ESPÍRITO DE UMA MULHER SENDO SOCORRIDO PELA MÃE, SEM RECONHECÊ-LA, EM LAMENTÁVEL CONDIÇÕES, IMPLORANDO PARA RESGATAR OS DÉBITOS POR MUITO MALTRATA-LA.
O Chefe da caravana aproximou-se de nós e o Assistente no-lo apresentou num gesto amigo. Era o Atendente Macedo, Valoroso Condutor de Tarefas Socorristas. Afeiçoados e Parentes dos recém-vindos cercavam-nos, agora, com expressões de Alegria e Sofrimento. Algumas senhoras que vira, antes, em ansiosa expectativa, derramavam lágrimas discretas. Notei que as criaturas Recém-Desligadas do Corpo Denso, conturbadas qual se achavam, traziam consigo todos os Sinais das Moléstias que lhes haviam imposto a Desencarnação.
Ligeiro exame clínico poderia sem dúvida favorecer a leitura da diagnose individual.
Dama simpática abeirara-se de uma jovem senhora que vinha amparada pela ternura de uma das enfermeiras da instituição, e, abraçando-a, chorava sem palavras.
A moça recém-liberta recebia-lhe os carinhos, rogando, comovente:
– Não me deixem Morrer!... Não me deixem Morrer!...
Mostrando-se enclausurada na lembrança dos momentos derradeiros no Corpo Terrestre, de olhos torturados e lacrimosos, avançou para Silas, exclamando:
– Padre! Padre, deixa cair sobre mim a Bênção da extremaunção; contudo, afasta de minhalma a Foice da Morte!...
Tentei apagar minha falta na fonte da caridade para com os desprotegidos da sorte, mas a ingratidão, praticada com minha mãe, fala muito alto em minha consciência infeliz!...
Ah! porque o orgulho me encegueceu, assim tanto, a ponto de condená-la à miséria?!...
Por que não possuía eu, há vinte anos, a Compreensão que tenho agora? Pobrezinha, meu padre! Lembra-se dela? Era uma atriz humilde que me criou com imensa doçura!...
Concentrou em mim a existência... Da ribalta festiva, desceu a rude labor doméstico para conquistar nosso pão...
Tinha a sociedade contra Ela, e meu Pai, sem ânimo de lutar pela felicidade de todas nós, deixou-a arrastar-se na extrema pobreza, acovardado e infiel aos compromissos que livremente assumira...
A infortunada criatura fez ligeiro interregno, misturando as próprias lágrimas com as da nobre matrona que a conchegava de encontro ao peito e, de mente aprisionada à confissão que fizera “In extremis”, continuou qual se tivesse o Sacerdote ao pé de si:
– Padre, Perdoe-me, em nome de Jesus, entretanto, quando me vi jovem e senhora do vultoso dote que meu Pai me conferira, envergonhei-me do Anjo Maternal que sobre os meus dias estendera as brancas asas e, aliando-me ao homem vaidoso que desposei expulsei-a de nossa casa!...
Oh! ainda sinto o frio daquela terrível noite de adeus!... Atirei-lhe ao rosto frases cruéis... Para justificar minha vileza de coração, caluniei-a sem piedade!...
Pretendendo elevar-me no conceito do homem que desposara, menti que ela não era minha Mãe! Apontei-a como ladra comum que me roubara
ao nascer!...
Lembro-me do olhar de dor e compaixão que me lançou ao despedir-se... Não se queixou, nem reagiu... Apenas contemplou-me, tristemente, com os olhos túrgidos de chorar!...
Nessa altura, a dama que a sustentava afagou-lhe os cabelos em desalinho e buscou reconfortá-la:
– Não se excite. Descanse... descanse...
– Ah! que voz é esta? bradou a moça desvairar-se de angústia.
E, tateando as mãos afetuosas que lhe acariciavam as faces, exclamou, sem vê-las:
– Oh! Padre, dir-se-ia que ela se encontra aqui, junto de mim!...
E, voltando para o alto os olhos apagados e súplices, rogava em pranto:
– Ó Deus, não me deixeis encontrá-la, sem que Pague os Meus Débitos!... Senhor, compadecei-vos de mim, pecadora que Vos ofendi, humilhando e ferindo a amorosa Mãe que me destes!...
Com o auxílio de duas Enfermeiras, porém, a simpática senhora que a acalentava situou-a em leito portátil e fê-la emudecer, à força de inexcedível ternura.
Percebendo-me a emotividade, Silas, depois de amparar o serviço de acomodação da doente, explicou:
– A Dama Generosa que a recolheu nos braços é a Genitora que veio ao encontro da Filha.
– Que nos diz?! – exclamou Hilário, assombrado.
– Sim, acompanhá-la-á, carinhosamente, Sem Identificar-se, para que a pobre Desencarnada não sofra abalos prejudiciais.
O Traumatismo Perispirítico vale por muito tempo de Desequilíbrio e Aflição.
– E por que motivo teria a doente decidido confessar-se, dessa maneira? – perguntou meu colega, intrigado.
– É fenômeno comum – elucidou o Assistente. As Faculdades Mentais de nossa Irmã Sofredora estagnaram-se no Remorso, em razão do delito máximo de sua existência última, e, desde que foi mais intensamente tocada pelas reflexões da morte, entregou-se, de modo total, a semelhantes reminiscências.
Por haver Cultivado a Fé Católica Romana, imagina-se ainda diante do Sacerdote, acusando-se pela falta que lhe maculou a vida...
O espetáculo ferira-me, fundo. A rudeza do quadro que a verdade me oferecia obrigava-me a dolorida meditação.
Não havia, então, males ocultos na Terra!... Todos os crimes e todas as falhas da criatura humana se revelariam algum dia, em algum lugar!...
Silas entendeu a amargura de minhas reflexões e veio em meu socorro, observando:
– Sim, meu amigo, você repara com acerto. A Criação de Deus é gloriosa luz. Qualquer sombra de nossa consciência jaz impressa em nossa vida até que a mácula seja lavada por nós mesmos, com o suor do trabalho ou com o Pranto da Expiação...
E ante os apelos agoniados e afetivos nos Reencontros a se processarem, ali, sob nossos olhos, em que Filhos e Pais, Esposos e Amigos se reaproximavam uns dos outros, o Assistente acrescentou:
– Geralmente a estas plagas de inquietação aportam aqueles que em si mesmos cavaram mais fundos sulcos infernais e que se cristalizaram em perigosas ilusões, mas a Bondade Infinita do Senhor permite que as Vítimas Edificadas no Entendimento e no Perdão se Transformem, Felizes, em Abnegados Cireneus dos antigos verdugos.
Como é fácil verificar, o incomensurável amor de nosso Pai Celeste cobre, não somente os territórios glorificados do paraíso, mas também as províncias atormentadas do inferno que criamos...
Pobre mulher prorrompeu em choro convulso, junto de nós, cortando a palavra de nosso amigo. De punhos cerrados, reclamava a infeliz:
– Quem me libertará de Satã? Quem me livrará do poder das trevas? Santos anjos, socorrei-me! Socorrei-me contra o temível Belfegor!...
Silas convocou-nos ao amparo magnético imediato.
Enfermeiros presentes acorreram, solícitos, impedindo o agravamento da crise.
– Maldito! Maldito!... – repetia a demente, persignando-se.
Invocando o Socorro Divino, através da Oração, procurei anular-lhe os movimentos desordenados, adormecendo-a pouco a pouco.