sexta-feira, 29 de outubro de 2021

"GIRA DE PRETO VELHO" NO TERREIRO

 

 "GIRA DE PRETO VELHO" NO TERREIRO


Nenhuma descrição de foto disponível.Firma o ponto, minha gente Preto velho vai chegar Ele vem de Aruanda Ele vem pra trabalhar ...

Era dia de "gira de preto velho" naquele terreiro. Enquanto os consulentes chegavam ansiosos e esperançosos para levar a "solução" dos problemas que atrapalhavam suas vidas, na frente do congá os médiuns, vestidos de branco e com os pés descalços, concentravam-se, ligandose aos seus guias e protetores.
O ambiente denotava simplicidade e era mobiliado apenas por algumas cadeiras para acomodar os consulentes, outras poucas banquetas para os médiuns, os quais serviriam de "aparelhos" às entidades espirituais, e o congá, onde um vaso de flores, outro de ervas e os elementos ar, fogo, água e terra, se faziam presentes. Sobre ele, havia ainda uma imagem de Jesus, resplandecente de luz.
Iniciando a sessão por meio de pontos cantados e orações, após uma leitura espiritualista elucidativa, iniciavam-se as incorporações de maneira moderada. Do lado astral, as falanges de trabalhadores já haviam chegado muito tempo antes dos médiuns e preparado o ambiente fluidicamente. Uma varredura energética havia sido feita pelos elementais, em que primeiramente atuaram as salamandras e, depois, as sereias e ondinas, fazendo toda a matéria astralina densa que ali se encontrava ser transmutada, permitindo a chegada dos espíritos trabalhadores.
Na porta do ambiente, junto à firmação de ponto riscado e com a presença do elemento fogo, postava-se o guardião da casa, exu Gira Mundo, impondo respeito e segurança. Num raio de trezentos e sessenta graus ao redor da construção, uma guarnição dos caboclos da egrégora de Ogum formava verdadeira muralha armada, impedindo a invasão de seres indesejáveis ao bom andamento do trabalho da noite.
A construção toda, no invisível, estava no interior de imensa pirâmide iluminada na cor violeta, com grande e grossa placa de aço imantado na parte inferior, impedindo que o excesso de energia telúrica desequilibrasse a polaridade positiva que era captada pelos sete anéis giratórios que ladeavam a pirâmide, representando as sete linhas da umbanda.
Cada um desses anéis destacava-se na cor fluídica de seu orixá, e todos emitiam um harmonioso som diferenciado. Cada um dos consulentes que adentrava o ambiente passava primeiro pela defumação posta perto da porta, em cumbuca de barro, que exalava o cheiro das ervas perfumadas, incineradas pelo carvão vegetal. Equipes de limpeza se movimentavam no plano espiritual, recolhendo as larvas astrais e outras espécies de energias deletérias que ali eram desagregadas dos corpos dos consulentes, as quais não eram totalmente absorvidas pelo carvão ou transmutadas pelo elemento fogo.
Em alvíssimas vestes, os amados pais e mães, com sua roupagem fluídica de pretos velhos, trazendo a alegria mesclada em sua energia, tomavam conta de seus "aparelhos", atuando em seus chacras básicos, obrigando-os a dobrar as costas à semelhança de velhos arqueados, incentivandoos ao trabalho fraterno.
E assim, de consulente em consulente, de caso em caso, com a paciência e sabedoria que lhes é peculiar, entre uma baforada e outra de palheiro, ou alguma espanada com o galho de ervas na aura daqueles filhos, os bondosos espíritos cumpriam sua missão. Eram conselhos, corrigendas, desmanche de magia negra, de elementares artificiais negativos, limpeza e equilíbrio dos corpos sutis, retirada de aparelhos parasitas e, às vezes, alguns puxões de orelha necessários, em forma de alerta. Tudo de acordo com o merecimento do consulente, pois cada um levava consigo a amostragem de sua "ficha cármica", onde estavam impressos o que a Lei permitia ser mudado, bem como o que ainda era necessário permanecer com eles.
Vó Benta, espírito portador de grande sabedoria e humildade, apresentando-se naquele local com o corpo astral de negra velha de pequena estatura, com roupas simples e alvas, cuja saia comprida e larga era coberta por um avental, com um bolso recheado de ervas e patuás, tinha uma maneira simplista e diplomática de fazer os filhos entenderem que eles próprios eram seus médicos curadores:
- Minha mãe, acho que estou sendo vítima de "trabalho feito" por minha ex-mulher. Sorrindo e com linguagem peculiar, ela segurava com firmeza as mãos do moço, passando-lhe com isso confiança, e, com a voz recheada de afeto, respondia: - Negra velha vai explicar para que o filho entenda. Quando sua casa está totalmente fechada, fica escura, e nada pode entrar; às vezes nem a poeira, não é isso? Quando o filho abre as janelas e portas, a luz do Sol entra invadindo todos os cantos, mas podem entrar também moscas, baratas, formigas e até ladrões, não é? Para a sujeira e os bichos, o filho pode usar a vassoura, para os ladrões, a lei, a segurança, e para a luz do Sol? Ah, esta, filho, fica ali iluminando até que o filho feche toda a casa outra vez! Assim também é a nossa casa interna; quando nos fechamos para a vida, para o trabalho, ficamos no escuro e, ao nos abrirmos, deixamos a luz entrar, mas ficamos sujeitos a todas as outras energias que pululam ao nosso redor. Mas como acontece na casa material, onde não houver os atrativos da sujeira e do lixo, os insetos não se aproximam. Assim, se estivermos equilibrados, sem raiva, mágoa, ciúmes, vícios, ou seja, todos esses lixos que os filhos buscam na matéria, nada nem ninguém consegue afetar nossa energia, nossa vida. Só o Sol permanece no coração de quem procura manter-se limpo. Negra velha sabe que esse mundão está de cabeça para baixo. No lado material, os filhos andam desarvorados pela dificuldade de sustento de suas famílias, quando não em busca de supérfluos. Mas, mesmo assim, é preciso lembrar aos filhos que, embora estejam na matéria e sujeitos a ela, a vida real está no espírito imortal. É preciso dar mais atenção, senão prioridade, à essência, em detrimento do restante, para que possa haver o equilíbrio dos elementos inerentes à vida, em sua totalidade. O mal que é enviado aos filhos só vai se instalar se encontrar, no endereço vibratório, ambiente adequado; sem contar que o medo é porta aberta e atrativo para a entrada do desequilíbrio. É sentimento muito usado pelas energias da esquerda, uma vez que fragiliza o corpo emocional, facilitando sua atuação mórbida. Por outro lado, negra velha pergunta para o filho: "Se a desordem não houvesse se instalado, por acaso o filho estaria aqui, sentado no chão, em frente à preta velha, buscando humildemente ajuda espiritual?". Nem sempre o que nos parece mal é tão prejudicial assim. Pode ser o remédio adequado para o momento, ou talvez a estremecida necessária no corpo astral dos filhos, para que a ordem possa se reinstalar. AB trevas, meu filho, estão vinte e quatro horas de plantão. E os filhos, acaso estão? Não adianta orar e não vigiar, pois o pensamento é energia, e com ele nos adequamos ao campo energético que quisermos. Antes da hora grande[1] as falanges da egrégora dos pretos velhos se despediram de seus aparelhos (alguns precisaram largar e desfazer a vestimenta astral usada para que pudessem chegar até os aparelhos mediúnicos), e voltaram para as bandas de Aruanda, onde continuariam suas atividades no mundo astral, pois, como diz Vó Benta: "Se pensam que morrer é dormir e descansar, os filhos estão muito enganados. Desse lado tem muito trabalho, e, como nem o Pai está imóvel, quem somos nós, cuja ficha cármica demonstra vasto débito, para nos aposentar?" .

[1] Meia-noite.

Então, as velas apagaram, os elementos voltaram a integrar a natureza, os elementais, [2] após limparem o ambiente, retornaram aos seus devidos reinos, os elementares[3] foram desagregados pela força e sabedoria dos pretos velhos, e os médiuns voltaram aos seus lares com a sensação de paz que só é sentida por aqueles que cumprem os seus deveres.

[2] Espíritos da natureza (silfos e sílfides, salamandras, ondinas etc.). [3] Formas-pensamento, via de regra indesejáveis, produzidas pelas mentes encarnadas e desencarnadas.

Preto velho já foi, Já foi pra Aruanda, A bênção, meu Pai! Saravá pra sua banda!

RAMATÍS - A MISSÃO DA UMBANDA
NORBERTO PEIXOTO