O Oráculo de Biage II
Estendendo nossos ensaios sobre o Oráculo, pouco conhecido, como Biage-Ifá e sua aplicação mágico oracular através de um cabalismo profundo encontrado nas Religiões Afro-Brasileiras, lembro que o Biage-Ifá é somente a ponta de um iceberg de conhecimento encontrado nas águas límpidas do saber da Tradição Antiga. O conhecimento sobre Ifá é muito maior do que possamos imaginar. Naquilo que há de mais essencial, Ifá nos traz a contemplação dos mistérios que deram origem ao Universo e a toda existência. Lembro um dos mitos de Ifá, que conta como Orunmilá ganhou o título de èlérí ípín (Testemunha do Destino). O mito conta – me membro concisamente – que Orunmilá contemplou a sabedoria dos Odus e viu o destino de todos os seres, Orunmilá viu o destino de Olodumare, e viu o pai de Olodumare, e viu que o pai de Olodumare era (…) a partir de então seus olhos se cegaram. Ainda um mito simples como esse, vela mistérios profundos sobre a origem da existência e ainda outras coisas que estão fora da nossa capacidade de penetração.
O Biage-Ifá é o que existe de mais básico na Tradição Oracular Antiga. Na verdade, toda metodologia oracular africana (e não só africana, vide I-Ching, “Talhos na Areia” e Geomancia Europeia) tem como base as características originais do Biage-Ifá: os quatro elementos (Ar, Fogo, Água e Terra) mais o Éter, que é a origem de todos eles. Aprofundando um pouco mais, relembro que o Biage-Ifá é consultado usando-se 4 objetos (búzios ou cocos), tendo 5 variáveis (ou caídas) como resultantes de suas combinações entre objetos abertos e fechados, são elas:
Aláfia – 4 abertos
Aláfia pode ser traduzido livremente como alegria suprema ou ainda alegria vinda da divindade. Fala sobre a origem da existência, do espírito e da consciência. Indica espiritualidade aflorada, mediunidade e boa sorte. Caracteriza-se pelas qualidades de todas as 200 divindades primordiais masculinas que representam o Espírito e deram origem a toda existência, conhecidas como Irun Imoles. Sua saída no jogo prenuncia plenitude e grande satisfação.Otawa – 3 abertos e 1 fechado
Otawa fala sobre o início e o desenvolvimento. Como há 1 objeto fechado, indica que há alguma dificuldade, natural ao processo de início e desenvolvimento de qualquer coisa, porém é superável com a aplicação da vontade e do trabalho. Otawa caracteriza-se pelas qualidades das divindades guerreiras, divindades que segundo seus mitos foram responsáveis pela caça, pela pesca, pela agricultura, pela metalurgia e pelo desenvolvimento tecnológico da humanidade antes de se tornar civilização. Ainda caracteriza-se pela busca e manutenção da subsistência. Sua saída no jogo prenuncia satisfação mediante esforço, implica trabalho e indica uma nova iniciativa à ser desenvolvida.
Ejifé – 2 abertos e 2 fechados
Ejifé fala sobre a maturidade, o equilíbrio e a segurança. Determina segurança absoluta sobre a jogada anterior ou qualquer coisa que se queira confirmar. Caracteriza-se pelas qualidades das divindades que, simbolicamente, fazem são o meio entre dois lados e, principalmente, pelas divindades ligadas a justiça e o estabelecimento da civilização nas sociedades. Sua saída no jogo prenuncia segurança.
Okaransodé – 1 aberto e 3 fechados
Okaransodé fala sobre a senilidade, as limitações e o que leva ao término. Indica muitas dificuldades e possíveis problemas de saúde. Caracteriza-se pelas qualidades das divindades ligadas a velhice, a cura, a sabedoria e ao que conduz ao fim simbolizado pela morte. Sua saída no jogo prenuncia insatisfação e insegurança, pela proximidade do término, implica cuidados e atenção especial e indica e o possível término de uma iniciativa que ainda está em desenvolvimento.
Oyeku – 4 fechados
Oyeku fala sobre o final de um ciclo, a morte e a ancestralidade. Indica a influência de um espírito desencarnado e é um presságio de morte. Caracteriza-se pelas qualidades da morte, dos Eguns e das 200 divindades primordiais femininas que representam todo o Universo Natural que gerou e mantém a existência, conhecida como Igba Imoles.
Essas, são características básicas das variáveis ou caídas do Biage-Ifá, cada uma dessas caídas ainda podem ser interpretadas de 16 maneiras diferentes, de acordo com a forma geométrica que formarem quando caírem. Essas formas geométricas são chamadas Apere e estão relacionadas com as 16 divindades principais do método do Opon-Ifá da Umbanda Esotérica e os 16 Odus de Ifá da Tradição Africana. Essas relações acontecem através de algumas amarrações que, por enquanto, é inapropriado que venham a público, ficando apenas sob o conhecimento de algumas poucas pessoas que o tem.Notem que toda essa sistemática do Biage-Ifá (assim como todo o complexo Sistema de Ifá) começa sobre o conceito de dualidade, através da utilização de objetos com um lado côncavo e outro convexo ou um aberto e outro fechado, representando, o lado aberto, o poder masculino, elétrico, ígneo, representando o Espírito e aquilo que dá origem à existência; e o lado fechado, representando o poder feminino, magnético, telúrico, representando a Natureza e aquilo que gera, mantém, mas também pode interromper e destruir a existência. Sendo assim, notamos uma base chave para a interpretação de qualquer sistema oracular validado pelo conhecimento cabalístico: a base binária. Todo sistema oracular, baseado em uma sistemática esotérica mais profunda, começa a partir dessa base binária, por quê? Porquê a origem da existência – e da realização – está na dualidade, na relação entre o masculino e o feminino, tendo como gerado, o próprio destino do ser. Ou seja, o destino do Ser está ligado a interação, à nível energético, dessas duas forças durante a sua existência, por isso a base é um sistema binário.
Essa base binária gera toda a existência e as histórias dos destinos. Podemos entendê-la e relacioná-la ao Princípio Espiritual Masculino e ao Princípio Natural Feminino, a resultante da interação entre os dois é o Princípio Gerado, ou seja, o que principia toda a existência e o destino dos seres. A existência é formada, basicamente, da interação entre os 4 elementos (Ar, Fogo, Água e Terra) mais o Éter, eles se relacionam e caracterizam bem cada uma das caídas ou variáveis. Assim, temos:
Aláfia – Éter
Otawa – Ar
Ejifé – Fogo
Okaransodé – Água
Oyeku – Terra
A ordem de ser dos elementos e das a caídas é essa porque é aquela que vai das características mais sutis às mais densas da magia elementar. É o próprio caminho da origem até a realização no mundo e o retorno à origem. Em uma comparação simplista, podemos dizer que essa ordem elementar representa o Ar que alimenta o Fogo, que aquece a Água que fertiliza a Terra. Mas, e o Éter?
O Eter é a Quintessencia, é o próprio poder de transformação de si mesmo nos outros elementos, sendo assim, o que originou-os por si mesmo e para onde todos eles voltam para serem transformados novamente e cumprirem outro ciclo elementar. Tal como as divindades primordiais estão ligadas às causas/origens da existência, o Éter é a causa e a origem do próprio poder e princípio de realização sendo assim a causa e a origem de todos os outros elementos.
O Ar é o primeiro elemento a ser gerado a partir do Éter e representa, entre outras coisas, o Sopro Divino, ou seja, representa o início e a via por onde se desenvolve a existência. O Ar está caracterizado por “aquilo que vai em busca”, tal como as características das divindades guerreiras – pelo menos dentro das Tradições Afro-Brasileiras. Entre essas divindades guerreiras, podemos caracterizar bem as qualidades de Oxossi, Senhor Primaz do Ar.
O Fogo é o segundo elemento gerado a partir do Éter e representa O Fogo da Vida, representa o poder de transformação que impulsiona a existência. O fogo é caracterizado por aquilo que transforma e está, intimamente, ligado a Xangô e daí às suas características no Biage-Ifá.
A Água é o terceiro elemento gerado a partir do Éter e representa O Caminho de Retorno à Origem, é caracterizado, principalmente, pelas águas do rio que corre em direção ao mar, as águas que levam. Suas características estão ligadas ao Orixá Ogum – Senhor Primaz da Água, mas também às Divindades Femininas.
A Terra é o quarto e último elemento gerado a partir do Éter e representa Aquilo Que Conserva/Concretiza, é caracterizado, principalmente, pela ancestralidade, por isso está ligada a Yorimá – Senhor Primaz da Terra, aos Baba Eguns (Espíritos Ancestrais Ilustres) e as Igba Imoles (Divindades Femininas da Criação). Vale lembrar que os negros (Yorubás) não tinham o céu como sinônimo de além, ou local sagrado onde estava seus ancestrais e para onde iriam as almas desencarnadas, para eles, o Além, ou Orún, era no centro da Terra. Na aplicação prática da magia elementar, a Terra é o que fecha um ciclo e volta a origem (Éter).
Ainda muito podemos – e vamos – dissertar sobre o Biage-Ifá e seus mistérios. Obedecendo a vontade de nossos mentores vamos voltar a publicar com mais frequência, textos interessantes e de peso sobre a Espiritualidade e Ocultismo em geral, a fim de atrair a massa dos poucos e raros seres com bagagem o suficiente para penetrar os mistérios do Conhecimento Antigo, e também informar a massa e mostrar que a cultura filo religiosa africana tem muito fundamento esotérico escondido, perdido, esquecido, velado mas, principalmente, preconceituado.