sábado, 16 de abril de 2022

REVISTA ESPÍRITA 1858 » JANEIRO » EVOCAÇÕES PARTICULARES » MAMÃE , AQUI ESTOU

 

REVISTA ESPÍRITA 1858 » JANEIRO » EVOCAÇÕES PARTICULARES » MAMÃE , AQUI ESTOU


Pode ser uma imagem de 1 pessoa e texto que diz "ESTUDO UDO"REVISTA ESPÍRITA 1858 » JANEIRO » EVOCAÇÕES PARTICULARES » MAMÃE , AQUI ESTOU

A Sra... havia perdido, meses antes, a filha única, de catorze anos, objeto de toda a sua ternura e muito digna de seus lamentos, pelas qualidades que prometiam torná-la uma senhora perfeita. A moça falecera de longa e dolorosa enfermidade. Inconsolável com a perda, dia a dia a mãe via sua saúde alterar-se e repetia incessantemente que em breve iria reunir-se à filha. Informada da possibilidade de se comunicar com os seres de além-túmulo, a Sra... resolveu procurar, na conversa com a filha, um alívio para a sua pena. Uma senhora de seu conhecimento era médium, mas pouco afeitas uma e outra a semelhantes evocações, principalmente numa circunstância tão solene, pediram-me assistência. Éramos apenas três: a mãe, a médium e eu. Eis o resultado dessa primeira sessão.

A mãe: Em nome de Deus Todo-Poderoso, Espírito de Júlia, minha filha querida, peço-te que venhas, se Deus o permitir.

Júlia: Mamãe, aqui estou!

A mãe: És tu, minha filha, que me respondes? Como posso saber que és tu?

Júlia: Lili.

(Era o apelido familiar, dado à moça em sua infância. Nem a médium o sabia, nem eu, pois há muitos anos só a chamam Júlia. Com este sinal, a identidade era evidente. Não podendo dominar sua emoção, a mãe rompeu em soluços).

Júlia: Mãe, por que te afliges? Sou feliz, muito feliz. Não sofro mais e vejo-te sempre.

A mãe: Mas eu não te vejo! Onde estás?

Júlia: Aqui ao teu lado, com a minha mão sobre a Sra. X (a médium) para que escreva o que te digo. Vê a minha letra (a letra era realmente a da moça).

A mãe: Dizes: minha mão. Então tens corpo?

Júlia: Não tenho mais o corpo que tanto me fez sofrer, mas tenho a sua aparência. Não estás contente porque não sofro mais e porque posso conversar contigo?

A mãe: Se eu te visse, te reconheceria, então?

Júlia: Sim, sem dúvida; e já me viste muitas vezes em teus sonhos

A mãe: Com efeito eu te revi nos meus sonhos, mas pensei que fosse efeito da imaginação, uma lembrança.

Júlia: Não. Sou eu mesma que estou sempre contigo e te procuro consolar; fui eu quem te inspirou a ideia de me evocar. Tenho muitas coisas a te dizer. Desconfia do Sr. Z... Ele não é sincero.

(Esse senhor, conhecido apenas da mãe, citado assim espontaneamente, era uma nova prova de identidade do Espírito que se manifestava).

A mãe: Que pode fazer contra mim o Sr. Z?

Júlia: Não te posso dizer. Isto me é vedado. Posso apenas te advertir que desconfies dele.

A mãe: Estás entre os anjos?

Júlia: Oh! ainda não. Não sou bastante perfeita.

A mãe: Entretanto, não te conhecia nenhum defeito. Eras boa, meiga, amorosa e benevolente para com todos. Então isto não basta?

Júlia: Para ti, mãe querida, eu não tinha defeitos, e eu o acreditava, pois mo dizias tantas vezes! Mas agora vejo o que me falta para ser perfeita.

A mãe: Como adquirirás essas qualidades que te faltam?

Júlia: Em novas existências, que serão cada vez mais felizes.

A mãe: É na Terra que terás novas existências?

Júlia: Nada sei a respeito.

A mãe: Desde que não fizeste o mal em tua vida, por que sofreste tanto?

Júlia: Prova! Prova! Eu a suportei com paciência, pela minha confiança em Deus. Hoje sou muito feliz por isto. Até breve, querida mamãe!

Ante fatos como este, quem ousará falar do nada do túmulo, quando a vida futura se nos revela, por assim dizer, palpável? Essa mãe, minada pelo desgosto, experimenta hoje uma felicidade inefável em poder conversar com a filha; entre elas não há mais separação; suas almas se confundem e se expandem na intimidade espiritual, pela troca de seus pensamentos.

Apesar da discrição em que envolvemos este relato, não o teríamos publicado se não tivéssemos tido autorização formal. Aquela mãe nos dizia: Possam todos quantos perderam suas afeições terrenas experimentar a mesma consolação que experimento!

Acrescentaremos apenas uma palavra aos que negam a existência dos bons Espíritos. Perguntaremos como poderiam provar que o Espírito desta jovem era um demônio malfazejo!

COMENTÁRIOS SOBRE O TEXTO.

“Essa causa de dor atinge assim o rico como o pobre: é uma prova ou uma expiação, e constitui lei para todos. Tendes, porém, uma consolação em poderdes comunicar-vos com os vossos amigos pelos meios que vos estão ao alcance, enquanto não dispondes de outros mais diretos e mais acessíveis aos vossos sentidos.”

“O Espírito é sensível à lembrança e às saudades dos que lhe eram caros na Terra; mas, uma dor incessante e desarrazoada o toca penosamente, porque nessa dor excessiva ele vê falta de fé no futuro e de confiança em Deus e, por conseguinte, um obstáculo ao adiantamento dos que o choram e, talvez, à sua reunião com eles.”
Estando o Espírito mais feliz no Espaço que na Terra, lamentar que ele tenha deixado a vida corpórea é deplorar que seja feliz.

Os laços que prendem a alma ao corpo não se rompem senão aos poucos, e tanto menos rapidamente quanto mais a vida foi material e sensual.
O desprendimento opera-se gradualmente e com lenti­dão variável, segundo os indivíduos e as circunstâncias da morte.

No momento da morte, tudo se apresenta confuso; é-lhe preciso algum tempo para se reconhecer; ela conserva-se ton­ta, no estado do homem que sai de profundo sono e que procu­ra compreender a sua situação. A lucidez das idéias e a memó­ria do passado lhe voltam, à medida que se destrói a influência da matéria de que ela acaba de separar-se, e que se dissipa o nevoeiro que lhe obscurece os pensamentos.
O tempo da perturbação, seqüente à morte, é muito va­riável; pode ser de algumas horas somente, como de muitos dias, meses ou, mesmo, de muitos anos. É menos longa, entre­tanto, para aqueles que, enquanto vivos, se identificaram com o seu estado futuro, porque esses compreendem imediatamente a sua situação; porém, é tanto mais longa quanto mais mate­rialmente o individuo viveu.
A sensação que a alma experimenta nesse momento é também muito variável; a perturbação, seqüente à morte, nada tem de penosa para o homem de bem; é calma e em tudo se­melhante à que acompanha um despertar plácido.
Para aquele cuja consciência não é pura e amou mais a vida corporal que a espiritual, esse momento é cheio de ansie­dade e de angústias, que vão aumentando à medida que ele se reconhece, porque então sente medo e certo terror diante do que vê e sobretudo do que entrevê. A sensação a que podemos chamar física, é a de grande alivio e de imenso bem-estar, fica-se como que livre de um fardo, e o Espírito sente-se feliz por não mais experimentar as dores corporais que o atormen­tavam alguns instantes antes; sente-se livre, desembaraçado, como aquele a quem tirassem as cadeias que o prendiam.
Em sua nova situação, a alma vê e ouve ainda outras coisas que escapam à grosseria dos órgãos corporais. Tem, então, sensações e percepções que nos são desconhecidas.

O estado da alma varia consideravelmente segundo o gê­nero de morte, mas, sobretudo, segundo a natureza dos hábi­tos durante a vida.
Na morte natural, o desprendimento se opera gra­dualmente e sem abalo, começando mesmo antes que a vida esteja extinta. Na morte violenta, por suplício, suicídio ou aci­dente, os laços são partidos bruscamente; o Espírito, sur­preendido, fica como que tonto com a mudança nele efetuada, e não acha explicação para a sua situação.
Um fenômeno, mais ou menos constante em tal caso, é a persuasão em que ele se conserva de não estar morto, poden­do essa ilusão durar muitos meses e mesmo muitos anos. Neste estado, ele se locomove, julga ocupar-se dos seus negócios, como se ainda estivesse no mundo, e mostra-se espantado de não lhe responderem, quando fala.
Essa ilusão também se nota, fora dos casos de morte violenta, em muitos indivíduos, cuja vida foi absorvida pelos gozos e interesses materiais.