sábado, 24 de dezembro de 2022

História do Exu Zé Pretinho Espírito conta o que fez na Terra para ficar anos no umbral

 História do Exu Zé Pretinho Espírito conta o que fez na Terra para ficar anos no umbral


Laroyê aqui é Exu Zé Pretinho. Muito prazer. Eu sou um Exu do Cristo e trabalho nas zonas umbralinas. Eu trabalho em um lugar acinzentado, com árvores secas, terra seca, falta de luz, de cor e de som. O local é sem vida e é para lá que vão espíritos de pessoas ranzinzas, mau humoradas, rabujentas, que parecem estar sempre para baixo. São aqueles que reclamam de tudo o tempo todo. Reclamam do cachorro feliz, da risada da criança, da casa, da comida, do sol, do calor, do frio, da noite, da natureza, dos insetos, de tudo que tem vida. Os que reclamam sofrem neste lugar do umbral pois lá não há som, não há voz. Todos ficam mudos e há muito do que se reclamar neste lugar. O objetivo de existir um local como esse é para que o espírito aprenda a entender o valor da vida. É ficando calado e observando muita morte para este espírito rebelde passar a valorizar a vida. Neste contexto gostaria de contar minha história. Pelos anos de 1850 eu fui um homem no Canadá. Em minha fazenda haviam centenas de pés de pêssegos. Eu era dono de tudo mas achava pouco, achava pequeno, achava pêssego ruim, achava que cuidar da terra era inferior, achava que minha vida era um desperdício pois eu era muito belo, forte e inteligente portanto eu tinha que ser mais. Tinha que me mostrar e ser visto. Eu pensava que as pessoas precisavam me conhecer, que minha força e agilidade eram atrações e eu queria glória. Queria que as esposas me desejassem, queria que os homens me invejassem. Eu me sentia preso naquela fazenda, preso e desperdiçado. Me casei com uma mulher que até era bonita mas não tão bela quanto eu achava que merecia. Mas com o tempo ela foi engravidando, trabalhando muito e perdendo a beleza. Ela teve cinco filhos, era dedicada e carinhosa, eu gostava dela como mãe dos meus filhos mas não muito como dona de casa. Eu, como era muito bom em tudo que fazia, achava que ela era inferior a mim.
Com o tempo meus filhos cresceram e eu fui perdendo a identificação com eles porque eles foram ficando parecidos com a mãe. Além de me afastar emocionalmente deles pela aparência, me sentia injustiçado por eles não parecerem mais comigo afinal eu era muito mais belo que minha esposa. Então este sentimento de injustiçado tomou conta de mim ao longo da vida e eu passei a ver tudo de forma negativa, me sentir desperdiçado e vítima. Com o tempo minha esposa já não mais me amava, meus filhos não se importavam comigo. Eu fui parando de cuidar da terra, das plantas e elas foram morrendo. Minha esposa morreu de tristeza intoxicada com minhas palavras, pensamentos e sentimentos ranzinzas. Meus filhos nem se lembravam de mim. Solitário no meu leito de morte eu ainda clamei: "Deus por que deixou minha vida ser tão horrível, tão parada?". Depois disso tive mais uma falta de ar que vinha ocorrendo com frequência, eu desencarnei de asma. Levantei, olhei meu corpo morto e deitado. Vi meu corpo apodrecer, vermes comê-lo, formigas, baratas. Lamentava um ser que já havia sido tão forte, másculo e belo se tornar aquele velho sendo comido por vermes. Continuava me sentindo vítima de Deus, perguntando por que. Meu filho, depois de 2 anos da minha morte, entrou em casa chamando por mim, fui até ele mas ele não podia me ver. Ele foi até o quarto, viu meus restos na cama e não fez a menor expressão de tristeza. Mandou limpar tudo e vender a casa. Ele levou apenas alguns pertences que eram de sua mãe. Disse à esposa dele que queria se recordar apenas de sua mãe carinhosa que suportou o inferno que eu causava na vida deles. Que eu era egoísta, vaidoso, ranzinza que perdeu toda riqueza que Deus havia me dado. Neste momento senti profunda dor e arrependimento. Foi como se meus olhos tivessem sido abertos e eu pude enxergar claramente tudo de bom que havia desperdiçado. Neste momento aquele suplício de dois anos vendo meu corpo apodrecer acabou, mas em vez de subir aquele sentimento de culpa me fazia cair e eu me sentia mais pesado. Então caí nesse vale dos calados, sem vida, pouca luz, sem cor nem som. Árvores secas e todos espíritos cabisbaixos. O tempo passa devagar lá, ninguém consegue interagir. E eu queimei muita coisa ruim dentro de mim com todo aquele sofrimento. Eu fiquei lá quase 100 anos daqui da Terra mas lá parece que foi eterno. Revivi, remoí muito dentro de mim. Pouco a pouco fui me perdoando e me tornando humilde, reconhecendo meus erros. Um dia um clarão iluminou perto de mim e um anjo resgatou a mim e mais alguns. Não sei colocar em palavras a emoção que senti quando este anjo me levou para um lugar muito parecido com a minha antiga fazenda de pêssegos, porém muito mais linda. Neste lugar foi brotando em mim um grande desejo de ajudar meus irmãos encarnados a não se cegarem com as bobagens terrenas e passem a enxergar as coisas de Deus em suas vidas. Este sentimento foi me elevando e fui aprendendo com espíritos da luz a ajudar a resgatar espíritos que estão no umbral. Com um tempo de bons trabalhos me tornei um exu do Cristo e trabalho neste vale triste e sem vida que mencionei no início deste texto. Contei minha história para que reflitam sobre agradecer o que se tem de bom mesmo não sendo o que querias, reflexão sobre humildade, sobre usar os dons que Deus dá para servir o seu próximo e não para se vangloriar. Reflexão sobre amar sua familia e dar atenção a quem se ama. E a reflexão mais importante é sobre perdoar a si mesmo independente do quão grave foi seu erro, pois o que mais importa é quem você quer ser daqui para frente. Meu nome é Exu Zé Pretinho e essa é a história da parte de minha existência em que mais evoluí.