sexta-feira, 15 de abril de 2022

Francisco é seu nome. Conheceu desde muito jovem, as dificuldades materiais da vida e, acostumado a trabalhar desde o nascer do Sol até o chegar da noite, aposentou-se. Saudável e com muita energia, não aparentava seus 58 anos.

 Francisco é seu nome. Conheceu desde muito jovem, as dificuldades materiais da vida e, acostumado a trabalhar desde o nascer do Sol até o chegar da noite, aposentou-se. Saudável e com muita energia, não aparentava seus 58 anos.


Nenhuma descrição de foto disponível.Oferenda de Encruzilhada

Francisco é seu nome. Conheceu desde muito jovem, as dificuldades materiais da vida e, acostumado a trabalhar desde o nascer do Sol até o chegar da noite, aposentou-se. Saudável e com muita energia, não aparentava seus 58 anos. Embora de família humilde, recebeu a melhor educação possível transmitida pelo exemplo de seus pais, a única herança que não quis de seus progenitores foi a fé.
Incrédulo, não seguir nenhuma religião e até zombava delas.
A ociosidade que aposentadoria trouxe para o seu Francisco o deixava ansioso. Já havia reformado a casa e o galpão, plantado horta, mas os dias demoravam muito a passar. Exemplificando o dito popular que diz:"cabeça vazia é oficina do mal", em pouco tempo Francisco sentiu vontade de começar a divertir-se, já que até então só havia pensado em trabalho. Morando próximo à cidade, ao entardecer resolveu visitar uma casa de diversões que existia por lá. Entre bebidas, mulheres e prazeres, perdeu a noção do tempo e retornou cambaleante já de madrugada. Ao chegar numa encruzilhada, avistou uma luz fraca no chão. Chegando próximo, percebeu que ele tinha um "despacho", como aquilo era chamado por lá. Havia uma bandeja grande onde repousavam uma ave morta, velas, charutos e uma garrafa de cachaça, além de outros materiais.
Não bastasse a sua falta de crença e qualquer coisa, ainda estava bêbado e carregava todas as energias do lugar de onde sairá. Com desdém e desaforando com palavrões juntou a garrafa de bebida e os charutos e chutou o resto do material. Até chegar em casa, bebeu quase tudo e fumou algum charutos.
No outro dia, contou para esposa sobre o "achado" e debochou dele com sarcasmo. A bondosa a mulher, cuja a mãe vida era médium benzedeira, respeitava todas as manifestações ligadas ao mundo espiritual, conforme os ensinamentos que havia recebido, e, por isso, chamou a atenção do marido, dizendo-lhe que, se não acreditava, deveria pelo menos respeitar. "Não presta mexer com o trabalho de encrusa", repetia ela preocupada.
Em outras noites a cena se repetiu da mesma forma, até o dia em que, ao chutar a oferenda, enxergou à sua frente um homem de capa negra, com chicote trançado na mão. Sua perna patalisou, e, em pânico, ele saiu pulando feito saci, caindo e levantando. Por uma boa distância ainda, ouvia a gargalhada daquele homem ressoando no ar.
No outro dia, sentia dor nas costas como se tivesse apanhado e, só de lembrar da cena vivida na noite anterior, arrepiada de medo.
Temia contar para esposa, pois sabia que o condenaria novamente pela atitude. Ela, vendo marido cabisbaixo e triste, perguntou se estava adoentado. Ele nada respondeu, pois sentia-se como se estivesse com febre. Seu sonhos passaram a ser povoados pelo homem vestido de negro e pela gargalhada dele. Acordava aos gritos é suando muito. Várias noites transcorreram dessa maneira, até que resolveu contar para esposa o que havia acontecido. Ela o aconselhou a se benzer, convidando-o para ir até um terreiro na vila vizinha. Meio renitente, mas sentindo a necessidade, ele aceitou com um misto de medo e curiosidade. Após abertura dos trabalhos com os pontos cantados e as orações, ele já se sentia mais tranqüilo. Em frente ao médium que servia de aparelho a um caboclo, suas pernas tremiam tanto que mal conseguia parar de pé. Nos ouvidos agora ressoava novamente a gargalhada do homem de negro, e seu corpo arrepiada sem parar. Teve vontade de sair correndo daquele lugar, mas suas pernas não o ajudavam. Auxiliado pelo cambono e sua esposa, sentou -se numa cadeira para poder ser atendido pelo caboclo.
"Ogum é quem está de ronda. Ogum é quem vem rondar" - cantava a corrente, enquanto a entidade limpava com uma espada de São Jorge seu corpo etéreo impregnado pela energia captada na encruzilhada. Depois, com a firmeza característica de sua linha o caboclo ordenou que ele ficasse de pé é lhe relate por que estava ali. Desajeitado, mas já mais tranquilo, falou:
- Acho que mexi com o que não devia. Andei chutando uns "despachos" na encruzilhada e me apavorei com um homem estranho, que acredito não ser deste mundo.
- Tranquilize-se que tudo que é possível ver, ouvir e sentir, é deste mundo sim. O senhor acha certa ou errada a sua atitude?
-Ah, eu não sei. Só fazia aquilo por brincadeira.
- E se alguém fosse a sua casa, chegasse lá chutando os móveis e quebrando tudo, apoderado-se de sua comida na hora da refeição, você iria gostar ?
- Lógico que não!
- Pois é, meu senhor. Foi o que fez lá na encruzilhada e por várias vezes, não foi ?
- É, foi.
- O que não nos pertence não pode ser por nós sequestrado. Não importa se o que estava lá estava certo ou errado diante de seu entendimento. Além do físico, aquilo tudo tinha uma duplicata etérea que pertencia a alguém no mundo espiritual, com um objetivo e um endereço vibratório certo.
- Cabe aos homens incrédulos no mínimo respeitar a crença e as atitudes dos outros.
Lá estava um trabalho de magia - a cor dela não importa. Era magia ! Elementos e elementares, além de entidades espirituais, lá estavam atuando, abastecendo-se com energia animal e etílica, e foram incomodados, desrespeitados.

O que o senhor presenciou na figura do homem nada mais foi que a atuação enérgica de seu Exu Guardião lhe colocando no devido lugar, antes que a Lei tivesse de atuar mais duramente.
De difícil entendimento sobre as questões do espírito, não crendo em nada que não seja palpável, fez-se necessária a atuação materializada. Como criança teimosa, precisou da repressão para só então respeitar. Isso não significa que encruzilhada é lugar de Exu, pelo contrário. Os espíritos que lá buscam se energizar com as oferendas são os chamados quiumbas, espíritos que, embora fora do corpo físico, necessitam ainda de energias materiais. - Exu ? Cruzes ! Isso é coisa do capeta !
Era momento de esclarecer a verdadeira identidade do guardião da luz tão malfadado. E assim foi feito.
Ao voltar para casa, sentia tamanho bem-estar que, naquela noite, dormiu tranquilamente depois de muitas noites de sobressalto, quando não de insônia.
Suas visitas ao terreiro de Umbanda tornando-se assíduas, e ele ia em busca de sabedoria, força espiritual conforto para sua alma. Ele tinha uma missão que se estendia além de aprender a ter fé. Era preciso cumpri -la, por isso em pouco tempo manifesta-se, por intermédio dele, seu protetor Ogum de Ronda, abrindo caminho para o Exu, que chegava gargalhando e de chicote na mão; artefatos que usava no astral para auxiliar, acordando todos quantos estivessem esbarrando nos limites da Lei. Ao sentir sua presença, Francisco agradecia. Ele foi privilegiado por conhecer esses artefatos, graças a Deus.

Causos de Umbanda - Psicologia dos Pretos Velhos.