me tirar dali.

Uma dor horrível tomou todo o meu corpo, naquele momento eu precisava que alguém falasse o que eu queria escutar, que ele estava bem, vivo e tudo não passava de um terrível pesadelo, para que eu pudesse voltar ao normal, um grito de dor e desespero  entalou em minha garganta, não via e nem ouvia ninguém, era como se eu tivesse certeza que ele ia levantar, alguém tinha que me dizer isso, para que eu saísse daquele transe horrível em que eu me enterrei.
Mas as pessoas me olhavam com pena, e falavam umas com as outras.

Quando senti que alguém me balançou forte e me tirou dali, era Sônia, ela gritava comigo, mas eu não ouvia nada, então eu apaguei.

Acordei e estava na cama da tia Cleonice com Sônia ao meu lado, logo imaginei que era um sonho ruim e que tudo aquilo não tinha acontecido.

Era o que eu queria ouvir mas não foi o que ela me disse e também nem precisava, só de olhar para ela já percebi que tudo era mais que real.

– Sinto muito Lucia.

– Eu não entendo, porque ele estava ali se era dia de jogo, ele não saia da frente da televisão enquanto o jogo não acabasse.

– Acho que ele estava preocupado com você, eu cruzei com ele, estava indo buscar meu caderno que esqueci com você e vi ele conversando com Paulo e aquele rapaz que passou correndo por nós. Ele me perguntou se estava tudo bem com você, eu disse que sim, ele disse que iria voltar para ver o final do jogo, eu continuei andando, então ouvi o tiro. – Disse Sônia.

Aquela noite demorou a passar, mas ao amanhecer nossa família estava reunida novamente, para velar o corpo do meu irmão.

Mamãe não chorou na nossa frente e também não falava nada, as pessoas comentavam sobre o crime perto dela e ela não tinha nem um tipo de reação, simplesmente se afastava foi assim até a despedida final ao meu irmão.

Passou mais ou menos uns quinze dias, quando numa manhã, mamãe estava preparado o café e eu estava sentada na cozinha, ela olhou para mim, foi até o quarto, pegou uma vela e sentou ao meu lado.

– Ele está aqui Lucia?

Eu me neguei a responder, mas ela já sabia.

– Sei que está, sinto isso, você tem que deixar ele ir.

– Não mãe, deixa ele ficar, ele não tá me fazendo mal, eu quero que ele fique.

Então ela pegou a minha mão e olhou bem dentro dos meus olhos.

– Eu também gostaria que ele ficasse, mas ele já não faz parte desse mundo, ele acha que não está te fazendo mal, mas está sugando toda sua energia, ele sente dor, muita dor, então você tem que deixar ele ir.

– Você sabia que ele ia morrer, por que deixou?

– Se eu pudesse mudar o destino eu mudaria, mas não tenho este poder. A minha dor não é menor que a sua. Você quer que ele continue sofrendo?

– Não, mãe. Eu quero que ele seja feliz.

– Então deixe ele ir, ele vai encontrar a felicidade, só que sem nós. Ele vai ficar bem minha filha, ele vai pra um lugar onde vão tirar essa dor dele.

– Mãe, porquê?

– Porque a vida é feita de escolhas e é por isso que existe o livre arbítrio. Luis fez a escolha dele lá atrás, quando resolveu se vingar da morte de Antonio, certa ou errada, esta foi a escolha dele, e ele também sabia das consequências, nada passa desapercebido aos olhos de Deus.
Assim como Paulo fez a escolha dele ao participar da morte do seu irmão. A conta dele vai chegar e de um jeito ou de outro ele vai ter que pagar. Eu também já tive que fazer muitas escolhas na vida e também não sei se foram certas só Deus pode me dizer, enquanto isso, sigo aceitando a vida que eu escolhi.

Mamãe me disse tudo aquilo e colocou  a vela na minha mão.

– Agora vá, acenda esta vela, faça uma oração e peça para ele ir. 

Eu sabia que assim que fizesse o que mamãe me disse, nunca mais iria ver meu irmão, mas era a coisa certa a se fazer, porque se ele estava sofrendo, estava na verdade pedindo ajuda.

Mamãe tinha um jeito de falar que não tinha como esconder nada dela, ela pegava pela mão e falava olhando dentro dos meus olhos, eu sentia como se ela entrasse dentro de mim, as vezes ela não precisava nem falar, era incrível como ela via tudo.

Tudo para ela tinha um sentido, e tudo levava a um caminho, sempre tinha uma explicação que me acalmava.

É, ela não errou, dois anos depois Paulo foi morto pelo próprio pai.
Na época foi um dos crimes mais horríveis que aconteceu na favela, pois o pai foi preso em flagrante na cena do crime.

Nesta época eu já estava casada e não morava com mamãe.

Casei e fiz o que um dia Luis me disse, subi em cima do muro,  e levei  a mágoa e a indiferença que eu sentia de Miriam e Helena.