quarta-feira, 7 de setembro de 2022

O Caminho do Amor Thelêmico: Parte 1

 

O Caminho do Amor Thelêmico: Parte 1

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Parte 1 

“[...] mas todas as coisas que vivem estão no Coração do Mestre. Com aquilo eu parei de ser eu mesmo completamente: eu sou absorvido em Sua adorável essência, e minha vida é derramada homogeneamente através dos infindáveis Êons da Criação. Ah! — não há mais nada separado, de modo algum; daí a Visão falhou, o Observador tendo se tornado um com aquilo que é Observado.” — O Coração do Mestre

Anteriormente, falei sobre o ano do Atu do Tolo e sua incorporação no arquétipo da Criança. Nas próximas três seções, discutirei exatamente o que este Poder do Tolo e da Criança faz e como ele tem um papel chave em nossas vidas.

Carl Jung escreveu que o Poder da Criança sempre aponta alguém de volta ao estado psicológico de não-reconhecimento; ou um estado de plenitude absoluta da Mente que os thelemitas melhor entendem como o comando de Nuit de não fazer diferença entre qualquer uma coisa e qualquer outra coisa. Esse é o estado essencial da mente que é O Tolo ou Poder da Criança. É o advaita dos vedantistas e o sunyata dos budistas[1]. A habilidade de adquirir este estado de maneira intencional e contínua é a marca de um jivanmukti ou Ipsissimus; alguém que está completamente liberto em vida.

Jung também descreve este Poder da Criança como regressivo e compensatório. O Poder é regressivo porque ele demanda lealdade às leis da Natureza. A primeira e principal lei para qualquer coisa que existe é que ela acate à sua Verdadeira Vontade. O Poder da Criança demanda que uma dada coisa siga sua verdadeira órbita. É esta Lei Universal de Thelema que “ordena às estrelas que brilhem e às árvores que deem frutos”. Viver de acordo com a Natureza é permanecer fiel aos deveres que o Universo nos criou para cumprir. Portanto, esse Poder da Criança surge através de cada um de nós para constantemente nos puxar de volta ao centro que é nossa Verdadeira Vontade. É o mesmo poder que, “golpeando como se pelo relâmpago do céu” chacoalha o nosso mundo quando agimos fora de acordo com nosso sagrado desígnio. Este Poder é Thelema de uma forma energética inteligente, onipotente e onipresente[2].

O Poder da Criança é compensatório porque de modo a fazer com que seu Khu expresse sua Verdadeira Vontade, buscará reconciliar as forças desequilibradas dentro de si através da mescla intencional do Ego com os eventos externos. O Poder da Criança surge através do indivíduo fazendo com que se entre em contato com uma experiência após a outra de modo a trazer um equilíbrio de consciência, deste modo eliminando os complexos e obstáculos à execução adequada da Verdadeira Vontade e tornando o indivíduo em um receptáculo adequado para experiências adicionais, sendo a principal delas aquele estado de Não-Diferença que é o Corpo da própria Nuit.

Mas por quê? Por que tanta fumaça e espelhos? Por que a necessidade de símbolos, ritos e rituais? Por que temos que nos esforçar para obter a consecução? Em Liber Aleph, Crowley escreve que a Existência é resultado de conflito; este conflito tem sua origem na divisão do um nos muitos. É o divórcio de Nuit e Hadit. Nós, como a Fonte Única, assumimos sobre nós o conflito e a divisão pela “chance de união”. Esta chance de união realmente é um Cavalheirismo ou Cortejo. Crowley chama isso de Jogo-de-Amor. A existência, então, é uma divisão intencional da Unidade Divina; é um parque pelo qual o Divino entretém a Si mesmo de modo a experimentar um número infinito de “pontos de vista” pelos quais pode contemplar seu potencial.

Cada unidade humana é um destes “pontos de vista” ou Hadit. Nós somos centros de luz em extensão e como extensões de luz nós devemos ir; este “ir” se refere à nossa participação coletiva no Jogo-de-Amor Divino e por causa dele nós assumimos as camadas do khu para obter experiências individuais, autoconscientes. Então escusado será dizer que deve haver um conflito entre a Verdadeira Vontade e a vontade finita. Nós precisamos ter estes desequilíbrios em nossas naturezas. Sem eles não há necessidade de perfeição; não há Jogo-de-Amor ou Cavalheirismo Divino. Não há “chance de união” sem necessidade de divisão.

O Poder da Criança flui através do Universo em sua função regressiva e compensatória buscando unificar as forças opostas. É essa força que compele Nuit e Hadit a unirem-se e terminar o Cortejo Divino pelo qual eles se perdem no Orgasmo de sua união. Em um nível biológico, o Poder da Criança se manifesta através dos órgãos sexuais para a reprodução. Os humanos buscam terminar o aparente conflito entre nossos corpos finitos e a eternidade através da progênie. Em um nível espiritual, os thelemitas buscam terminar o conflito ou divisão entre os egos e o Sagrado Anjo Guardião. Nós temos essa dor de divisão porque o Poder da Criança nos pressiona em direção à unificação. O mesmo “impulso de mesclar-se” que alguém tem por seu parceiro ou parceira é redirecionado para o Casamento ou Consumação do iniciado e do Sagrado Anjo Guardião. A Grande Obra é o nosso método de unificação ou yoga; é um yoga de equilíbrio pela experiência e o Poder da Criança é a força que nos compele e conduz o processo.

Este equilíbrio é fundamental para o Conhecimento e Conversação do Sagrado Anjo Guardião, caracterizado pela A∴A∴ como o Grau de 5=6 interno. Em Uma Estrela à Vista Crowley escreve que a pessoa precisa equilibrar as paixões, de modo que não se tenha preferência por qualquer dado curso de conduta sobre outro; e tornar completa toda ação pelo complemento dela, de modo que seja lá o que tenha sido feito, deixa a pessoa sem a tentação de se afastar da Verdadeira Vontade. Vemos nesta afirmação uma clara referência aos fatores regressivo e compensatório que são atribuídos ao Poder da Criança. A ação compensatória leva ao equilíbrio necessário de modo a suportar a tendência regressiva de manter sua Verdadeira Vontade.

No mesmo documento, Crowley sugere que o Adeptus precisa dominar todas as habilidades mágicas, não importa quão enfadonhas ou desagradáveis pareçam. Isso é compreensível, dado que o Adepto precisa estar familiarizado com todos os ramos de magia como ferramentas possíveis para a consecução e de modo a responder as questões de seus estudantes. Mas e se nós aplicássemos esta disciplina compensatória da qual Crowley fala na magia para nossas experiências da vida diária? Se o fizermos, encontraremos uma ferramenta prática e poderosa que nos permite ser agentes conscientes e propositados do Poder da Criança em seu objetivo de nos trazer à realização da Grande Obra e além.


  1. Também é o nirvikapla samadhi e o yechidah. Basicamente, a consciência de Kether (ou NENHUMA consciência). ↩︎

  2. Estou inclinado a chamar isso de SAG, mas seu poder e influência é universal demais. Definitivamente está mais próximo da definição comum de Kuṇḍalinī; mas novamente, é inteligente e consciente de seus motivos para cada aspecto individual da criação. Eu pessoalmente o atribuiria ao Tolo, ao Sol, o Phallus, Pã, etc. ↩︎


Traduzido por Alan Willms