Jurema foi uma linda índia, filha valente de Tupinambá. Adotada pelo mundo, foi encontrada aos pés do arbusto da planta encantada que lhe deu o nome, e cresceu forte, bonita, com a formosura da noite e a firmeza do dia.
Cabocla jurema
Jurema foi uma linda índia, filha valente de Tupinambá. Adotada pelo mundo, foi encontrada aos pés do arbusto da planta encantada que lhe deu o nome, e cresceu forte, bonita, com a formosura da noite e a firmeza do dia.
Corajosa, a cabocla tornou-se a primeira guerreira mulher da tribo, pois a sua força e agilidade no manejo das armas e na ciência da mata, se tornara uma lenda por todo o continente; onde contadores de estórias, aos pés da fogueira, falavam da índia da pena dourada, que era a própria Mãe Divina encarnada.
Nada causava medo na cabocla, até o dia em que ela encontrou o seu maior adversário: o amor. Jurema se apaixonou por um caboclo chamado Huascar, de uma tribo inimiga chamada Filhos do Sol, que fora preso numa batalha.
Os dias se passaram e o amor aumentava, pois o pior de amar não é amar sozinho e sim ser amado em retorno, pois exige do amado, uma ação em prol do amor.
Pelo olhar, o caboclo Huascar dizia:
“Oh doce Cabocla
meu doce de cambucá
minha flor cheirosa de alfazema
tem pena deste caboclo
o que eu te peço é tão pouco
minha linda cabocla Jurema
tem pena desse sofredor
que o mal destino condenou
me liberta dessa algema
me tira desse dilema
minha linda cabocla Jurema”
Jurema que aprendera a resistir ao canto do boto, ao veneno da cascavel e da armadeira, já resistira bravamente a centenas de emboscadas e que sentia o cheiro à distância de ciladas, não conseguiu resistir ao amor que fluía do seu peito por aquele guerreiro.
Observando o amado preso, ela viu nos olhos dele, as mil vidas que eles passaram juntos, viu seus filhos, o amor que os unia além da carne e percebeu que não foi por acaso, que ele fora o único caboclo capturado vivo, e decidiu libertá-lo, mesmo sabendo que seria expulsa da sua tribo.
Na fuga, seu próprio povo a perseguiu, e em meio a chuva de flechas voando na direção do caboclo fugitivo, foi Jurema que caiu, salvando o seu amado e recebendo a ponta da morte que era pra ele, no seu próprio peito.
Conta a lenda, que o Huascar voltou a Terra do Sol, fundou um império nas montanhas andinas e mandou erguer um templo chamado Matchu Pitchu em homenagem a Jurema, onde, só as mulheres da tribo habitariam e lá aprenderiam a ser guerreiras como a mulher que salvara a sua vida.
No lugar onde a Jurema caiu, nasceu uma planta robusta e muito resistente que dá flor o ano inteiro, cujo formato exótico e o tom amarelo-alaranjado intenso chamou atenção de todas as tribos, pois tudo dessa planta poderia ser utilizado, desde as sementes, até as flores e o caule; e porque as flores dessa planta estão sempre viradas para o astro maior (talvez buscando ver o amado na Terra do Sol). A planta, por isso, ficou conhecida como girassol. Em outras versões, no lugar da morte de Jurema nasce uma planta chamada Jurema-preta ou Calumbi (mimosa hostilis), da qual é possível preparar um chá popularmente conhecido como vinho da Jurema, preparado à base de raspas de raízes da mimosa hostilis, sendo essa bebida muito utilizada em cerimônias religiosas indígenas e africanas.
Jurema faz parte de um grupo de espíritos nativos brasileiros que auxiliam em trabalhos de cura por meio de ervas, banhos, símbolos, danças, defumações e trabalhos mágicos de pajelança que utilizam a energia da natureza.
Adorada no politeísmo piaga, religião pagã piauiense, sua força é tão grande nos cultos, que Jurema chega a ser considerada uma divindade, por sua forma de atuação e liderança diante dos espíritos indígenas.
A figura de Jurema representa a própria resistência da cultura indígena, que sobreviveu até os dias atuais sendo transmitida de geração a geração. É uma das donas espirituais do Brasil, mostrando-se como uma entidade de grande força que, ao fazer-se presente no culto, atrai também a presença de outros caboclos e caboclas de energia semelhante. Também é conhecida como “Guerreira das Sete Matas”. Essa poderosa índia sempre ajuda seus devotos nos momentos de dificuldade, quando é chamada para purificar e iluminar os caminhos dos que lhe nutrem amizade e devoção.
FONTE:
NOLÊTO, Rafael. Mitologia Piaga: Deuses, Encantados, Espíritos e outros Seres Lendários do Piauí. Teresina: Clube de Autores, 2019.