UM CAUSO DE VOVÓ CATARINA
Era um homem culto, para quem não havia Deus senão a ciência.
Sua arrogância era proporcional.
Igrejas? - Ora, são templos de idiotas, costuma dizer.
UM CAUSO DE VOVÓ CATARINA
Era um homem culto, para quem não havia Deus senão a ciência.
Sua arrogância era proporcional.
Igrejas? - Ora, são templos de idiotas, costuma dizer.
Santos? - Nada mais são que personagens da mitologia.
Benzedeiras, médiuns, orixás e guias espirituais, pior ainda. - Eram nada mais que mistificações ou crendices próprias dos ignorantes.
A estes não se contentava em menosprezar!
Mas fazia questão de achincalhar, desfazer, humilhar.
Dizendo que se tratava de religião de negros pobres e ignorantes.
A empregada da sua casa, uma negra de meia idade, ouvia esses absurdos. Observava e mantinha-se calada! Entendia que o patrão queria provocá-la, pois sabia que ela era frequentadora de um templo de Umbanda. Resignada, a serviçal ouvia aqueles impropérios e baixava a cabeça. Sabia que não adiantaria argumentar!Preferia deixar que Olorum e Xangô se encarregassem com do assunto. Quem era ela para julgar?
Mas eis que um dia o filho mais novo do patrão, um menino de apenas seis anos, caiu doente, vítima de uma febre ardente.
Os melhores médicos da cidade foram acionados. E foram unânimes em dizer que desconheciam a origem do problema, mas que dificilmente uma criança resistiria àqueles sintomas cada vez mais avassaladores. Desesperado, o pai preferiu levar o filho para casa. Se tivesse que morrer, que fosse entre os seus, e não no leito frio de um hospital.
Todos, pais, avós, tios e irmãos estavam ao redor da cama rezando pela saúde do pequeno. Ao que o pai reclamava, dizendo que se Deus realmente existisse, não permitiria que uma criança sofresse.
Foi nesse momento que a empregada entrou para servir um café aos presentes. Ao olhar para o menino desacordado, não conseguiu se segurar: Uma sensação de peso envergou suas costas, as pernas dobraram-se. Ela deixou cair o bule de café no chão, enquanto todos a olhavam atônitos. Com a voz diferenciada, carregada com um sotaque oriundo de tempos remotos, pediu licença e foi até o menino. Quase sussurrando, cantou baixinho:
- No pé do morro, na mata virgem
- Dizem que mora um velho lá
- Ele é curador, ele é rezador
- Ele é Xapanã, ele vai te curar
- Atotô...
Mesmo o pai, sempre tão endurecido, calou-se diante daquela canto.
Ainda sussurrando a velha fez uma série de orações quase inaudíveis. E, por fim, passou a mão pelo rosto do menino, que imediatamente abriu os olhos. Olhando para o patrão, disse humildemente:
- Vovó Catarina pede desculpa por ter vindo à casa do sinhô sem pedir licença.
- Mas nêga véia não consegue ver um curumim doente da alma e ficar sem fazer nada.
O homem tentou balbuciar alguma coisa, mas não conseguiu, então a velha continuou:
- Nêga véia conhece seu lugar e sabe que os hómi da ciência faz sua parte.
- Mas quando a doença é da alma é nóis que cura.
- Por que meu filho ficou doente? Perguntou a mãe com a voz embargada!
Quando falta fé numa casa.
- Respondeu a negra. A alma de todos enfraquece e os pequenos são os que mais sofrem.
- É dever do pai e da mãe ensinar que existe um Pai Maior.
- E que a prece é o remédio da alma.
- Nesse casuá jogaram o remédio no ralo e ainda riam dele.
- Com licença que nêga véia já falou demais e vai embora.
- E lembrem-se, quem canta reza duas vezes!
Nesse instante, o pomposo homem jogou-se aos pés da negra, pedindo perdão e prometendo mudar dali para a frente.
A velha apenas fez uma cruz em sua testa, dizendo que não era preciso pedir perdão a ela.
A cada dia que passou o menino melhorou, até ficar completamente curado.
O respeito e a prece tornaram-se um hábito naquela casa.
E o patrão, antes tão pedante, agora vestia-se de branco uma vez por semana, e ia ao templo de Umbanda da empregada ajudar a cambonear os pretos velhos, aos quais nunca esquecia de saudar dizendo:
- Adorei as Almas!
Por: Umbanda Ensinamento