O VENTO QUE ESPALHA AS SEMENTES HÁ DE TE LEVAR LONGE
José não sabia qual era o seu caminho. Não foi por falta de tentativa. Desde sua puberdade se aventurava entre as muitas filosofias. Por mais que insistisse, nada preenchia o imenso vazio que o afogava. E não poucas foram os ocasiões em que simplesmente desistiu de tudo e aceitou a banalidade do mundo. Porém, seu coração não permitia essa atitude por muito tempo. A sede por sentido era insaciável.
Descuidado com a materialidade, sua vida financeira era limitada. Sua família o julgava desatento demais com o que consideravam mais importante. Para que tanto estudo se não conseguia um bom emprego, ouvia com frequência. José até se esforçava para agradá-los, no entanto, não conseguia despertar interesse no seu trabalho.
Muitos anos se passaram sem que experimentasse a paixão e o entusiasmo nos seus dias. O vazio se tornara angústia e a angústia o adoeceu. Com muita dificuldade encontrava forças para qualquer atividade. Os dias iam e vinham, enquanto José habitavam os duros e tristes labirintos de sua mente. O pensamento era uma prisão, porém se habituara a ela. Foi neste período que a morte o seduziu. Decidira que na próxima manhã o sofrimento acabaria.
Naquele noite, o sono foi profundo, consolado pelo iminente fim de seus tormentos. Os sonhos foram intensos, dotados de um ar de realidade que nunca percebera anteriormente. Ele se viu dentro de uma mata, o céu estava vivo e pulsante. Estrelas desconhecidas brilhavam no firmamento. Uma pequena fogueira trazia aconchego e segurança. A sua volta, estendiam fileiras e fileiras de homens e mulheres altivas, sérios e serenos, formando um círculo. E José estava no centro dele.
Eles entoavam uma energizante canção, numa linguagem que não compreendia. Estranhava suas vestimentas, que remetia-lhe às figuras do livro de história do Brasil. Apesar disso, algo lhe dizia que estava em casa. Tudo era incrivelmente familiar. “Nenhum curumim nosso é abandonado aos lobos, meu filho", dizia uma acolhedora voz em sua cabeça.
A cada momento, o canto coletivo ganhava força e vigor, sendo acompanho de belos e disciplinados movimentos. Subitamente, José sentiu algo mudar dentro de si. Seu corpo transformava-se, assumindo, também, a forma de um valente nativo daquela região. E sem saber como, ele percebeu-se executando todos os passos daquela complexa dança.
E mais uma vez, ouviu aquela firme voz. “Este mundo não é torto, curumin. Para cada um há o seu lugar. Você é filho da mata, dos rios que nutrem esta lugar, do solo que nos sustenta. O vento que espalha nossas sementes há de te levar longe. Esta força também é sua, meu filho. Confie nela, ela não te abandonará". As lágrimas irromperam como uma barragem superada e José acordou. Ainda sentia o doce perfume daquele sonho.
De certa forma, nada mudou na sua vida O vazio no coração continuava a perturbá-lo. Seu grito era alto demais para ser ignorado. Porém, depois daquele dia, sentia no seu interior um calor que o confortava. E sempre que pensava em se ferir, lembrava daquelas firmes palavras, que instigavam seu espírito. O que elas significavam? Por que ele foi chamado de filho da mata, do rio e da terra? Quem eram aquelas pessoas?
Sua resposta veio somente 3 anos depois. Foi convidado a participar de um “culto" de uma religião fundada há pouco tempo, o qual supostamente se comunicavam espíritos de índios, negros e crianças. Estava cético, porém as memórias daquele sonho permaneciam vivas. Bastou pisar no chão batido daquele humilde templo para sentir que finalmente encontrara o seu lugar.
José, que se descobriu filho de Oxóssi e Oxum, ali se firmou e desenvolveu. Foi reconhecido um grande médium, capaz de compreender o coração alheio como ninguém. Quando a mãe de Santo daquele terreiro desencarnara, abriu sua própria casa. Dela, surgiram muitos outras, os quais consolaram as lágrimas de tantos e tantos filhos. Foi próximo aos seus últimos dias, refletindo sobre tudo o que vivera, que compreendeu todo o significado daquele sonho. O vento realmente o levou muito longe.
Saravá a todos!
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