quinta-feira, 14 de outubro de 2021

MARIA DEGOLADA (História Psicografada)

 MARIA DEGOLADA
(História Psicografada)


Pode ser uma imagem de 2 pessoas"Um dos primeiros feminicídios registrados: mais de um século do sofrimento e ascensão, de um Espírito perturbado".

(Psicografado por Maria Elizabeth Barbieri)

PELO ESPÍRITO FRANCELINA:

Nasci na Alemanha de 1878, justamente quando o país iniciava trabalhos com a Suíça e o Brasil, e meus pais foram incluídos nesse último. Fomos para o Sul, onde a capital dos gaúchos se recuperava dos episódios "Farroupilha", e que prosperava rapidamente. Eu já era mocinha, quando percebia constantes conflitos entre os meus pais. Fiquei sabendo aos poucos, que fôra um casamento arranjado, não por riquezas mas por dívidas entre seus pais (meus avôs); não havia, portanto, amor ou sentimentos.

Brigas cada vez mais constantes me fizeram, aos poucos, abandonar o lar e ir para as ruas. Não demorou muito para me tornar uma prostituta formosa, por eu ser loira e a grande maioria dessas mulheres, nessa época, serem de aparência oposta. Despertava inveja e ciúmes, mas eu as tratava bem e era indiferente à isso.

PORTO ALEGRE, 1898

Morávamos juntas na única e pequena favela existente, no Morro do Hospício, próximo ao Hospital Psiquiátrico São Pedro, hoje Bairro Partenon. Nàquela época o bonde puxado por mulas favorecia as idas e vindas do Centro da cidade, onde haviam pontos de prostituição. Nos arredores da favela também tinha um grande contingente de policiais militares, pois o quartel ficava nas proximidades.

Numa noite, quando percebemos que não haveria "movimento", resolvemos voltar pra casa no último bonde. Foi aí que eu conheci o soldado-policial Bicudo, que me cortejou mesmo sabendo quem eu era. Rapidamente nos envolvemos e ele resolveu me tirar das ruas. Me tornei fiel e nos amávamos, mas infelizmente não conseguimos sair da favela, que apesar de ter ainda grandes áreas verdes, prosperava, assim como as fofocas e as mentiras.

Passou-se 12 meses que morávamos juntos e eu estava com 21 anos. Muitas expectativas e sonhos para o próximo ano de 1900, era ápice de todas as conversas. Numa tarde de domingo, de um verão que se aproximava, Bicudo e seus colegas combinaram um piquenique com as namoradas e esposas, sob uma grande árvore que havia próxima à favela, no alto do morro, em brisa agradável e onde ainda não havia nenhuma casa. Conversas insinuantes fizeram constranger Bicudo e ele, revoltado, me retirou do meio e, mais afastado deles, resolveu terminar tudo e me mandava sair da casa que era dele.

Sentindo-me injustiçada e revoltando-me pela possibilidade de ter que retornar à vida antiga, fui tomada por grande ódio e parti pra cima dele com um pedaço de lenha. Ele se defendeu, me empurrando com força, fazendo eu cair. No chão, vendo um cano de ferro solto, me armei e ataquei de novo, chegando a feri-lo. Bicudo conseguiu me dominar e, prendendo os meus braços, usou de uma grande faca para cortar o meu pescoço, fazendo eu perder os sentidos.

VINGANÇAS

Recobrei os sentidos, como se eu viesse de um desmaio e tentei agredir de novo, mas alguma coisa estava estranha: não conseguia atingí-lo, parecia transpassá-lo. Gargalhadas ao meu redor surgiram e um peso descomunal no ar fez eu cair em sono profundo.

Não sei quanto tempo se passou quando eu despertei. Estava no mesmo local e era noite. Levantei-me, estava toda suja de terra e de sangue. Havia um grande número de pessoas, estranhas às que eu conhecia na Vila, e meus olhos se embaralhavam, vendo alguns nítidos e outros não. Lembrei da briga e queria vingança, mas comecei a sentir outras coisas: fome, sede e muita dor no pescoço, onde parecia ter um grande corte.

Uma mulher, aparentando uns 40 anos, que me observava, se aproximou e disse-me:
"– Assim você não vai longe! Deixa eu ver essa ferida. Pense em ficar boa!"
Ela inspirava certa confiança e fiz como sugeriu. Exclamei, passando minha mão no pescoço:
"– Puxa!!! Passou a dor... e o corte sumiu! Obrigada!"
"– Espere! Vamos dar jeito nessa roupa!" – disse ela.
Passando a mão, de cima à baixo, fez a roupa ficar limpa. Perguntei espantada:
"– Como fez isso?"
"– Essas coisas aprendemos com o tempo, juntamente com outros truques que só os mortos podem fazer!"
"– Mortos???"
"– Sim, querida, mortos... Você morreu, como eu! Me chamo Adelaide."
"– Meu nome é Maria Francelina!"
"– Humm, complicado! Acho que você agora é "Maria Degolada", como todos já a chamam!"

"– Todos??? Então "todos" já sabem?"
"– Quanto tempo você acha que passou?" – perguntou sarcásticamente Adelaide.
"– Pra mim, foi ontem!" – respondi e ela retrucou entre gargalhadas:
"– Fazem meses! É mais uma coisa que precisa aprender. Mas antes de tudo, se ainda quiser se vingar, venha comigo. Precisa se alimentar!"

Ela pegou minha mão e, num piscar de olhos, estávamos no centro da cidade, próximo à um bar, com pessoas nítidas comendo e um grande número de pessoas "não-nítidas" ao redor. Ela parecia impor respeito. Me botou ao lado de um que estava comendo e disse:
"– Toque nele e puxe o ar!"
Senti como se estivesse comendo. E completou:
"– Faça o mesmo, quando ele beber!"

Senti-me aliviada, confortada e depois eu comentei com Adelaide:
"– É noite ainda!"
"– É sempre noite! Faz tempo que eu não vejo o sol." – respondeu ela.
"– Obrigada por me ajudar! Eu queria saber mais!"
"– Te ensinarei umas coisinhas!" – afirmou Adelaide.

Assim eu tomei consciência da situação: "encarnados e desencarnados" eram as expressões. Os que perdoavam seus agressores e "iam" para o mundo dos Bons e os que não perdoavam e traçavam suas vinganças, ficando por aqui.

Aprendi a me deslocar, mas somente para lugares que eu conhecia, ou sabia que existia. Até achei que eu podia conhecer assim a Alemanha de meus pais. Mas isso não estava na minha mente; então não haveria força mental para isso (é assim que funciona). Também aprendi a influenciar, a ler pensamentos – mas isso só era possível com algumas pessoas, não todas.

Soube que Adelaide aprendeu tudo com desencarnados do Umbral e várias vezes ela esteve lá. Eu até queria conhecer, mas o meu instinto não deixava me afastar da Terra. Um dia perguntei à Adelaide sobre porque estava sempre me ajudando? Então me respondeu:
"– No dia do crime eu estava perto de você. Vi pelos seus pensamentos que estava sendo injustiçada e, por isso, resolvi lhe ajudar."

E ela contou a sua história:
"– Há muito tempo atrás eu vivia no centro desta cidade, casada e com filhos. Tudo ia bem, até quando começaram rumores de uma revolução. Numa tarde um rapaz passou correndo à cavalo, gritando: "os Farrapos estão vindo!". Todos se trancaram em suas casas, mas aos poucos e ao longe, ouvíamos gritos de mulheres e homens, tiros e a aproximação de grupos em grande baderna.

A frágil porta de nossa casa foi facilmente quebrada pelas armas de ferro e, sem pensar, mataram meu marido, meus filhos ainda pequenos e me arrastaram para o meu quarto, onde seis homens que invadiram nosso lar me estupraram como animais. Somente quando viram os meus órgãos em intensa hemorragia pararam para me dar um tiro no peito. Certamente que eles saquearam a casa."

Eu fiquei em lágrimas, Adelaide deu uma pausa e continuou:
"– Cheguei a 'acordar' num hospital dos Bons, mas repudiei à todo custo a possibilidade de perdoar. Minha vontade e sede de justiça fez-me levantar e me retirar dali. Fiquei sabendo também que muitas mulheres passaram o mesmo, pelos mesmos homens e outros do mesmo grupo. Então decidimos persegui-los até nos vingarmos."
"– E deu certo?"

"– Sim. Tivemos ajuda de outros desencarnados, de Vales distantes, que nos ensinaram vários truques para vencer àqueles bandidos. Eles perderam a batalha, se renderam e foram condenados. Uns se mataram e outros mataram uns aos outros. Assistimos à tudo com prazer. Nossos amigos do Umbral "trataram" do resto".

"– E agora?" – perguntei curiosa.
"– Ajudamos mulheres que também são maltratadas! Você precisa ver quantas!"
"– Suponho que você vê seus filhos e o seu marido?"
"– Ainda não! Dizem que estamos em Planos diferentes!" – respondeu Adelaide.
"– E você não quer ir para os Planos deles?"
"– Soube que tem um momento certo pra isso e ele ainda não aconteceu! Até lá, vou ajudando as desencarnadas como posso."

Achei Bicudo na prisão; ele havia sido preso e condenado imediatamente após o crime. Estava enlouquecendo e foi fácil atormentá-lo. Acabei me acostumando com o apelido de "Maria Degolada" e várias vezes auxiliei Adelaide em seus trabalhos. Quando Bicudo desencarnou eu não consegui vê-lo.

MARIA DA CONCEIÇÃO

O tempo passou e, certa vez, ouvi alguém chamar em minha mente: "– Maria da Conceição!". Não entendi, mas aquela força de chamado me atraiu. Fazia tempo que eu não ia na favela e me surpreendi: no local onde eu fui assassinada ergueram uma gruta, dedicando à mim e me associando à Virgem Maria. E junto da imagem de Nossa Senhora da Conceição, uma jovem de joelhos, em lágrimas desesperadas rogava:

"– Me ajuda, Santíssima: meu padrasto forçou-me a dormir com ele e agora estou grávida! Como vou dizer isso à mamãe? Livre-me dessa gravidez!"

Fui tomada de compaixão e quis muito ajudar essa moça. Já estava pensando em como castigar o "patife", quando ouvi uma voz forte e serena:
"– Assim, não, Maria Francelina!"
Há muito tempo ninguém me chamava assim. Virei o rosto e vi uma mulher resplandecente, que continuou:

"– Seus métodos causam sofrimentos ainda maiores e Você aumenta sua coleção de erros! Só o Senhor é Deus e somente à Ele cabe a Justiça Divina. Nada passa desapercebido e cada um é punido ou não, segundo as suas obras!

Você se deixou levar pela Adelaide, que também erra, e agora tu caminhas para uma erradicidade, cuja conseqüência é mais cruel que o seu agressor – que nàquela ocasião estava se defendendo da "sua" agressão. Ele só cometeu homicídio porque Você não soube parar. Ou seja, os dois erraram."

Fiquei muda com essas palavras e, ao mesmo tempo, os apelos da jovem encarnada me causavam aflição; eu queria ajudá-la à todo o custo. A iluminada mulher disse então:
"– Queres ajudar de verdade essa jovem? Arrependa-se com sinceridade, pare de vagar entre os encarnados e reconheça Deus como O único infinitamente Bom e Justo."

Aquela presença emanava uma energia que me fez eu dobrar os joelhos e instintivamente dizer:
"– Deus! Perdoe-me se errei. Me ajude a poder ajudar essa moça e tantas quantas eu puder... do jeito certo!"
Ela me envolveu em seu manto azulado, fazendo eu perder os sentidos.

A AURORA DE UM NOVO DIA

Despertei no Hospital, já da minha Colônia, aguardada pela minha mãe que há muito não tinha notícias, tão obcecada estava em querer justiça. Já haviam se passado dezenas de anos desde a minha desencarnação. Nos abraçamos emocionadas! Eu estava envergonhada e arrependida: não deveria abandonar meu lar para me entregar ao pecado. Deveria ter dado apoio à minha mãe, para suportar seus dias.

Quando despertei, haviam se passado meses, porque o meu Perispírito (o corpo do espírito) havia se deformado sem eu perceber, por causa do tempo em que fiquei vagando e vampirizando, além de obsediar, absorvendo assim grande quantidade de energias nocivas. Tudo isso eu soube pelo Mentor, que me visitou logo após a mamãe.

No dia de minha alta do Hospital, mamãe veio me buscar para morar com ela e outros familiares que eu não conhecia. O caminhar pelas ruas claras, largas, cheias de flores, árvores e pássaros, dava para sentir o ar leve e perfumado, emanando uma energia e sensação tão agradáveis que fazia meu espírito sentir a vontade de progredir, aprender, ser muito útil e evoluir para ajudar, o mais rápido possível.

A reintegração no Mundo dos Espíritos foi rápida porque, de maneira torpe, eu já havia aprendido algumas coisas. Só não havia visto as maravilhas da cidade espiritual, assim como os Planos inferiores com a ótica certa. E foi somente no Curso Aprendendo sobre a Espiritualidade que eu pude medir o tamanho dos meus erros. Vim a saber que eu vagava entre uma "Porto Alegre umbralina" e a cidade física; por isso tive a impressão de nunca ter estado no Umbral.

Consegui o perdão de Bicudo, por tê-lo obsediado, como ele também pediu-me perdão pelo seu crime (nos reconciliamos). Haverá ainda uma reencarnação juntos para a perfeita correção de erros e ajustes: mas aí estaremos melhor preparados pela Espiritualidade para ter êxito – eis a Bondade de Deus! A jovem que me suplicava foi auxiliada pela "Senhora Iluminada": fortemente intuida a não abortar, foi aproximado dela alguém que realmente a amou e passou a cuidá-la, aceitou o filho como seu e ainda teve outros com ela.

O UMBRAL NÚ E CRUEL

Aprendi amplamente as Leis Divinas e, através de excursões, estive várias vezes no Umbral, onde eu pude ver com tristeza o que acontece realmente com os "vingadores", como eu fui:

No início são bajulados por desencarnados, de espíritos mais experientes, gozam de algumas regalias mas, aos poucos, vão se tornando escravos. Passam a serem obrigados a obsediar "pessoas" estranhas e escolhidas por eles, persuadindo e influenciando sobre reencarnados frágeis, como idosos, pessoas inocentes e indefesas, inclusive nos mundos mais atrasados. Vidas que são abençoadas pelo esquecimento, para uma nova chance, mas que os trevosos não perdoam.

Os que começam a recusar as obsessões, porque o remorso causa dor e a deformação do Perispírito, são severamente castigados nas masmorras do Umbral. Alguns sucumbem e retornam ao erro. Outros ficam prisioneiros e são torturados constantemente. Os poucos que resistem, sofrem mutilações e amputações até perderem os sentidos; depois são levados para os abismos profundos e acorrentados em paredões à pique, abandonados à própria sorte em escuridão total.

Os espíritos nessa situação já estarão deformados pelas torturas, pelo desgaste do Perispírito e pelo remorso; estarão na mais profunda miséria espiritual, sem condições de raciocínio e raro são os que conseguirão falar, porque a grande maioria apenas murmuram lamentos, gemem, uivam e choram. Podem ficar nessa situação por muito tempo, dependendo da resistência de cada um.

Se não for reincidente, em algum momento será resgatado e terá chance de se corrigir. Se for reincidente, estará sujeito às reencarnações compulsórias (involuntárias) e até mesmo em mundos mais primitivos.

CONCLUSÃO

Para tudo existe uma conseqüência e nada é a toa ou ao acaso. Se eu agredi, foi porque eu fui agredida no passado; se eu fui morta, foi porque eu também matei. É através do perdão e da reconciliação que este ciclo é quebrado, ficando incutido em nós, em futura reencarnação reconciliatória, o Espírito Fraterno.

Consegui resgatar Adelaide e ela, após aprendizados e doutrinação, perdoou alguns de seus agressores, porque outros ainda vivem nas Regiões Baixas do Umbral e não têm acesso. Trabalhamos juntas novamente, agora do jeito certo! Socorremos mulheres maltratadas, na medida do possível, tanto as encarnadas como as que desencarnam por isso. Também participamos de muitas missões no Umbral e na Terra.

Hoje não faz diferença se me chamam de "Maria Degolada" nas súplicas, como também não quis saber de quem me resgatou enquanto eu vagava: se foi uma Divina Socorrista ou... Maria da Conceição!

*****

CONSIDERAÇÕES

– Relato espontâneo em Sessão Mediúnica, de 2017.

– Nomes foram liberados por não haver mais nenhum familiar ou descendente encarnado.

– Maria Francelina Trenes (Alemanha, 1878 – Porto Alegre, 12 de novembro de 1899), mais conhecida como "Maria Degolada", é uma figura do folclore de Porto Alegre, no Brasil e centro de um culto popular. O que consta nos autos do processo judicial, subseqüente ao seu assassinato, é que tinha origem alemã e ganhava a vida como prostituta.

Declara-se que em 12 de novembro de 1899, um domingo, ela e o namorado, um soldado da Brigada Militar, chamado Bruno Soares Bicudo, estavam fazendo um piquenique com amigos no Morro do Hospício (bairro Partenon, Porto Alegre). À certa altura, o casal se afastou dos outros e começou a discutir. Maria atacou o namorado com um pedaço de lenha e depois com um cano de ferro, após o que ele a matou cortando seu pescoço com uma faca. Disso vem seu apelido.

O assassinato ganhou grande destaque na imprensa e pela sua brutalidade causou horror na população. O soldado foi preso e condenado. Circularam várias versões sobre o caso e logo os locais passaram a venerá-la. No local onde foi morta ergueu-se uma pequena capela em sua homenagem, identificando-a com "Nossa Senhora da Conceição" e, por isso, sendo também chamada de Maria da Conceição – mas que não deve ser confundida com Maria Mãe de Jesus, que em Portugal foi denominada como "Maria da Concepção", por conceber à luz o Menino Jesus, sem alterar a virgindade. A localidade, então, foi rebatizada de "Vila da Conceição", a maior favela de Porto Alegre da época.

A passagem de prostituta à santa não é inédita na tradição católica e, segundo o antropólogo José Carlos Pereira, "ela faz parte do grupo das chamadas 'santas de cemitério' que corresponde, na maioria dos casos, à alguém que sofreu morte violenta, seja por acidente, assassinato ou tortura seguida de morte". Para a historiadora Sandra Pesavento, "ao ser morta, ela até pode virar 'santa' pois é vítima, e era - a 'loura' - mártir de um mestiço analfabeto e mal encarado, personificando o drama de uma realidade de excluídos da qual ambos faziam parte... em uma Porto Alegre muito violenta".

A transformação para 'santa' foi facilitada pela crença de muitos populares, de que ela na verdade não era uma prostituta, mas uma moça de boa família. Seus devotos a consideram uma santa milagrosa.

O folclore que a cercou desde o início, continuou em desenvolvimento, e novas versões sobre seu assassinato continuaram a surgir, acrescentando muitos detalhes fantasiosos sobre sua vida. Ao mesmo tempo, sendo morta por um policial, ela se tornou um símbolo de resistência contra a exclusão social e a opressão do poder público, numa comunidade pobre que se autodefine como "periférica" e "marginal".

O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul lançou uma publicação sobre a personagem: "Maria Degolada: mito ou realidade" (1998). Foi tema de um livro de Hércules Grecco, intitulado "Maria Degolada" (2002), adaptado como peça de teatro, e de outro, escrito por Caio Ritter para o público infantil: "Maria Degolada: santa assombrada" (2010). Também foi tema de músicas e de um cordel escrito por Gilbamar de Oliveira. Em 2012 a sua capela foi reconhecida como patrimônio da comunidade.

*****
Fonte: Psicografia de acervo – FERGS – Federação Espírita do Rio Grande do Sul – Porto Alegre-RS – Autora: Maria Elizabeth Barbieri, advogada, escritora, espírita, psicógrafa e filiada à esta Instituição – Fotos: Instituto Histórico do RS.MARIA DEGOLADA
(História Psicografada)

"Um dos primeiros feminicídios registrados: mais de um século do sofrimento e ascensão, de um Espírito perturbado".

(Psicografado por Maria Elizabeth Barbieri)

PELO ESPÍRITO FRANCELINA:

Nasci na Alemanha de 1878, justamente quando o país iniciava trabalhos com a Suíça e o Brasil, e meus pais foram incluídos nesse último. Fomos para o Sul, onde a capital dos gaúchos se recuperava dos episódios "Farroupilha", e que prosperava rapidamente. Eu já era mocinha, quando percebia constantes conflitos entre os meus pais. Fiquei sabendo aos poucos, que fôra um casamento arranjado, não por riquezas mas por dívidas entre seus pais (meus avôs); não havia, portanto, amor ou sentimentos.

Brigas cada vez mais constantes me fizeram, aos poucos, abandonar o lar e ir para as ruas. Não demorou muito para me tornar uma prostituta formosa, por eu ser loira e a grande maioria dessas mulheres, nessa época, serem de aparência oposta. Despertava inveja e ciúmes, mas eu as tratava bem e era indiferente à isso.

PORTO ALEGRE, 1898

Morávamos juntas na única e pequena favela existente, no Morro do Hospício, próximo ao Hospital Psiquiátrico São Pedro, hoje Bairro Partenon. Nàquela época o bonde puxado por mulas favorecia as idas e vindas do Centro da cidade, onde haviam pontos de prostituição. Nos arredores da favela também tinha um grande contingente de policiais militares, pois o quartel ficava nas proximidades.

Numa noite, quando percebemos que não haveria "movimento", resolvemos voltar pra casa no último bonde. Foi aí que eu conheci o soldado-policial Bicudo, que me cortejou mesmo sabendo quem eu era. Rapidamente nos envolvemos e ele resolveu me tirar das ruas. Me tornei fiel e nos amávamos, mas infelizmente não conseguimos sair da favela, que apesar de ter ainda grandes áreas verdes, prosperava, assim como as fofocas e as mentiras.

Passou-se 12 meses que morávamos juntos e eu estava com 21 anos. Muitas expectativas e sonhos para o próximo ano de 1900, era ápice de todas as conversas. Numa tarde de domingo, de um verão que se aproximava, Bicudo e seus colegas combinaram um piquenique com as namoradas e esposas, sob uma grande árvore que havia próxima à favela, no alto do morro, em brisa agradável e onde ainda não havia nenhuma casa. Conversas insinuantes fizeram constranger Bicudo e ele, revoltado, me retirou do meio e, mais afastado deles, resolveu terminar tudo e me mandava sair da casa que era dele.

Sentindo-me injustiçada e revoltando-me pela possibilidade de ter que retornar à vida antiga, fui tomada por grande ódio e parti pra cima dele com um pedaço de lenha. Ele se defendeu, me empurrando com força, fazendo eu cair. No chão, vendo um cano de ferro solto, me armei e ataquei de novo, chegando a feri-lo. Bicudo conseguiu me dominar e, prendendo os meus braços, usou de uma grande faca para cortar o meu pescoço, fazendo eu perder os sentidos.

VINGANÇAS

Recobrei os sentidos, como se eu viesse de um desmaio e tentei agredir de novo, mas alguma coisa estava estranha: não conseguia atingí-lo, parecia transpassá-lo. Gargalhadas ao meu redor surgiram e um peso descomunal no ar fez eu cair em sono profundo.

Não sei quanto tempo se passou quando eu despertei. Estava no mesmo local e era noite. Levantei-me, estava toda suja de terra e de sangue. Havia um grande número de pessoas, estranhas às que eu conhecia na Vila, e meus olhos se embaralhavam, vendo alguns nítidos e outros não. Lembrei da briga e queria vingança, mas comecei a sentir outras coisas: fome, sede e muita dor no pescoço, onde parecia ter um grande corte.

Uma mulher, aparentando uns 40 anos, que me observava, se aproximou e disse-me:
"– Assim você não vai longe! Deixa eu ver essa ferida. Pense em ficar boa!"
Ela inspirava certa confiança e fiz como sugeriu. Exclamei, passando minha mão no pescoço:
"– Puxa!!! Passou a dor... e o corte sumiu! Obrigada!"
"– Espere! Vamos dar jeito nessa roupa!" – disse ela.
Passando a mão, de cima à baixo, fez a roupa ficar limpa. Perguntei espantada:
"– Como fez isso?"
"– Essas coisas aprendemos com o tempo, juntamente com outros truques que só os mortos podem fazer!"
"– Mortos???"
"– Sim, querida, mortos... Você morreu, como eu! Me chamo Adelaide."
"– Meu nome é Maria Francelina!"
"– Humm, complicado! Acho que você agora é "Maria Degolada", como todos já a chamam!"

"– Todos??? Então "todos" já sabem?"
"– Quanto tempo você acha que passou?" – perguntou sarcásticamente Adelaide.
"– Pra mim, foi ontem!" – respondi e ela retrucou entre gargalhadas:
"– Fazem meses! É mais uma coisa que precisa aprender. Mas antes de tudo, se ainda quiser se vingar, venha comigo. Precisa se alimentar!"

Ela pegou minha mão e, num piscar de olhos, estávamos no centro da cidade, próximo à um bar, com pessoas nítidas comendo e um grande número de pessoas "não-nítidas" ao redor. Ela parecia impor respeito. Me botou ao lado de um que estava comendo e disse:
"– Toque nele e puxe o ar!"
Senti como se estivesse comendo. E completou:
"– Faça o mesmo, quando ele beber!"

Senti-me aliviada, confortada e depois eu comentei com Adelaide:
"– É noite ainda!"
"– É sempre noite! Faz tempo que eu não vejo o sol." – respondeu ela.
"– Obrigada por me ajudar! Eu queria saber mais!"
"– Te ensinarei umas coisinhas!" – afirmou Adelaide.

Assim eu tomei consciência da situação: "encarnados e desencarnados" eram as expressões. Os que perdoavam seus agressores e "iam" para o mundo dos Bons e os que não perdoavam e traçavam suas vinganças, ficando por aqui.

Aprendi a me deslocar, mas somente para lugares que eu conhecia, ou sabia que existia. Até achei que eu podia conhecer assim a Alemanha de meus pais. Mas isso não estava na minha mente; então não haveria força mental para isso (é assim que funciona). Também aprendi a influenciar, a ler pensamentos – mas isso só era possível com algumas pessoas, não todas.

Soube que Adelaide aprendeu tudo com desencarnados do Umbral e várias vezes ela esteve lá. Eu até queria conhecer, mas o meu instinto não deixava me afastar da Terra. Um dia perguntei à Adelaide sobre porque estava sempre me ajudando? Então me respondeu:
"– No dia do crime eu estava perto de você. Vi pelos seus pensamentos que estava sendo injustiçada e, por isso, resolvi lhe ajudar."

E ela contou a sua história:
"– Há muito tempo atrás eu vivia no centro desta cidade, casada e com filhos. Tudo ia bem, até quando começaram rumores de uma revolução. Numa tarde um rapaz passou correndo à cavalo, gritando: "os Farrapos estão vindo!". Todos se trancaram em suas casas, mas aos poucos e ao longe, ouvíamos gritos de mulheres e homens, tiros e a aproximação de grupos em grande baderna.

A frágil porta de nossa casa foi facilmente quebrada pelas armas de ferro e, sem pensar, mataram meu marido, meus filhos ainda pequenos e me arrastaram para o meu quarto, onde seis homens que invadiram nosso lar me estupraram como animais. Somente quando viram os meus órgãos em intensa hemorragia pararam para me dar um tiro no peito. Certamente que eles saquearam a casa."

Eu fiquei em lágrimas, Adelaide deu uma pausa e continuou:
"– Cheguei a 'acordar' num hospital dos Bons, mas repudiei à todo custo a possibilidade de perdoar. Minha vontade e sede de justiça fez-me levantar e me retirar dali. Fiquei sabendo também que muitas mulheres passaram o mesmo, pelos mesmos homens e outros do mesmo grupo. Então decidimos persegui-los até nos vingarmos."
"– E deu certo?"

"– Sim. Tivemos ajuda de outros desencarnados, de Vales distantes, que nos ensinaram vários truques para vencer àqueles bandidos. Eles perderam a batalha, se renderam e foram condenados. Uns se mataram e outros mataram uns aos outros. Assistimos à tudo com prazer. Nossos amigos do Umbral "trataram" do resto".

"– E agora?" – perguntei curiosa.
"– Ajudamos mulheres que também são maltratadas! Você precisa ver quantas!"
"– Suponho que você vê seus filhos e o seu marido?"
"– Ainda não! Dizem que estamos em Planos diferentes!" – respondeu Adelaide.
"– E você não quer ir para os Planos deles?"
"– Soube que tem um momento certo pra isso e ele ainda não aconteceu! Até lá, vou ajudando as desencarnadas como posso."

Achei Bicudo na prisão; ele havia sido preso e condenado imediatamente após o crime. Estava enlouquecendo e foi fácil atormentá-lo. Acabei me acostumando com o apelido de "Maria Degolada" e várias vezes auxiliei Adelaide em seus trabalhos. Quando Bicudo desencarnou eu não consegui vê-lo.

MARIA DA CONCEIÇÃO

O tempo passou e, certa vez, ouvi alguém chamar em minha mente: "– Maria da Conceição!". Não entendi, mas aquela força de chamado me atraiu. Fazia tempo que eu não ia na favela e me surpreendi: no local onde eu fui assassinada ergueram uma gruta, dedicando à mim e me associando à Virgem Maria. E junto da imagem de Nossa Senhora da Conceição, uma jovem de joelhos, em lágrimas desesperadas rogava:

"– Me ajuda, Santíssima: meu padrasto forçou-me a dormir com ele e agora estou grávida! Como vou dizer isso à mamãe? Livre-me dessa gravidez!"

Fui tomada de compaixão e quis muito ajudar essa moça. Já estava pensando em como castigar o "patife", quando ouvi uma voz forte e serena:
"– Assim, não, Maria Francelina!"
Há muito tempo ninguém me chamava assim. Virei o rosto e vi uma mulher resplandecente, que continuou:

"– Seus métodos causam sofrimentos ainda maiores e Você aumenta sua coleção de erros! Só o Senhor é Deus e somente à Ele cabe a Justiça Divina. Nada passa desapercebido e cada um é punido ou não, segundo as suas obras!

Você se deixou levar pela Adelaide, que também erra, e agora tu caminhas para uma erradicidade, cuja conseqüência é mais cruel que o seu agressor – que nàquela ocasião estava se defendendo da "sua" agressão. Ele só cometeu homicídio porque Você não soube parar. Ou seja, os dois erraram."

Fiquei muda com essas palavras e, ao mesmo tempo, os apelos da jovem encarnada me causavam aflição; eu queria ajudá-la à todo o custo. A iluminada mulher disse então:
"– Queres ajudar de verdade essa jovem? Arrependa-se com sinceridade, pare de vagar entre os encarnados e reconheça Deus como O único infinitamente Bom e Justo."

Aquela presença emanava uma energia que me fez eu dobrar os joelhos e instintivamente dizer:
"– Deus! Perdoe-me se errei. Me ajude a poder ajudar essa moça e tantas quantas eu puder... do jeito certo!"
Ela me envolveu em seu manto azulado, fazendo eu perder os sentidos.

A AURORA DE UM NOVO DIA

Despertei no Hospital, já da minha Colônia, aguardada pela minha mãe que há muito não tinha notícias, tão obcecada estava em querer justiça. Já haviam se passado dezenas de anos desde a minha desencarnação. Nos abraçamos emocionadas! Eu estava envergonhada e arrependida: não deveria abandonar meu lar para me entregar ao pecado. Deveria ter dado apoio à minha mãe, para suportar seus dias.

Quando despertei, haviam se passado meses, porque o meu Perispírito (o corpo do espírito) havia se deformado sem eu perceber, por causa do tempo em que fiquei vagando e vampirizando, além de obsediar, absorvendo assim grande quantidade de energias nocivas. Tudo isso eu soube pelo Mentor, que me visitou logo após a mamãe.

No dia de minha alta do Hospital, mamãe veio me buscar para morar com ela e outros familiares que eu não conhecia. O caminhar pelas ruas claras, largas, cheias de flores, árvores e pássaros, dava para sentir o ar leve e perfumado, emanando uma energia e sensação tão agradáveis que fazia meu espírito sentir a vontade de progredir, aprender, ser muito útil e evoluir para ajudar, o mais rápido possível.

A reintegração no Mundo dos Espíritos foi rápida porque, de maneira torpe, eu já havia aprendido algumas coisas. Só não havia visto as maravilhas da cidade espiritual, assim como os Planos inferiores com a ótica certa. E foi somente no Curso Aprendendo sobre a Espiritualidade que eu pude medir o tamanho dos meus erros. Vim a saber que eu vagava entre uma "Porto Alegre umbralina" e a cidade física; por isso tive a impressão de nunca ter estado no Umbral.

Consegui o perdão de Bicudo, por tê-lo obsediado, como ele também pediu-me perdão pelo seu crime (nos reconciliamos). Haverá ainda uma reencarnação juntos para a perfeita correção de erros e ajustes: mas aí estaremos melhor preparados pela Espiritualidade para ter êxito – eis a Bondade de Deus! A jovem que me suplicava foi auxiliada pela "Senhora Iluminada": fortemente intuida a não abortar, foi aproximado dela alguém que realmente a amou e passou a cuidá-la, aceitou o filho como seu e ainda teve outros com ela.

O UMBRAL NÚ E CRUEL

Aprendi amplamente as Leis Divinas e, através de excursões, estive várias vezes no Umbral, onde eu pude ver com tristeza o que acontece realmente com os "vingadores", como eu fui:

No início são bajulados por desencarnados, de espíritos mais experientes, gozam de algumas regalias mas, aos poucos, vão se tornando escravos. Passam a serem obrigados a obsediar "pessoas" estranhas e escolhidas por eles, persuadindo e influenciando sobre reencarnados frágeis, como idosos, pessoas inocentes e indefesas, inclusive nos mundos mais atrasados. Vidas que são abençoadas pelo esquecimento, para uma nova chance, mas que os trevosos não perdoam.

Os que começam a recusar as obsessões, porque o remorso causa dor e a deformação do Perispírito, são severamente castigados nas masmorras do Umbral. Alguns sucumbem e retornam ao erro. Outros ficam prisioneiros e são torturados constantemente. Os poucos que resistem, sofrem mutilações e amputações até perderem os sentidos; depois são levados para os abismos profundos e acorrentados em paredões à pique, abandonados à própria sorte em escuridão total.

Os espíritos nessa situação já estarão deformados pelas torturas, pelo desgaste do Perispírito e pelo remorso; estarão na mais profunda miséria espiritual, sem condições de raciocínio e raro são os que conseguirão falar, porque a grande maioria apenas murmuram lamentos, gemem, uivam e choram. Podem ficar nessa situação por muito tempo, dependendo da resistência de cada um.

Se não for reincidente, em algum momento será resgatado e terá chance de se corrigir. Se for reincidente, estará sujeito às reencarnações compulsórias (involuntárias) e até mesmo em mundos mais primitivos.

CONCLUSÃO

Para tudo existe uma conseqüência e nada é a toa ou ao acaso. Se eu agredi, foi porque eu fui agredida no passado; se eu fui morta, foi porque eu também matei. É através do perdão e da reconciliação que este ciclo é quebrado, ficando incutido em nós, em futura reencarnação reconciliatória, o Espírito Fraterno.

Consegui resgatar Adelaide e ela, após aprendizados e doutrinação, perdoou alguns de seus agressores, porque outros ainda vivem nas Regiões Baixas do Umbral e não têm acesso. Trabalhamos juntas novamente, agora do jeito certo! Socorremos mulheres maltratadas, na medida do possível, tanto as encarnadas como as que desencarnam por isso. Também participamos de muitas missões no Umbral e na Terra.

Hoje não faz diferença se me chamam de "Maria Degolada" nas súplicas, como também não quis saber de quem me resgatou enquanto eu vagava: se foi uma Divina Socorrista ou... Maria da Conceição!

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CONSIDERAÇÕES

– Relato espontâneo em Sessão Mediúnica, de 2017.

– Nomes foram liberados por não haver mais nenhum familiar ou descendente encarnado.

– Maria Francelina Trenes (Alemanha, 1878 – Porto Alegre, 12 de novembro de 1899), mais conhecida como "Maria Degolada", é uma figura do folclore de Porto Alegre, no Brasil e centro de um culto popular. O que consta nos autos do processo judicial, subseqüente ao seu assassinato, é que tinha origem alemã e ganhava a vida como prostituta.

Declara-se que em 12 de novembro de 1899, um domingo, ela e o namorado, um soldado da Brigada Militar, chamado Bruno Soares Bicudo, estavam fazendo um piquenique com amigos no Morro do Hospício (bairro Partenon, Porto Alegre). À certa altura, o casal se afastou dos outros e começou a discutir. Maria atacou o namorado com um pedaço de lenha e depois com um cano de ferro, após o que ele a matou cortando seu pescoço com uma faca. Disso vem seu apelido.

O assassinato ganhou grande destaque na imprensa e pela sua brutalidade causou horror na população. O soldado foi preso e condenado. Circularam várias versões sobre o caso e logo os locais passaram a venerá-la. No local onde foi morta ergueu-se uma pequena capela em sua homenagem, identificando-a com "Nossa Senhora da Conceição" e, por isso, sendo também chamada de Maria da Conceição – mas que não deve ser confundida com Maria Mãe de Jesus, que em Portugal foi denominada como "Maria da Concepção", por conceber à luz o Menino Jesus, sem alterar a virgindade. A localidade, então, foi rebatizada de "Vila da Conceição", a maior favela de Porto Alegre da época.

A passagem de prostituta à santa não é inédita na tradição católica e, segundo o antropólogo José Carlos Pereira, "ela faz parte do grupo das chamadas 'santas de cemitério' que corresponde, na maioria dos casos, à alguém que sofreu morte violenta, seja por acidente, assassinato ou tortura seguida de morte". Para a historiadora Sandra Pesavento, "ao ser morta, ela até pode virar 'santa' pois é vítima, e era - a 'loura' - mártir de um mestiço analfabeto e mal encarado, personificando o drama de uma realidade de excluídos da qual ambos faziam parte... em uma Porto Alegre muito violenta".

A transformação para 'santa' foi facilitada pela crença de muitos populares, de que ela na verdade não era uma prostituta, mas uma moça de boa família. Seus devotos a consideram uma santa milagrosa.

O folclore que a cercou desde o início, continuou em desenvolvimento, e novas versões sobre seu assassinato continuaram a surgir, acrescentando muitos detalhes fantasiosos sobre sua vida. Ao mesmo tempo, sendo morta por um policial, ela se tornou um símbolo de resistência contra a exclusão social e a opressão do poder público, numa comunidade pobre que se autodefine como "periférica" e "marginal".

O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul lançou uma publicação sobre a personagem: "Maria Degolada: mito ou realidade" (1998). Foi tema de um livro de Hércules Grecco, intitulado "Maria Degolada" (2002), adaptado como peça de teatro, e de outro, escrito por Caio Ritter para o público infantil: "Maria Degolada: santa assombrada" (2010). Também foi tema de músicas e de um cordel escrito por Gilbamar de Oliveira. Em 2012 a sua capela foi reconhecida como patrimônio da comunidade.

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Fonte: Psicografia de acervo – FERGS – Federação Espírita do Rio Grande do Sul – Porto Alegre-RS – Autora: Maria Elizabeth Barbieri, advogada, escritora, espírita, psicógrafa e filiada à esta Instituição – Fotos: Instituto Histórico do RS.