Sigilos
Desde tempos imemoriais o ser humano tem expressado ideias por meio de símbolos e glifos. Dos símbolos Adinkra africanos até a notação matemática moderna, estes símbolos expressam ideias que não poderiam ser descritas em poucas palavras, por serem conceituais e arquetípicas — e por vezes se desdobrarem em mais de uma interpretação. Símbolos também foram usados para criptografar mensagens, certificando que apenas os conhecedores da estrutura de tradução teriam acesso ao conteúdo das mesmas.
Por volta de 1500, magistas começaram a registrar de forma escrita um sistema mágico baseado em codificar intenções na forma de desenhos compostos por símbolos e traços, servindo como método geral. Entre estes magistas, podem ser citados Agrippa e Trithemius, que em sua Steganographia apresentou o primeiro grande trabalho conhecido sobre o uso de sigilos especificamente para fins mágicos. Porém, está prática já era conhecida anteriormente, de forma indireta, nos cinco livros do Lemegeton, cujo conteúdo é atribuído ao Rei Salomão (que reinou por volta de 970 a 920 A.C.).
Mais recentemente, por volta de 1910, Austin Osman Spare retomou este conhecimento e publicou novos trabalhos sobre o assunto, e por volta de 1987 Peter Carroll fez o mesmo, aprimorando ainda mais esta arte.
Selos e Sigilos
Embora “sigilo” derive do latim “sigilum”, estando relacionado também ao hebraico “segulah”, e signifique tão somente “selo”, os significados das duas palavras são por muitas vezes diferenciados no sentido da prática mágica.
- Selos geralmente se referem a símbolos que representam energias, entidades ou forças astrais e espirituais.
- Sigilos geralmente se referem a mensagens ou intenções codificadas na forma de desenhos (ou mesmo outros formatos não pictóricos).
Sigilos na Antiguidade
De forma geral, os alfabetos utilizados atualmente derivam de símbolos, modificados através do tempo. Uma cabeça de búfalo, por exemplo, foi estilizada e modificada ao longo dos anos até se tornar a letra “A”. Os egípcios usavam os hieróglifos, e no Japão a escrita Kanji ainda tem em seus traços grande similaridade com os elementos que busca representar.
Quanto à construção de desenhos a partir de mensagens e frases, a escrita árabe sempre permitiu esta prática. As palavras árabes são conectadas por uma linha contínua, um fio condutor que permite sua torção e disposição em arranjos elaborados. Sendo assim, nos adornos de templos e na heráldica era comum encontrar desenhos que codificavam frases ou nomes. As suras do Alcorão, por exemplo (com exceção da 9ª), iniciam por Bismillah, que forma um “fecho” e permite que a frase seja amarrada em torno de si mesma com fácil localização de seu início e fim. Além disso, nas práticas judaicas da Merkabah, a entrada nos níveis celestes era auxiliada pelos selos correspondentes, que deveriam ser desenhados pelo magista.
Na África subsaariana, os sigilos também eram extensamente utilizados, como por exemplo para codificar histórias, e para evocar energias ancestrais. A ideia de desenhar histórias e mensagens na areia, em tramas elaboradas, era muito utilizada pelo povo Tchokwe, da Angola (e chamada de desenho Sona). Já no campo mágico e espiritual, uma das práticas mais conhecidas de sigilização africana é o Traçado de Pemba, utilizado tanto para ancorar entidades no plano físico quanto para atrair suas qualidades ou codificar intenções e desejos.
A sigilização é presente também na cultura Nórdica, com o uso de Bandrunar (união de runas) e Insigils (sigilos rúnicos). Estas práticas da Magia rúnica consistiam na elaboração de desenhos que eram usados como talismãs ou entalhados na madeira das casas, buscando proteção ou sorte em batalhas. O desenho mais conhecido deste tipo é o Ægishjálmr, ou Elmo do Terror, um símbolo rúnico representando o elmo de mesmo nome que é citado nas Eddas, usado para a proteção de casas e pessoas.
Nas histórias nórdicas, o elmo Ægishjálmr podia tornar seu usuário invisível, bem como fazê-lo se transformar em qualquer monstro para amedrontar seus inimigos, porém instilava cobiça e inveja em seus corações. Posteriormente, estas características foram imputadas a um anel, nas quatro Óperas de Wagner que formam a série O Anel dos Nibelungos. Estas óperas, além do mito original do Ægishjálmr, serviram como base para O Hobbit e O Senhor dos Anéis, de Tolkien.
Sigilos no Lemegeton
Nos livros Ars Theurgia e Ars Goetia, que fazem parte do Lemegeton, são descritos os selos dos líderes espirituais, dos Daemons e dos Shemhamphorash. Já no Ars Paulina, são descritos os selos planetários, muitas vezes direcionados para uma intenção específica, e no Ars Almadel são apresentados os selos dos principais coros de anjos, bem como suas conjurações.
No Ars Notoria, são apresentados sigilos (chamados de Notas) que podem ser utilizados para as mais variadas finalidades, como acelerar o aprendizado ou obter conhecimento sobre uma área da ciência ou uma língua estrangeira. Os sigilos usados na Arte Notória eram construídos pelos magistas usando símbolos e elementos pertinentes àquela área do conhecimento. Por exemplo, o sigilo referente à gramática incluía os nomes de diferentes aspectos do discurso (morfologia, sintaxe, vocabulário, etc). Já o sigilo utilizado para aprender geometria contava com desenhos de linhas, triângulos, quadrados, pentagramas, estrelas de seis pontas e círculos.
As práticas Salomônicas, assim como as chinesas, consideravam que os portais de comunicação entre o mundo físico e o espiritual se abriam em lugares e horários específicos, por isso as direções cardeais e as horas planetárias sempre foram de vital importância na realização de qualquer intento mágico por estes sistemas.
Sigilos na Steganographia
Reconhecido como um livro de magia angelical e criptografia, este livro foi escrito por volta de 1499 pelo monge beneditino Johannes Trithemius, e utilizado por Agrippa, John Dee e Austin Spare em seus trabalhos. A ideia geral do livro era a de codificar mensagens por meio de sigilos, e então enviá-las para pessoas distantes, por meio espiritual. As mensagens poderiam também ser enviadas a espíritos angelicais, que então iriam realizar os desejos ali descritos, funcionando por si só como um método de magia simpática (sistema mágico baseado na atração do que é desejado).
Na Steganographia, são descritos métodos de sigilização que permitem a representação pictórica de desejos e intenções. As mensagens, antes escritas em Inglês, Latim, Hebraico ou Enoquiano, poderiam ser descritas de forma mais exata e desambígua desta forma sigilizada, o que facilitaria sua transmissão e realização. O trabalho mental envolvido na elaboração do sigilo faria parte, segundo Trithemius, da prática mágica, e potencializaria seu efeito. Após o desenvolvimento do sigilo, este era enviado à entidade desejada, o que deveria ser feito na hora correta e voltando-se para a direção cardeal adequada.
Sigilos por Austin Spare
Austin Osman Spare criou, por volta de 1910, técnicas de desenho e escrita automáticos, além de métodos de sigilização e um culto voltado à libertação do “verdadeiro eu” dos magistas, chamado Zos Kia. Em seu Livro do Prazer (Livro do Êxtase ou do Auto-Amor), Spare descreve como os sentimentos inconscientes podem estar ligados ao funcionamento da realidade externa, e como podem interferir na mesma, apresentando glifos para sua representação e práticas mágicas que incluem seu uso.
Nas descrições de sua prática com sigilos, Spare deixa claro que o envio de mensagens para serem atendidas por instâncias espirituais deve ocorrer de forma criptografada, uma vez que a linguagem humana não é suficiente para esta atividade. Além disso, Spare não utilizava horários, direções cardeais ou nomes de entidades, pois considerava que a realização dos intentos codificados nos sigilos ocorria por uma ou mais forças espirituais em consonância com o inconsciente do próprio magista.
Portanto, no momento da conjuração seriam selecionadas as energias corretas para levar a cabo cada objetivo, que então direcionariam o fluxo energético através do Éter. Este pensamento foi um dos que levou ao surgimento de novas vertentes de magia, baseadas em aspectos psicológicos e operadas pelo inconsciente do próprio magista. Isto aproximou ainda mais a magia da psicologia, e permitiu o uso mágico de ferramentas da psicanálise em conjunto com reinterpretações das evocações e invocações tradicionais.
Sigilos não Pictóricos
Além dos sigilos pictóricos, existem sigilos que codificam intentos de forma não pictórica, como mantras, músicas, frases, talismãs ou mesmo esculturas. A dinâmica de seu funcionamento é explicada pela Lei da Correspondência Hermética. Um objeto ou uma frase podem atrair algo desejado, bastando existir uma conexão entre o que foi feito, e o objetivo a ser atraído. Na magia egípcia, isto era realizado por meio de entalhes nas paredes, talismãs ou estátuas, e considerava-se que qualquer objeto consagrado iria formar uma versão “gêmea” de si no plano etérico, que poderia atrair ou repelir energias.
Hipersigilos
Quando os sigilos possuem uma extensão maior do que apenas a elaboração de um objeto, desenho ou frase, e necessitam de um maior tempo para sua manufatura, podem ser chamados de Hipersigilos. Entre os exemplos de hipersigilos, podem ser citados construções arquitetônicas, músicas com letras elaboradas, pinturas, livros, personagens ou pseudônimos criados especificamente para este fim.
Egiptólogos atuais têm descoberto cada vez mais que os templos egípcios eram construídos com base em regras complexas de dimensionamento e posição, servindo como relógios astrológicos ou mesmo como grandes efígies que buscavam atrair energias específicas. Uma das descobertas mais fascinantes neste sentido, realizada pelo egiptólogo Schwaller de Lubicz, foi a de que a maioria dos templos egípcios possuíam marcações em todas as suas peças, e que os blocos se encaixavam em lugares específicos e únicos, formando uma rede de linhas e circuitos que perpassava por toda a construção, como se esta fosse um organismo vivo dotado de sistema circulatório (supostamente para a circulação de energias). Quando os templos eram desmontados, todas as peças tinham seus canais destruídos com um golpe de cinzel, e deixavam de ter ligação com a egrégora do Templo. Neste sentido, os Templos Egípcios podem ser considerados Hipersigilos.
A prática de Sigilização
A sigilização (ou sigilação) consiste na prática de construir sigilos a partir de uma mensagem ou intenção. Os métodos utilizados podem variar desde o uso de glifos e símbolos já existentes, passando pela criação de novos símbolos pelo magista, e o uso de alfabetos vulgares ou mágicos.
Peter Carrol descreve a operação de um sigilo, em seu Liber Null e Psiconauta, como sendo composta por três partes: sua construção; seu envio para o inconsciente; e seu carregamento ou ativação. As três etapas podem ser realizadas por vários métodos, desde os mais tradicionais aos contemporâneos, à escolha do magista.
Sigilização pelo método de Carroll
Carroll apresenta três exemplos de métodos para a construção de sigilos. O primeiro método é baseado nas letras do alfabeto: escreve-se uma frase, eliminam-se as letras repetidas (e/ou as vogais), e combinam-se as letras restantes na forma de um desenho.
O segundo método é pictórico: desenha-se a intenção desejada e simplifica-se o desenho em etapas, até a obtenção de um símbolo que não represente, à primeira vista, o que foi desenhado inicialmente.
O terceiro método é mântrico: a partir da frase que codifica a intenção, eliminam-se algumas letras e cria-se um mantra que não descreva, em linguagem falada atual, o objetivo inicial.
Outros métodos de Sigilização
Outros métodos podem ser utilizados para a construção de sigilos, como por exemplo as rodas alfabéticas, onde traçam-se linhas passando pelas letras que restaram da frase inicial, e cria-se um desenho estilizado.
A combinação de símbolos é um outro método interessante para a criação de sigilos. Estes símbolos, por sua vez, podem provir de alfabetos mágicos existentes, ou podem ser criados pelo próprio magista.
Sigilos na forma de circuitos, cuja prática tem se iniciado na Tecnomagia, ou ainda sigilos na forma de programas computacionais, também podem ser utilizados para obter efeitos de longo prazo ou aproveitar os benefícios do uso de computadores como facilitadores na prática de sigilação. Existem ainda diversos softwares que auxiliam na criação de sigilos, como o Sigilscribe.
Carregamento e Ativação de um Sigilo
Após elaborado, um sigilo deve ser lido pela parte consciente da psiquê, enviado para a parte inconsciente, e carregado ou ativado. Em outras palavras, deve ser “consagrado” para que, além da existência física, passe a ter existência no plano astral ou espiritual.
Carroll apresenta alguns exemplos de métodos para isto, como a ativação em estados de emoção extrema, êxtase sexual, ou, preferencialmente, em estado de Gnose. O sigilo também pode ser queimado, enterrado, ou lançado no oceano, ou ainda repetido diversas vezes até a perda do significado, no caso de mantras ou frases.
Nestes casos, o importante é que o objetivo do sigilo não seja trazido a todo o tempo para a mente consciente, para que possa atuar a nível subconsciente. A ansiedade pelos resultados pode atrapalhar sua atração, uma vez que a mente desperta irá bloquear a atuação das energias mágicas. O Censor Psíquico, parte cética da mente que não acredita que a magia funciona por não entender de forma científica os mecanismos envolvidos, também pode atrapalhar na obtenção dos resultados.
Caso o inconsciente possa trabalhar de forma adequada, os sigilos são uma forma eficaz de atrair os resultados desejados, bem como auxiliar as mais diversas atividades e alterar estados mentais. Os mecanismos de seu funcionamento ainda não são compreendidos cientificamente (com exceção dos aspectos psicológicos e simbólicos envolvidos), e vêm sendo atribuídos a espíritos, anjos, demônios ou forças psíquicas. De qualquer forma, o conhecimento do mecanismo não é estritamente necessário, desde que os resultados sejam alcançados.
Ninguém precisa acreditar em magia.
Mas que ela funciona, funciona.
Por: RoYaL.
Referências: O livro dos resultados — Ray Sherwin; Mistérios Nórdicos — Mirella Faur; A Clavícula de Salomão — Samuel Mathers; A Serpente Cósmica — John West; Liber Null e Psiconauta — Peter Carroll; The Goetia of Dr Rudd — Skinner e Rankine; Habibi — Craig Thompson.