SALVE A FORÇA DO SEU ORI
A gira estava prestes a encerrar, os médiuns desincorporavam um após o outro, quando um dos mais novos caiu no chão, tomado por alguma presença negativa. Imediatamente, os caboclos foram em seu auxílio, a curimba iniciou um ponto de descarrego, mas foram ambos interrompidos pelo guia chefe da casa.
“Ele deve sair dessa situação por conta própria”, explicou seu Flecha Dourada.
Não era a primeira vez que João era dominado por algum obsessor. A cena tornara-se tão comum que os cambones, no fim dos trabalhos, perguntavam-se quando ela ia ocorrer. E sempre se passava da mesma forma: ele se sacudia no chão, as mãos em garra, rosnava, gargalhava, ameaçava, dizia que jamais abandonaria aquele cavalo, porque ele lhe devia bastante. As entidades ministravam passes, orientavam e doutrinavam, e depois de muito transtorno João conseguia voltar a si.
E por mais que os mentores da casa orientassem a firmeza e a elevação, tudo se repetia nos próximos trabalhos.
Diante desse caso, Flecha Dourada se dirigiu ao médium caído e lhe disse:
“Meu filho, você precisa encontrar as suas próprias forças no seu interior. Enquanto depender de algum auxílio externo para se levantar, continuará vulnerável aos ataques das trevas. Por mais que confie nos guias que te acompanham, é necessário que você acredite em você mesmo”.
De início, ele não aceitou os conselhos do caboclo. Sentiu-se desamparado pelo terreiro, assim como sempre foi deixado à mercê na sua vida por aqueles que eram-lhe próximos. Neste momento, a sintonia com a entidade negativada se fortaleceu, e os sacudimentos e rosnados intensificaram. De sua boca, escutou-se uma voz grave e rasgada:
“Você sempre agiu como vítima, João. Mas foi você mesmo quem nos abandonou. Confiamos nossa vida em ti, mas quando precisamos da sua ajuda, você nos deixou para morrer. E por isso hoje faço te sofrer, para que entenda uma pequena parte de tudo o que passamos".
Antes que o médium entendesse toda a informação passada, Flecha Dourada interveio:
“Não importa, meu filho, quem você foi ou o que fez. Hoje você trabalha nessa casa de caridade e está disposto a fazer o bem. Com o tempo, você se acertará com o passado. Por mais que tenha errado, há luz em você. Abandone toda culpa e toda revolta, deixa essa luz falar mais alta”.
João se debateu, se contorceu, tanto fisicamente, quanto emocionalmente. De um lado, as palavras de Flecha Dourada traziam conforto e esperança, por outro, o deixava ainda mais nervoso. Sentia um ódio imenso vindo do obsessor, mas sabia que este sentimento de alguma maneira ressoava em seu coração. Mais uma vez, sentia-se abandonado por aqueles deviam-lhe ajudar. Afinal, porque o caboclo não permitia que ele recebesse um simples passe?
E João, ou a entidade trevosa que se manifestara, ou quem sabe os dois, gritaram. Começavam a perceber que alguma coisa na forma que viviam não estava correta. Talvez algo precisasse mudar... foi então que compreenderam... ainda que vivenciaram tantas situações dolorosas, eles eram responsáveis por fazer surgir a própria felicidade.
João entendeu. Notou como cada experiência de sua vida o direcionou para mais próximo da espiritualidade e Deus, e que ele nunca esteve realmente sozinho. Havia sempre uma presença sutil que lhe intuía como superar tantas atribulações. E apesar de que muitas dificuldades permaneceram, hoje ele tinha propósito e direção.
João levantou e, tomado de emoção, abraçou seu Flecha Dourada. Tentou dizer um agradecimento, mas sua voz escapou-lhe. O caboclo apenas assentiu, de maneira a mostrar que ele sabia o que estava nos seus pensamentos. Palavras não eram necessárias. O caboclo bradou, e para a toda corrente, assim terminou:
SALVE A FORÇA DO SEU ORI!
Seria ainda necessário que João enfrentasse muitos desafios no campo da espiritualidade. Mas com o devido tempo tudo se normalizou, até ele se tornar um médium maduro, afiado instrumento dos guias e Orixás, pela qual muitos filhos receberam a suas graças.
Saravá a todos!
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