segunda-feira, 28 de março de 2022

Orixas e a Natureza

 

 Orixas e a Natureza


Nenhuma descrição de foto disponível.Na aurora de sua civilização, o povo africano mais tarde conhecido pelo nome de iorubá, chamado de nagô no Brasil e lucumi em Cuba, acreditava que forças sobrenaturais impessoais, espíritos, ou entidades estavam presentes ou corporificados em objetos e forças da natureza. Tementes dos perigos da natureza que punham em risco constante a vida humana, perigos que eles não podiam controlar, esses antigos africanos ofereciam sacrifícios para aplacar a fúria dessas forças, doando sua própria comida como tributo que selava um pacto de submissão e proteção e que sedimenta as relações de lealdade e filiação entre os homens e os espíritos da natureza.

Muitos desses espíritos da natureza passaram a ser cultuados como divindades, mais tarde designadas orixás, detentoras do poder de governar aspectos do mundo natural, como o trovão, o raio e a fertilidade da terra, enquanto outros foram cultuados como guardiões de montanhas, cursos d'água, árvores e florestas. Cada rio, assim, tinha seu espírito próprio, com o qual se confundia, construindo-se em suas margens os locais de adoração, nada mais que o sítio onde eram deixadas as oferendas. Um rio pode correr calmamente pelas planícies ou precipita-se em quedas e corredeiras, oferecer calma travessia a vau, mas também mostra-se pleno de traiçoeiras armadilhas, ser uma benfazeja fonte de alimentação piscosa, mas igualmente afogar em suas águas os que nelas se banham. Esses atributos do rio, que o torna ao mesmo tempo provedor e destruidor, passaram a ser também o de sua divindade guardiã. Como cada rio é diferente, seu espírito, sua alma, também tem características específicas. Muitos dos espíritos dos rios são homenageados até hoje, tanto na África, em território iorubá, como nas Américas, para onde o culto foi trazido pelos negros durante a escravidão e num curto período após a abolição, embora tenham, com o passar do tempo, se tornado independentes de sua base original na natureza. São eles Iemanjá, divindade do rio Ogum, Oiá ou Iansã, deusa do rio Níger, assim como Oxum, Obá, Euá, Logum Edé, Erinlé e Otim, cujos rios conservam ainda hoje o mesmo nome de sua divindade. No Brasil, assim como em Cuba, Iemanjá ganhou o patronato do mar, que na África pertencia a Olocum, enquanto os demais orixás de rio deixaram de estar referidos a seus cursos d'água originais, ganhando novos domínios, cabendo a Oxum o governo dos rios em geral e de todas as águas doces.

Os ancestrais africanos do Brasil, os Yoruba da Nigéria e Benin, viviam com um sistema de crença que colocava a natureza como o poder mais elevado, entendendo a necessidade de respeitar a natureza e honrar o sagrado vínculo entre os elementos naturais e os seres humanos. No Brasil, esse sistema se desenvolveu na prática espiritual do candomblé, onde os orixás ou divindades, são reconhecidos como a divina energia da natureza.

* Exu é a divindade messageira e responsável pela comunicação entre os deuses, ancestrais e seres humanos. Ele possui a habilidade de criar calma e/ou caos. Entretanto, Exu é o primeiro orixá a ser oferecido o seu ritual cerimonial de comida e bebida. Exu se revela o mais humano de todos os orixás, não sendo completamente bom nem ruim. Ele é responsável pelo equilíbrio dos seres humanos. Suas cores são o vermelho e o preto e sua saudação é “ Laroye”.

* Ogum é a divindade da guerra, ferro e tecnologia. Ele possui a habilidade de abrir caminhos. … atlético, agressivo e corajoso. Ogum dança de uma forma guerreira. Seu dia consagrado é terça. Suas cores são o azul e o verde e sua saudação é “ Ogunhe”.

* Omolu/Obaluaiye é a divindade da varíola e doenças epidêmicas. Ele possui a habilidade de criar doenças ou de cura. Omolu dança emborcado e bem perto do chão expressando dor e o tremor causado pela febre. O seu dia consagrado é segunda e suas cores são o preto combinado com vermelho ou branco. Ele é filho de Nana Buruku e Oxumaré. Sua saudação é “Toto”.

* Naná Buruku é a divindade da lama e dos pântanos. Ela é a mais velha orixá vinculada a água e é a mãe da morte, que ela guarda na profundidade da terra. Ela é protetora dos segredos e responsável pela formação do corpo humano. Nana dança de uma maneira digna, demostrando sua velhice e embalando o ibiri como um bebê, para simbolizar seu relacionamento com o falecido. Suas cores são o azul escuro, lilás e branco. Seus dias consagrados são a segunda e o sábado e sua saudação é “Saluba” .

* Oxumaré governa o arco-íris e a serpente. Oxumaré possui a natureza misteriosa, inteligente e artística. Simboliza movimento e atividade. Traça o arco-íris com sua dança saudando o céu e a terra. Suas cores são o amarelo, verde e preto. Seu dia consagrado é terça e sua saudação é “ArôMoboi”

* Oxóssi governa a caça, protege os animais e as florestas. Ele protege os caçadores que precisam da caça para sobreviver e não tolera os que matam sem necessidade. Oxóssi dança como se estivesse agressivamente caçando com seu arco e flecha. Ele é o rei da nação Ketu do Candomblé. Suas cores são o azul claro e o verde. Quinta é seu dia e sua saudação é “Okê Arô”.

* Logunede é considerado filho de Oxum com Oxóssi. Ele mora seis meses com seu pai como caçador e seis meses com sua mãe nos rios como pescador. Ele dança segurando um arco-e-flecha e um espelho, representando os movimentos característicos tanto de seu pai como de sua mãe. Suas cores são o azul claro e o amarelo, seu dia consagrado é quinta e sua saudação é “Logun “.

* Ossaim é a divindade que governa a sagrada força das folhas. Ele é um curandeiro que conhece todo sagrado poder das folhas. Ossaim dança como se estivesse colhendo folhas que caem das árvores e plantas, recolhendo-as em sua bolsa e passando-as sobre os corpos daqueles que precisam de purificação. Sua cor é o verde, seu dia é o sábado e sua saudação é ”Ewe O”.

* Xangô é a divindade do trovão, luz, fogo e justiça. Ele se veste impecavelmente, como é evidente nos seus ricos trajes cerimônias, e adora usar jóias decorativas. Sua dança é rápida representando sua realeza, natureza guerreira, virilidade e sua relação com a luz. Suas cores são o vermelho e o branco, seu dia é a quarta-feira e sua saudação È “Kawo Kabiyesile ” .

* Oya/Iansã é a divindade dos ventos e das tempestades. Ela é uma das mais sensuais e corajosas das orixás femininas. Iansã é poderosa, autoritária e luta armada. Ela dança agitando o ar em vento, flertando e avançando em batalha. Suas cores são brilhantes ao vermelho da terra. Ela compartilha seu dia consagrado, quarta-feira, com Xangô. Sua saudação é : “ Epa Hei Iansã”.

* Oxum é a divindade dos rios e da beleza. Dizem que ela é tão delicada como o fluxo de um riacho entre as pedras, mas também tão poderosa como uma cachoeira. Dança em um ritmo chamado ijexa, se olhando vaidosa no espelho que segura e se arrumando na beira do rio. Suas cores são o amarelo e dourado. Seu dia é sábado e sua saudação é “Ore
Yeyé O”.

* Obá governa as lagoas e é uma guerreira. Ela é uma das esposas de Xangô e sempre se preocupou em agrade-lo. Oxum aconselhou Oba a cortar sua própria orelha e usa-la para temperar a sopa de Xangô. Xangô se zangou com esse ato e a deixou por Oxum. Por isso que Oba dança cobrindo seu lado esquerdo. Outras mitologias representam Oba como uma mulher independente que se envolveu em comércio e política. Suas cores são o vermelho e o branco, seu dia consagrado é sábado e sua saudação “ObáXireê”.

* Ewa é devotada e gentil. Dança como se estivesse lutando segurando um arpão na mãe esquerda e uma espada na direita. Suas cores são o vermelho e o amarelo. Seu dia consagrado sábado e sua saudação é “RiRô”.

* Iemanjá é a rainha dos oceanos e a mãe de todos os orixás. Protege os pescadores e garante a eles um retorno seguro para sua praia. Ela é calma e materna. Na noite de ano novo, 31 de dezembro, no Rio de janeiro, seus devotos pedem sua benção com presentes e flores brancas na sua orla. Ela dança imitando as ondas dos oceanos. As cores de Iemanjá são o branco translucente, azul e verde e sua saudação é “Odê Iyé”.

* Oxalá é o pai de todos os orixás, o rei vestido de branco é o mais poderoso de todos os orixás. Ele governa o nascimento e a criatividade. O ar é seu elemento natural. Dizem que ele mora no mundo celestial. Ele se manifesta de duas formas: Oxaguiã- jovem e guerreiro dançando dessa maneira e Oxalufã- sábio ancião que dança emborcado ao chão como um velho. A cor de Oxalá é o branco, seu dia consagrado é sexta e sua saudação é “Eb· baba”.

Neste clima de “retorno ao mundo natural”, de preocupação com a ecologia, um orixá quase inteiramente esquecido no Brasil vem sendo aos poucos recuperado. Trata-se de Onilé, a Dona da Terra, o orixá que representa nosso planeta como um todo, o mundo em que vivemos. O mito de Onilé pode ser encontrado em vários poemas do oráculo de Ifá, estando vivo ainda hoje, no Brasil, na memória de seguidores do candomblé iniciados há muitas décadas.

Assim a mitologia dos orixás nos conta como Onilé ganhou o governo do planeta Terra:

"Onilé era a filha mais recatada e discreta de Olodumare. Vivia trancada em casa do pai e quase ninguém a via. Quase nem se sabia de sua existência.
Quando os orixás seus irmãos se reuniam no palácio do grande pai para as grandes audiências em que Olodumare comunicava suas decisões, Onilé fazia um buraco no chão e se escondia, pois sabia que as reuniões sempre terminavam em festa, com muita música e dança ao ritmo dos atabaques. Onilé não se sentia bem no meio dos outros.
Um dia o grande deus mandou os seus arautos avisarem: haveria uma grande reunião no palácio e os orixás deviam comparecer ricamente vestidos, pois ele iria distribuir entre os filhos as riquezas do mundo e depois haveria muita comida, música e dança.
Por todo os lugares os mensageiros gritaram esta ordem e todos se prepararam com esmero para o grande acontecimento.
Quando chegou por fim o grande dia, cada orixá dirigiu-se ao palácio na maior ostentação, cada um mais belamente vestido que o outro, pois este era o desejo de Olodumare.
Iemanjá chegou vestida com a espuma do mar, os braços ornados de pulseiras de algas marinhas, a cabeça cingida por um diadema de corais e pérolas, o pescoço emoldurado por uma cascata de madrepérola.
Oxóssi escolheu uma túnica de ramos macios, enfeitada de peles e plumas dos mais exóticos animais.
Ossaim vestiu-se com um manto de folhas perfumadas.
Ogum preferiu uma couraça de aço brilhante, enfeitada com tenras folhas de palmeira.
Oxum escolheu cobrir-se de ouro, trazendo nos cabelos as águas verdes dos rios.
As roupas de Oxumarê mostravam todas as cores, trazendo nas mãos os pingos frescos da chuva.
Iansã escolheu para vestir-se um sibilante vento e adornou os cabelos com raios que colheu da tempestade.
Xangô não fez por menos e cobriu-se com o trovão.
Oxalá trazia o corpo envolto em fibras alvíssimas de algodão e a testa ostentando uma nobre pena vermelha de papagaio.
E assim por diante. Não houve quem não usasse toda a criatividade para apresentar-se ao grande pai com a roupa mais bonita. Nunca se vira antes tanta ostentação, tanta beleza, tanto luxo. Cada orixá que chegava ao palácio de Olodumare provocava um clamor de admiração, que se ouvia por todas as terras existentes. Os orixás encantaram o mundo com as suas vestes. Menos Onilé.
Onilé não se preocupou em vestir-se bem. Onilé não se interessou por nada. Onilé não se mostrou para ninguém. Onilé recolheu-se a uma funda cova que cavou no chão.
Quando todos os orixás haviam chegado, Olodumare mandou que fossem acomodados confortavelmente, sentados em esteiras dispostas ao redor do trono.
Ele disse então à assembléia que todos eram bem-vindos. Que todos os filhos haviam cumprido seu desejo e que estavam tão bonitos que ele não saberia escolher entre eles qual seria o mais vistoso e belo. Tinha todas as riquezas do mundo para dar a eles, mas nem sabia como começar a distribuição.
Então disse Olodumare que os próprios filhos, ao escolherem o que achavam o melhor da natureza, para com aquela riqueza se apresentar perante o pai, eles mesmos já tinham feito a divisão do mundo.
Então Iemanjá ficava com o mar, Oxum com o ouro e os rios. A Oxóssi deu as matas e todos os seus bichos,
reservando as folhas para Ossaim. Deu a Iansã o raio e a Xangô o trovão. Fez Oxalá dono de tudo que é branco e puro, de tudo que é o princípio, deu-lhe a criação. Destinou a Oxumarê o arco-íris e a chuva. A Ogum deu o ferro e tudo o que se faz com ele, inclusive a guerra. E assim por diante.
Deu a cada orixá um pedaço do mundo, uma parte da natureza, um governo particular. Dividiu de acordo com o gosto de cada um. E disse que a partir de então cada um seria o dono e governador daquela parte da natureza.
Assim, sempre que um humano tivesse alguma necessidade relacionada com uma daquelas partes da natureza, deveria pagar uma prenda ao orixá que a possuísse. Pagaria em oferendas de comida, bebida ou outra coisa que fosse da predileção do orixá.
Os orixás, que tudo ouviram em silêncio, começaram a gritar e a dançar de alegria, fazendo um grande alarido na corte.
Olodumare pediu silêncio, ainda não havia terminado. Disse que faltava ainda a mais importante das atribuições. Que era preciso dar a um dos filhos o governo da Terra, o mundo no qual os humanos viviam e onde produziam as comidas, bebidas e tudo o mais que deveriam ofertar aos orixás.
Disse que dava a Terra a quem se vestia da própria Terra.
Quem seria? perguntavam-se todos?
“Onilé”, respondeu Olodumare.
“Onilé?” todos se espantaram.
Como, se ela nem sequer viera à grande reunião?
Nenhum dos presentes a vira até então. Nenhum sequer notara sua ausência.
“Pois Onilé está entre nós”, disse Olodumare e mandou que todos olhassem no fundo da cova, onde se abrigava, vestida de terra, a discreta e recatada filha.
Ali estava Onilé, em sua roupa de terra. Onilé, a que também foi chamada de Ilê, a casa, o planeta.
Olodumare disse que cada um que habitava a Terra pagasse tributo a Onilé, pois ela era a mãe de todos, o abrigo, a casa. A humanidade não sobreviveria sem Onilé. Afinal, onde ficava cada uma das riquezas que Olodumare partilhara com filhos orixás?
“Tudo está na Terra”, disse Olodumare. “O mar e os rios, o ferro e o ouro os animais e as plantas, tudo”, continuou. “Até mesmo o ar e o vento, a chuva e o arco-íris, tudo existe porque a Terra existe, assim como as coisas criadas para controlar os homens e os outros seres vivos que habitam o planeta, como a vida, a saúde, a doença e mesmo a morte”.
Pois então, que cada um pagasse tributo a Onilé, foi a sentença final de Olodumare.
Onilé, orixá da Terra, receberia mais presentes que os outros, pois deveria ter oferendas dos vivos e dos mortos, pois na Terra também repousam os corpos dos que já não vivem. Onilé, também chamada Aiê, a Terra, deveria ser propiciada sempre, para que o mundo dos humanos nunca fosse destruído.
Todos os presentes aplaudiram as palavras de Olodumare. Todos os orixás aclamaram Onilé. Todos os humanos propiciaram a mãe Terra.
E então Olodumare retirou-se do mundo para sempre e deixou o governo de tudo por conta de seus filhos orixás."

Cultuada discretamente em terreiros antigos da Bahia e em candomblés africanizados, a Mãe Terra desperta curiosidade e interesse entre os seguidores dos orixás, sobretudo entre aqueles que compõem os seguimentos mais intelectualizados da religião. Onilé é assentada num montículo de terra vermelha e acredita-se que guarda o planeta e tudo que há sobre ele, protegendo o mundo em que vivemos e possibilitando a própria vida. Na África, também é chamada Aiê e Ilê. Onilé, isto é, a Terra, tem muitos inimigos que a exploram e podem destruí-la. Para muitos seguidores da religião dos orixás, interessados em recuperar a relação orixá-natureza, o culto de Onilé representaria, assim, a preocupação com a preservação da própria humanidade e de tudo que há em seu mundo.