sábado, 3 de dezembro de 2022

A CAVEIRA SEGURAVA UMA ROSA AMARELA

 

A CAVEIRA SEGURAVA UMA ROSA AMARELA


Minha estória começa onde minha vida passa a fazer sentido e minha memória me permite lembrar, acredito que por volta dos meus nove anos.

De origem muito humilde eu era a caçula das oito irmãs que compunham a família de mestre Pedro e Iara, trabalhadores da terra, tinham permissão do senhor feudal para tirar daquele pedaço de chão o sustento das filhas. Nas horas em que não estava no campo, papai que tinha herdado de vovô grande habilidade em fundir metais, fabricava facas, punhais e espadas especiais que depois de prontas eram enviadas ao senhor dos campos, que presenteava os importantes do reino.

Todas as manhãs eu acordava com o som dos pássaros e o cheiro forte do café que mamãe acabara de passar no bule enorme, a preguiça me fazia esticar o corpo, mas eu permanecia deitada por mais algum tempo,  apreciando a natureza pela minha janela que mais parecia um quadro pintado, com certeza pelo criador dos mundos.  Aos nove anos de idade, eu desconhecia os problemas que meus pais tinham, e todos os dias, depois de ajudar nos afazeres de casa, corria para o campo junto com as crianças da vila, inventando todo tipo de brincadeiras, caçando borboletas, e a tardinha tomava banho no rio antes de voltar para casa.

Eu tinha completado quinze anos a poucos dias, naquela tarde de junho tive meu sono interrompido pelo gritos de papai ordenando que as portas e janelas dos quartos fossem trancados. Homens do Arcebispo chegaram a galope, como que tentando surpreender os moradores, que morriam de medo dos soldados, tamanha a brutalidade com que tratavam os colonos. Não sabíamos o que estava acontecendo, mas dava para se ouvir papai argumentando aos gritos sobre algo que nem imaginávamos iria alterar o rumo das nossas vidas. A porta do quarto foi derrubada e eu tomada pelos braços a força, fui arrastada para fora de casa e colocada sobre a cela de um cavalo, que pude notar tinha a marca do senhor dono de todas as terras. Minha cabeça doía muito, o medo era insuportável, virei a cabeça enquanto partíamos e pude ver que meus pais estavam imóveis, sentados na varanda de ramos, mais tarde soube que minhas irmãs foram vendidas como escravas para mercadores que vinham de terras além mar. Eu tinha crescido, tornei-me mulher e era muito comum naquele tempo os senhor dos campos arrancar de seus lares meninas bonitas, e transforma-las em damas de companhia e amantes dos homens de confiança do senhor das terras. Minha vida passou a ser um pesadelo, pois era obrigada e servir de todas as formas aqueles que destruíram minha família, mas confesso que o desejo de vingança me permitia sobreviver e esperar paciente o momento de dar o troco. Minha beleza era minha grande arma,  aprendi a usar meu charme, e transitava pelos corredores do palácio a qualquer hora, sempre cortejada pelos moradores ilustres e visitantes que vinham de outros reinos. A velha duquesa e esposa do Senhor das terras, pouco aparecia, mas quando o fazia, sempre de posse de uma rosa vermelha nas mãos, não disfarçava seu desprezo por mim, como forma de provocação eu me apresentava com uma rosa amarela, sinônimo de disponibilidade.

Na festa de 15 anos da única filha do Senhor e Duque, a movimentação era intensa para que nada saísse errado. Quando o sol se pôs, o salão estava cheio, a música e danças animavam os presentes que aguardavam os anfitriões. Caminhava eu rumo a festa, quando cruzei com a aniversariante no corredor. Linda, ela segurava uma rosa vermelha e eu como de costume trazia uma rosa amarela. Vi nesse momento uma oportunidade de incomodar a duquesa, então sugeri a menina que trocasse sua rosa vermelha pela minha amarela que era muito mais vistosa, o que ela aceitou de pronto. Quando entramos no salão alguém abordou a menina e lhe serviu uma bebida,  timidamente tragou o líquido num só gole, a Duquesa que de longe observava, saiu correndo aos gritos em direção da filha, chamando a atenção de todos que não conseguiam compreender aquele gesto incomum. Ela abraça a filha que desfalece, e morre em seus braços. A duquesa se aproxima de mim e diz que eu tinha matado sua filha e ordena que eu seja presa imediatamente. Condenada a morrer de fome, fui levada ao calabouço, onde fui acorrentada a parede, de frente a um espelho,  para que eu pudesse ver minha morte. Para prolongar meu sofrimento apenas uma dose de água me era servido todos os dias. Depois de passados muitos dias eu já não sentia fome, pude ver minha beleza se transformando em algo horrendo, até que sem forças, olhei para o espelho pela  última vez e vi apenas a imagem de uma caveira segurando uma rosa amarela em uma das mãos, eu estava livre enfim……

Laroiê Rosa Caveira

Por: Mãe Cristina de Iansã