terça-feira, 31 de maio de 2022

O Corpo e a Alma no Kemetismo Os egípcios acreditavam que a alma de uma pessoa era composta de muitas partes, cada qual com suas características e associações.

 O Corpo e a Alma no Kemetismo
Os egípcios acreditavam que a alma de uma pessoa era composta de muitas partes, cada qual com suas características e associações.

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Os egípcios acreditavam que a alma de uma pessoa era composta de muitas partes, cada qual com suas características e associações. Os conceitos variaram um bocado desde o Império Velho até o Império Novo, por vezes mudando entre uma dinastia e outra. A maior parte dos textos funerários egípcios cita sete principais "parcelas" da alma, excluindo o corpo físico em si (o khat).
Nesse texto, busco reunir as principais percepções e noções acerca desses conceitos na egiptologia contemporânea, a fim de introduzir o tema. Mas é apenas uma pincelada sobre um assunto riquíssimo e bastante estudado pela Egiptologia, e convido os interessados a conduzirem suas próprias pesquisas para que possam ir além.
Khat (ẖt) - Corpo Físico
A carne e o osso que compõem nosso aspecto físico. É aquilo que o deus Khenmu molda em sua roda de oleiro, para então depositar o Ka dentro. A necessidade de preservar os corpos se dá pois os egípcios acreditavam que o estado do khat interferia na qualidade do pós-vida do indivíduo, assim como um corpo doente gera uma vida debilitada.
Entretanto, o khat era percebido apenas como receptáculo para os outros aspectos, em especial o Ka, o Ba, o Ib e o Sheut.
Ren (rn) - Nome, Identidade
É um nome secreto dado à pessoa pelos próprios Deuses na hora em que seu Ba foi criado, e vive enquanto for falado ou estiver escrito. Não é o mesmo nome de batismo, ainda que todos os nomes desempenhem um grande papel dentro da cultura Kemética. Esse conceito abrange a identidade, as experiências e todas as memórias vividas pelo indivíduo. É o Ren que une todas as partes da "alma", pois é a partir dele que os seres humanos são criados.
É por esse motivo que tumbas e sarcófagos com o nome dos faraós repetido em vários locais era algo tão importante. A importância dos nomes também é indicada pelos cartouches, ou shen, que eram colocados em torno dos mesmos. E também é por esses motivos que quando alguém caia em desgraça, principalmente por suas próprias atitudes desonrosas, seu nome era raspado ou escrito e censurado em seguida, apagando a própria existência da pessoa e negando a ela a eternidade.
Ib (jb) - Coração
É uma parte importante da alma kemética, pois tudo o que sentimos e percebemos acontece no coração. É o coração que gera e armazena o pensamento, a vontade, e a intenção. Não há distinção entre emoção e pensamento, são a mesma coisa na cultura kémetica. Os egípcios acreditavam que esse órgão era formado por uma gota de sangue do coração da mãe, na hora da concepção.
O coração é o receptáculo do Ka, portanto a chave para o pós-vida, essencial para a evolução do "espírito", e deveria estar muito bem preservado e armazenado dentro do corpo mumificado, se possível protegido pelo escaravelho (khepher). O amuleto de escaravelho é essencial para impedir que seu coração lhe traia na hora do julgamento, e seja totalmente honesto a respeito do que foi feito por você em vida. O coração vai acompanhado do Ka para o afterlife, e é pesado por Yinepu (Anúbis) na cerimônia da pesagem do coração. Se seu coração pesar mais ou menos que a pena de Ma'at, você é devorado por Ammit.
Sheut (šwt) - Sombra, Silhueta
Está sempre presente, pois uma pessoa não pode viver sem sua sombra, e vice-versa. A sombra contém parte da pessoa que ela representa, e por vezes, as estátuas de divindades ou pessoas eram se referidas como "as sombras" dos deuses em questão. Também pode representar o impacto que a pessoa teve na Terra, seu legado, as consequências dos seus atos.
Em representações, a sombra é identificada como uma silhueta toda preta, menor que a pessoa a quem ela está ligada. Em alguns casos, são entendidos como serventes de Anúbis. A sombra também é uma porção relevante da "alma", e após o falecimento, podia ser armazenada na tumba em uma caixa preta para proteção.
Ba (bꜣ) - Personalidade
Representado graficamente como um pássaro com rosto humano (como demonstrado na imagem que ilustra o post), é a forma libertada na morte. É considerada a personalidade da pessoa, capaz de viajar além do corpo físico, e transitar pelo mundo dos vivos e dos mortos. O Ba é a personificação da verdadeira personalidade, e também a dos deuses que interagem com os vivos. Quando uma divindade interfere na vida de um indivíduo, é o Ba divino atuando.
Pode ser ativado apenas em estados alterados de consciência, como ao dormir, meditar, no falecimento, e em transes, especialmente os que podem ser alcançados através de iniciações. O Ba literalmente significa "manifestação", portanto, é a manifestação de um humano no plano espiritual, e pode ser interpretado como o corpo astral de alguém. Se refere a todas as qualidades não-físicas que compõem a personalidade de um indivíduo; não é parte da pessoa, mas sim ela por dentro.
Algumas cerimônias eram performadas por sacerdotes após a morte de alguém, incluindo o ritual de abertura da boca (wp r), que servia para restaurar as habilidades físicas da pessoa, e para desprender o Ba, de maneira que possa se unir ao Ka e formar o Akh. Após o falecimento e a libertação do Ba, os egípcios acreditavam que ele vinha ao plano material durante o dia para frequentar os lugares em que a pessoa ia, ou fazer as atividades rotineiras dela, como se fosse um fantasma. Nas tumbas era comum a presença de túneis e saídas estreitas para o Ba transitar para dentro e fora dos túmulos.
Ka (kꜣ) - Força Vital
É a força vital, considerada por egiptólogos antigamente como o "duplo" de um indivíduo, e hoje entende-se como a fonte de vida e poder criativo. Pode-se dizer que o Ka diferencia os vivos dos mortos, pois a morte ocorre quando o Ka deixa o corpo, e é levado ao Salão das Duas Ma'atis para ser julgado junto ao coração (Ib) do indivíduo.
Em algumas regiões, havia a crença de que Heqet ou Meskhenet eram as criadoras do Ka de cada pessoa, soprando para dentro do indivíduo no instante do nascimento. Em algumas versões do mito de criação, após o deus Atum, Ra ou Ptah criar a Enéada, ele os abraça para fornecer seu Ka aos deuses.
O Ka pode ser alimentado com comida e bebida, portanto, essas oferendas são feitas aos falecidos - mesmo que seja somente a energia das oferendas que será consumida, não o aspecto material. O próprio ato de oferecer algo a uma entidade também serve como alimento ao Ka, e é uma obra de Ma'at, deusa que detém o epíteto de "alimento dos Deuses".
Akh (ꜣḫ) - Ba e Ka Combinados
É traduzido como "forma luminosa" ou "iluminação", e é a forma que os finados abençoados vivem no pós-vida, após concluírem com sucesso todas as cerimônias e julgamentos, e somente depois de Wesir (Osíris) considerar a pessoa digna, pois é ele quem dá a palavra final. O Akh (plural "Akhu") pode ser entendido como o intelecto como uma entidade viva. Não é divino por si só, mas é imortal.
As pessoas vivas podem orar e fazer oferendas aos Akhu, que podem influenciar em suas vidas positiva ou negativamente, e possuem liberdade para transitar entre os planos ou agir no plano material. É um conceito que pode ser grosseiramente comparado com o de "espírito desencarnado".
Sekhem (sḫm) - Poder
Significa literalmente "poder", pode ser entendido como nossa força de vontade, as decisões que tomamos e o caminho para o qual essas escolhas nos levam. A manifestação de nossa Vontade, e é um conduto para realizar Heka (magia), que está presente tanto nos corpos espirituais e desencarnados quanto nos vivos, a todo momento. Esse conceito pode ser grosseiramente comparado com a "aura" de um indivíduo.

Sahu (sꜣh) - Glória
É o corpo espiritual da Sombra (Sheut), por vezes traduzido como "a alma incorruptível"; ou seja, após a morte, a sombra é transferida para o plano espiritual, na forma de Sahu. Caso a pessoa seja considerada digna no julgamento, seu Sahu é dotado de grandes poderes, como viajar entre os planos, interagir com os vivos, proteger corpos astrais ou assombrar inimigos, além de todos os dons mentais e espirituais que o indivíduo dispunha em vida. Também se equivale ao conceito de "espírito desencarnado", mas seria aplicado a aqueles mais evoluídos na escala de consciência.
Pesquisado e editado por Negah San