segunda-feira, 18 de julho de 2022

Shambala ―A Resplandescente

 

Shambala ―A Resplandescente



Nicholas Roerich In

― Lama! Fala-me de Shambahla!

― Vocês, os ocidentais, não sabem nada de Shambahla e nem desejam saber nada. Provavelmente perguntou por mera curiosidade e, assim, pronuncia esta palavra sagrada em vão.

― Lama, não pergunto acerca de Shambala sem um objetivo. Em todo o mundo as pessoas conhecem este grande símbolo sob diferentes denominações. Nossos cientistas buscam qualquer indício deste reino notável. Csoma de Koros sabia algo sobre Shambhala [Shambala] quando realizou uma prolongada visita aos monastérios budistas. Grunwedel traduziu o livro do famoso Tashi Lama, Pal-den Ye-She, onde referiu-se a Shambala como Ruta. Sentimos que uma grande verdade se oculta nos símbolos secretos. Os cientistas desejam saber tudo sobre o Kalachakra.

― Como pode ser isso, quando os ocidentais profanam nossos templos, fumam dentro de nossos santuários sagrados; não compreendem nem desejam venerar nossos ensinamentos. Ironizam e abusam de símbolos cujo significado não alcançam. Se nós visitamos seus templos nossa conduta será completamente diferente porque o grande Bodhisattva de vocês, Issa [Jesus], é verdadeiramente eminente. E nenhum de nós difamaria os ensinamentos de misericórdia e justiça.

― Lama, somente os muitos ignorantes ridicularizam os Ensinamentos. Todos os ensinamentos de justiça são como um lugar sagrado e ninguém em juízo perfeito violará os lugares sagrados. Lama, por quê crês que o Ensinamento essencial do Santo é desconhecido no Ocidente? Por quê crês que no Ocidente nada sabemos de Shambhala? ...

O Lama nos estuda com olhar penetrante:

― A Grande Shambahla está muito além do oceano. É o poderoso domínio celestial. Nada tem com a nossa Terra. Como e por quê vocês, as pessoas da Terra estão interessados nela? Somente em alguns lugares, no longínquo norte, pode-se perceber os raios resplandecentes de Shambahla.

― Lama, conhecemos a grandeza de Shambahla. Conhecemos a realidade deste reino indescritível. Mas também sabemos algo da realidade da Shambahla terrena, como a rota das coisas físicas habituais. Sabemos de um lama que seguiu, acompanhado, através de uma galeria secreta e muito estreita. Sabemos que outro visitante viu uma caravana de habitantes das montanhas nas fronteiras de Shambahla; e mais, nós mesmos vimos um dos três fortes fronteiriços de Shambahla. Deste modo, desejaria, falasse-me, não apenas da Shambahla celestial, mas também da que está na Terra pois sabeis tão bem quanto eu que a Shambahla terrena está conectada com a celestial. E neste vínculo estão unidos dois mundos.

O Lama fica calado, com as pálpebras semi-cerradas, examina nossos rostos e no ocaso da tarde começa seu relato:

― Realmente, é chegado o momento em que o Ensinamento do Santo, uma vez mais, chegará ao sul proveniente do norte. A palavra da Verdade que começou seu grande sendero desde Bodhigaya, regressará, novamente aos mesmos lugares. Devemos aceitar isso; o verdadeiro ensinamento abandonará o Tibet e aparecerá outra vez no sul. E em todos os países se manifestarão as alianças de Buda. Na realidade, grandes coisas estão chegando... É provável que o raio da torre de Rigden Gyeppo yenha chegado a todos os países.

A luz da Torre de Shambahla resplandece como um diamante. ele está ali, Ridgen Gyeppo, infatigável, sempre vigilante pela causa da Humanidade. Seus olhos nunca se fecham e em seu espelho mágico vê todos os acontecimentos da Terra. O poder de seu pensamento pode chegar aos lugares mais distantes. A distância não existe para ele; pode, instantaneamente, oferecer ajuda a todo aquele que está necessitado e se ofereça para servir à causa da justiça. Ele pode até mesmo mudar o carma dos seres humanos.

― Lama, parece-me que falas de Maitreya, não é assim?

― Não devemos pronunciar este mistério! Há muito que não pode ser revelado. Há muito que não pode ser cristalizado em um som. Com o som revelamos nossos pensamentos. Com o som projetamos nosso pensamento no espaço e o resultado pode ser danoso. Porque tudo o que se divulga antes do tempo destinado desencadeia dano incalculável. Pode-se provocar enormes catástrofes com atitudes precipitadas. Se Rigden Gyeppo e o Santo Maitreya são uma só e mesma pessoa para você, que assim seja. Eu não o disse. Incontáveis são os habitantes de Shambahla. Numerosas são as esplêndidas forças e dádivas que ali estão sendo preparadas para a Humanidade...

― Lama, o Vedanta nos disse que brevemente serão entregues à Humanidade novas energias. É verdade?

― Inumeráveis são as grandes coisas predestinadas e preparadas. Através das Sagradas Escrituras sabemos dos ensinamentos do Santo sobre os habitantes de estrelas distantes. Da mesma fonte temos ouvido sobre o pássaro de aço voador... de serpentes de ferro que devoram o espaço com fogo e fumaça. Tahagata, o Santo, predisse tudo isso para o futuro. Sabia que os auxiliares de Ridgen Gyeppo se reencarnariam no devido tempo; que o exército sagrado limparia Lhasa [capital do Tibet] de todos os seus atrozes inimigos; e que se estabeleceria o reino da justiça.

― Lama, se os grandes guerreiros se encarnaram, acaso as atividades de Shambahla não teriam lugar em nossa Terra?

― Em todas as partes; aqui e no céu. Todas as forças benévolas se uniram para destruir a obscuridade. Todos os que prestarem auxílio na Terra serão recompensados cem vezes e nesta mesma Terra, nesta encarnação. Todos os pecadores contra Shambahla perecerão nesta encarnação porque esgotaram a misericórdia.

― Lama, vós conheceis a verdade; diga-me, então, por quê há tantos sacerdotes indignos?

― Certamente, essa não é uma desculpa mas se o Ensinamento deve se deslocar para o sul então não é surpreendente que muitos lamas sábios tenham abandonado o Tibet. No Ocidente, sabem que Pan-chen-rinpoche [Lama Tashi] está em contato com Shambahla?

― Lama, sabemos que Pan-chen-rinpoche é muito estimado em todas as partes, em diferentes países, não somente entre os budistas, mas entre povos de muitas nações, temos notado que falam favoravelmente de Sua Santidade. Dizem que muito antes de sua partida já estavam traçados, em todos os detalhes, suas futuras viagens. Sabe,os que Pan-chen-rinpoche segue os costumes de todos os grandes lamas. Ouvimos falar que ele e seus seguidores escaparam de muitos perigos.

O Lama e o Lago

Sabemos que em uma época, seus perseguidores de Lhasa estavam sobre ele quando uma grande nevasca lhes bloqueou o caminho. Em outro dia, Pan-chen-rinpoche chegou a um lago nas montanhas e se viu com um difícil problema. seus inimigos estavam próximos e, para escapar seria necessário rodear ou transpor o lago. Pan-chen-rinpoche sentou-se a meditar profundamente durante algum tempo. Quando se levantou, deu ordens para que, não obstante o perigo, toda a caravana passasse a noite às margens do lago.

Foi então que aconteceu o extraordinário: durante a noite o lago congelou-se e cobriu-se de neve. Antes do amanhecer, quando ainda estava escuro, o Lama Tashi deu ordens para que sua gente se movesse depressa e cruzou o lago com seus trezentos seguidores, caminhando sobre as águas congeladas, fazendo uma rota mais curta, escapando ao perigo. Quando seus inimigos chegaram ao mesmo lugar o sol estava alto e o calor havia derretido o gelo. Eles teriam de contornar o lago... Não foi assim?

― Verdadeiramente, assim foi. Pan-chen-rinpoche recebeu ajuda da Sagrada Shambahla ao longo de suas viagens. Viu muitos sinais maravilhosos quando cruzou as terras altas do norte.

― Lama, no distante Ulan-Davan vimos um enorme abutre negro que voava baixo próximo ao nosso acampamento. Cruzou em direção a algo resplandecente e belo, que voava ao sul, sobre o acampamento, que brilhava sob os raios do sol.

Os olhos do Lama chisparam. Com ansiedade, perguntou:

― Também sentiste o aroma de incenso no deserto?

― Tens toda razão, Lama, no deserto pedregoso, longe de qualquer lugar habitado, muitos de nós sentimos uma estranha fragrância, um perfume. Aconteceu várias vezes. Nunca sentíramos um perfume tão delicioso. Recordo-me de um certo incenso que um amigo meu me deu uma vez na Índia. Onde o obteve, não sei.

― Ah, estais protegido por Shambahla. O enorme abutre é vosso inimigo, que está ansioso para destruir vosso trabalho mas a força protetora de Shambahla os segue nesta forma radiante de matéria. Esta força está sempre próxima de vós, mas nem sempre podeis percebê-la. Só em certas ocasiões se manifesta para fortalecê-los e dirigi-los. Notaste em que direção se movia a esfera? Deves seguir a mesma direção. Você mencionou a palavra sagrada: Kalagiya! Quando alguém ouve este chamado imperativo, deve saber que o caminho para Shambahla está aberto. Deve recordar o ano em que foi chamado, pois desde este momento e para sempre o Santo Rugden Gyeppo lhe ajudará em tudo. Mas deves saber perceber a forma com que as pessoas recebem ajuda, porque muitas vezes elas rejeitam a ajuda que lhes é enviada.

― Lama, diga-me como Shambahla ajuda as pessoas simples. Temos notícia dos adeptos e dos auxiliares encarnados de Shambahla. Mas de que maneira se manifesta o poder de Shambahla entre os humildes?

― De muitas maneiras diferentes. Aqueles que em encarnações passadas seguiram os ensinamentos e foram úteis para a Causa Comum, recebem ajuda desta causa comum.

Uma História de Shambahla

Não fazem muitos anos, durante a guerra, um homem perguntou a um lama se devia mudar de residência. O lama respondeu que podia ficar no mesmo lugar durante seis meses mas depois estaria em grave perigo e, então, deveria fugir sem delongas. Durante os seis meses que se seguiram o homem teve muito êxito em seu trabalho; tudo estava em paz e suas posses se multiplicaram. Quando os seis meses chegaram ao fim, pensou: "Por quê haveria de arriscar minha propriedade abandonando este lugar tranqüilo? Tudo me parece tão próspero e não existe nenhum perigo aparente. É provável que o lama tenha se equivocado".

Mas o fluido cósmico não se deteve e o perigo predestinado apareceu de repente. As tropas dos inimigos se acercaram do lugar rapidamente vindas de todas as direções. Então, o homem se deu conta que havia perdido sua melhor oportunidade e que, agora, não podia fugir. Se dirigiu apressadamente para ver o mesmo lama e contou o que havia acontecido.

O lama disse que, por certas razões era necessário que se salvasse; mas agora era mais difícil ajudá-lo. "Perdeste a melhor oportunidade, contudo posso fazer algo por você. Amanhã, reúne tua família e segue na direção norte. No caminho encontrará seus inimigos, é inevitável. Quando eles avançarem, afasta-te do caminho e permanece em silêncio. Ainda que se aproximem, ainda que falem contigo, fica calado e imóvel até que tenham se afastado".

E assim sucedeu. O homem com sua família e seus pertences partiu ao amanhecer. De repente no fim da manhã distinguiram as figuras de um grupo armado que se aproximava com toda pressa. Afastaram-se do caminho e permaneceram em silêncio, tensos.

Os salteadores logo se aproximaram e o homem ouviu um deles gritar: ― Aqui estão! Vejo pessoas aqui. Provavelmente há um bom botim [saque] para nós!

Outro respondeu, rindo: ― Amigo, seguramente dormiste mal à noite, posto que não consegues diferenciar pedras de seres humanos...

O primeiro insistiu: ― Mas estou a ver um cavalo!

O outro riu: ― Não creio que chegues longe em cavalo de pedra. Acredita que um cavalo, diante da nossa presença, permaneceria imóvel?

Todos quedaram-se a rir e zombando do companheiro passaram próximos do grupo imóvel. Logo desapareceram na neblina. Assim, naquela situação tão difícil, aquele homem se salvou. Porque havia sido útil a Shambahla simplesmente uma vez. Shambahla sabe de todas as coisas mas os segredos de Shambahla estão bem protegidos.

Os Segredos de Shambahla

― Lama, como estão protegidos os segredos de Shambahla? Dizem que muitos servidores de Shambahla, muitos emissários, estão em todo o mundo. Como podem conservar os segredos que lhes foram confiados?

― Os grandes guardiões dos mistérios observam de perto todos aqueles a que receberam tarefas e missões. Se lhes sucede um mal inesperado, recebem ajuda de imediato. E o tesouro confiado será protegido. Há uns cinqüenta anos atrás um grande segredo foi confiado a um homem que vivia no grande deserto mongol, Gobi. Foi-lhe dito que podia usar esse segredo com um propósito especial mas, quando sentisse que se aproximava o momento de deixar este mundo, deveria encontrar alguém digno a quem confiar o tesouro.

Muitos anos se passaram. Finalmente, este homem caiu enfermo e durante essa enfermidade acercou-se dele uma força maligna e ele entrou em estado de inconsciência. Neste estado, não podia encontrar ninguém digno de receber a confiança de seu tesouro. Mas os grandes Guardiões estão sempre vigilantes e alertas. Um deles, de alto Ashram se apressou através do poderoso Gobi. Viajou mais de sessenta horas na montaria sem descansar.

Diante do homem enfermo, chegou a tempo de revivê-lo, se bem que por pouco tempo, mas o suficiente para que encontrasse alguém a quem transmitir a mensagem. Poderíamos perguntar por quê o Guardião não levou, ele mesmo, consigo, o tesouro? Porque o grande carma tem seus próprios procedimentos e até os mais graduados guardiões dos mistérios, as vezes, desejam tocar nos fios do carma. Mas cada um desses fios, caso se rompa, produz como resultado a maior das calamidades.

― Lama, em Turfan e no Turquestão mostraram-nos grutas com extensas galerias. Podemos chegar aos Ashrams de Shambahla através destas rotas? Nos disseram que em algumas ocasiões, pessoas estranhas saem dessas grutas e se dirigem às cidades onde, ao pagar suas contas, apresentam moedas estranhas e antigas, fora de uso há muito tempo.

― É verdade, é verdade. Os habitantes de Shambahla a vezes "emergem" a este mundo. Se encontram com os auxiliares terrenos de Shambahla. Pelo bem da Humanidade, enviam dádivas preciosas, notáveis relíquias. Posso contar muitas histórias dos maravilhosos presentes que receberam através do "espaço". Até mesmo Rigden Gyeppo aparece, em certas ocasiões, em corpo humano. Surge de repente em lugares sagrados, monastérios e, no momento predestinado, anuncia suas profecias.

Pela manhã, muito cedo, antes do amanhecer, o Soberano do Mundo chega ao templo. Entra. todas as luzes se acendem ao mesmo tempo. Alguns reconhecem o forasteiro. Os lamas se reúnem com grande reverência. Escutam com toda a atenção as profecias do futuro.

Aproxima-se uma grande época. O Soberano do mundo está pronto para lutar. Muitas coisas estão se manifestando. O fogo cósmico aproxima-se, novamente, da Terra. Os planetas estão manifestando novos tempos. Mas haverá muitos cataclismos antes da nova era de prosperidade. Novamente a humanidade será posta à prova, para saber se o espírito progrediu o suficiente.

Agora, o fogo subterrâneo deseja entrar em contato com o ardente elemento Akasha. Se as maiores forças boas não combinam seu poder, os maiores cataclismos são inevitáveis. Conta-se que o Santo Rigden Gyeppo assume diversas formas para dar ordens aos seus mensageiros: como na rocha negra, a caminho de Ladak... E de todas as direções, cavaleiros mensageiros se aproximam com grande reverência para escutá-lo, e logo se apressam em cumprir o que lhes ordena a grande sabedoria.

― Lama, mas como os viajantes ainda não descobriram a Shambahla terrena? Nos mapas, podem-se ver muitas rotas de expedições. Ao que parece, estão marcados todos os picos e já foram explorados todos os vales e rios.

― É verdade que há muito ouro na terra e muitos diamantes e rubis nas montanhas; e todos estão ansiosos para possuí-los e muitos se ocupam de encontrá-los. Mas até o momento, estas pessoas não têm encontrado estas coisas e que se acautele um homem que intente chegar a Shambahla sem ter sido chamado! Deveis ter ouvido falar dos riachos envenenados que rodeiam as terras altas. Talvez tenhas visto pessoas morrer por causa de gases tóxicos, quando de Shambahla se acercam. Talvez, ainda, tenhas visto como os animais e as pessoas começam a estremecer quando se aproximam de certas regiões. Muitos tentam chegar a Shambahla sem ser chamados. Mas só uns poucos alcançam o ponto sagrado e somente se é de seu carma que consiga isto.

― Lama, falas de um lugar sagrado sobre a Terra. Existe ali uma vegetação rica? As montanhas parecem ermas e os ventos e nevadas com frio devastador, parecem muito severos.

Vales Ocultos

Em meio às altas montanhas existem inesperados vales ocultos. Mananciais cálidos nutrem a rica vegetação. Muitas plantas raras e ervas medicinais podem florescer neste terreno vulcânico, tão incomum. Talvez você tenha ouvido falar somente dos "dias de Nagchu", quando não havia uma árvores ou planta à vista... Mas há um vale com muitas árvores, erva e água cálida... Quem pode conhecer os labirintos das montanhas?

Sobre superfícies pedregosas são encontradas pegadas humanas. Não se pode compreender o pensamento das pessoas e, aquele que pode, permanece em silêncio. Talvez tenhas encontrado numerosos viajantes em tuas peregrinações, forasteiros vestidos com simplicidade, que caminham em silêncio através do deserto, seja frio ou calor, continuam seguindo suas metas desconhecidas.

As vestes são simples mas o forasteiro não é insignificante. Se seus olhos estão meio cerrados, não presuma que seu olhar não é aguçado. É impossível distinguir de onde vem o poder. Todas as advertências são inúteis, todas as profecias são inúteis; somente através do verdadeiro caminho de Shambahla se pode obter a dádiva. Dirigindo-se diretamente, você mesmo, ao Santo Rigden Gyepo, terás êxito.

― Lama, disseste que os inimigos de Shambahla pereceriam. Como pereceram?

― É certo, perecem no seu devido tempo. Suas próprias ambições os destroem. Rigden Gyeppo é misericordioso. Mas os pecadores são agressores de si mesmos. Quem pode dizer quando será entregue o prêmio merecido? Quem pode discernir quando, verdadeiramente, se necessita de ajuda? E qual será a natureza desta ajuda? São necessárias muitas catástrofes, e têm seus propósitos. somente quando nossa limitada natureza humana se convence que tudo se destrói, de que toda esperança perece, então, a mão criadora do Soberano projeta seu poderoso raio.

Como são aniquilados os pecadores?

Um lama pintor tinha o incomparável dom de pintar com incomparável beleza as imagens sagradas. Pintava soberbamente as imagens de Ridgen Gyeppo, do Santo Buda e de Dukhar, aquele que tudo vê. Outro pintor, enciumado, em sua ira, decidiu prejudicar o justo. Mas quando começou a caluniar o lama pintor, sua casa entrou a arder em chamas em virtude de uma causa desconhecida. Todas as suas posses foram destruídas e as terras do caluniador danificaram-se gravemente, tanto que durante algum tempo foram incapazes de produzir qualquer fruto.

Outro caluniador ameaçou destruir todos os trabalhos de um homem honesto mas foi ele mesmo quem se viu em dificuldade. Outro homem, que levava a cabo magníficas obras de caridade foi atacado por alguém que buscava destruir todas possessões que haviam sido dedicadas à causa da humanidade. Mas, novamente,o raio poderoso de Rigden Gyeppo alcançou o agressor que, em apenas um dia se viu destituído de todas assuas riquezas. Talvez já o tenhas visto mendigando no bazar de Lhasa.

Em cada cidade podeis ouvir como foram castigadas aquelas criaturas indignas que dirigiram seu veneno contra os dignos. Só através do sendeiro [caminho, senda] real de Shambahla podemos caminhar a salvo. Cada desvio deste caminho de glória resulta em grandes perigos mas tudo sobre a Terra pode ser buscado e compartilhado. O Bendito não ordena fé em um culto cego sem oconhecimento da experiência.

― Assim é, Lama. Também posso dizer-te alguém próximo se converteu em um irmão de Shambahla. Sabemos como chegou à Índia, como se perdeu repentinamente da caravana e como, muito depois, uma mensagem inesperada revelou a notícia de que estava em Shambahla.

Também posso dizer como, do distante Altai, muitos dos antigos crentes foram buscar as chamadas Belavodye (águas brancas) e nunca regressaram. Temos ouvido os nomes das montanhas, rios e lagos que existem na direção dos lugares sagrados. São secretos; alguns dos nomes estão alterados mas se pode discernir sua verdade fundamental.

Posso também dizer como um digno estudante deste elevado ensinamento partiu para chegar a Shambahla antes do memento que lhe havia sido ordenado. Era um espírito puro e sincero mas seu não se havia esgotado e seu trabalho terreno ainda não estava completo. Ainda era cedo para ele e um dos grandes mestres o encontrou, a cavalo, nas montanhas e pessoalmente falou com este viajante. Misericórdia e compassivamente o enviou de volta para que completasse as tarefas que deixara por terminar. Posso falar de Ashrams que ficam para além de Shigatse. Posso dizer-te como os irmãos de Shambahla apareceram em diversas cidades e como impediram as maiores calamidades humanas... Lama, conheces Azaras e Kuthumpas?

Homens das Neves

― Se tens conhecimento de tantos incidentes deverá ter êxito em seu trabalho. Saber tanto acerca de Shambahla é, em si, um manancial de purificação. Muitos, de nossa gente, durante suas vidas têm encontrado Azaras e Kuthumpas e aos Homens das Neves que os servem. Somente há pouco tempo os Azaras deixaram de ser vistos nas cidades. Estão reunidos nas montanhas. Muito altos, com longos cabelos e barba, parecem hindus, somente, à primeira vista. Uma vez, quando caminhava ao lago de Brahmaputra, vi um Azara. Tentei alcançá-lo mas rapidamente deu a volta nas rochas e desapareceu. Contudo, não encontrei nenhuma gruta ou caverna ali, tudo o que vi foi uma pequena estupa. Provavelmente, não queria ser molestado.

Já não se vêem Kuthumpas. Antes apareciam abertamente na região de Tsang e no lago Manasarowar, quando os peregrinos iam ao sagrado Kailash. Havia, inclusive os Homens das Neves, que só muito raramente aparecem. Uma pessoa comum, em sua ignorância, os confunde com aparições. Existem profundas razões pelas quais o Grandes não não são mais vistos como antes. Meu velho mestre me contou grande parte da sabedoria dos Azaras. Conhecemos vários lugares onde esses Grandes viveram mas, atualmente, estes lugares estão desertos. E que grande razão! Que grande segredo!

― Lama, então é verdade que os Ashrams foram transferidos das cercanias de Shigatse?

― Este mistério no se deve pronunciar. Eu disse que os Azaras já não se encontram em Tsang.

― Lama, por quê vossos sacerdotes dizem que Shambahla está muito além do oceano quando a Shambahla terrena está muito mais perto? Csoma de Koros, inclusive, menciona, muito justificadamente o lugar: o maravilhoso vale na montanha onde aconteceu a iniciação de Buda.

― Tenho escutado que Csoma de Koros sofreu muitas desgraças na vida; e Grunwedel, a quem mencionaste, tornou-se louco. Porque ambos tocaram no grande nome de Shambahla por curiosidade, sem se darem conta de sua prodigiosa importância. É perigoso brincar com fogo e, no entanto, o fogo pode ser uma das coisas mais úteis para a humanidade. Provavelmente tens ouvido falar de certos viajantes que tentaram penetrar no território proibido e que seus guias negaram-se a seguir, dizendo-lhes: "É melhor que nos mate". Até estas pessoas simples compreendiam que assuntos tão elevados deveriam ser tratados com o maior respeito.

Não ultrajes a lei! Espera em ardente labor até que o mensageiro de Shambahla chegue a vós merecidamente. Espera até que Aquele de voz poderosa pronuncie: "Kalagiya!". Então podeis proceder sem maiores cuidados e interpretar este assunto majestoso. A curiosidade vã pode em um aprendizado sincero, em aplicação de elevados princípios da vida cotidiana.

― Lama, és um andarilho; onde voltarei a encontrar-te?

― Rogo-te que não pergunte meu nome e se me encontrares em alguma cidade ou em outro lugar habitado, não me reconheça. Eu me aproximarei de ti.

― E se eu me aproximar afastar-te-ias, simplesmente, ou hipnotizar-me-ia?

― Não me obrigues a usar estas forças naturais. Entre algumas seitas Vermelhas é permitido aplicar certos poderes. Mas nós somente podemos empregá-los em casos excepcionais. Não devemos quebrar as leis da natureza. O ensinamento essencial de nosso Santo nos pede que sejamos cuidadosos em revelar nossas potencialidades interiores.

― Lama, diga-me, tens visto em pessoa Rigden Gyieepo?

― Não, não tenho visto o Soberano em carne e osso; mas tenho ouvido sua voz; e durante o inverno, quando a neve cobria as montanhas, uma rosa, uma flor do longínquo vale foi sua dádiva para mim. Me perguntas tanto que posso ver que tens conhecimentos sobre muitas coisas. Que farias se eucomeçasse a examinar-te?

― Guardaria silêncio, Lama. ― O Lama sorriu.

― Então sabes muito. Quem sabe estas a par de como usar as forças da natureza e como, no Ocidente, durante estes últimos anos se presenciaram muitos sinais, em especial durante a guerra que vós começastes...

― Lama, com certeza essa matanças sem precedente de seres humanos deve ter precipitado um inesperado fluxo de reencarnações. Tantas pessoas morreram antes da hora predestinada e através de tais incidentes, tantas distorções, tantos transtornos...

― Provavelmente no conheces as profecias pelas quais estas calamidades foram preditas há muito. Se as conhecesse nunca começaríeis este horrível holocausto. Se sabes algo sobre Shambahla, se sabes como utilizar suas forças naturais escondidas, também saber acerca de Namig, as cartas celestiais; e saberás como aceitar as profecias do futuro.

― Lama, temos ouvido que todas as viagens do Tashi Lama e do Dalai Lama foram preditas nas profecias muito antes de aconteceram.

― Repito que nas casas particulares do Tashi Lama, por ordem dele, foram pintados os acontecimentos de suas futuras viagens. Com freqüência, forasteiros desconhecidos pronunciam estas profecias e se podem ver e ouvir sinais evidentes dos acontecimentos que estão por vir.

Sabeis que próximos à entrada do grande templo de Geser Khan existem dois cavalos, um branco e um vermelho. E quando Geser Khan se aproxima, esses cavalos relincham. Ouviste falar que recentemente aconteceu um sinal e muitas pessoas ouviram o relinchar dos cavalos sagrados?

― Lama, mencionas o terceiro grande nome da Ásia...

― Mistério, mistério. Não deves falar demasiado. Em algum momento falaremos a um grande sábio: Geshe de Moruling. Este monastério foi fundado por nosso Dalai Lama, o grande, e o som do grande Nome é parte do nome do monastério. Dizem que antes de abandonar Lhasa para sempre, o grande Dalai Lama teve uma misteriosa neste monastério. A verdade é que vários lamas desapareceram deste monastério para realizar grandes tarefas novas. Ali poderias encontrar algo familiar para você.

― Lama, podes dizer-me alguma coisa sobre os três maiores monastérios próximos de Lhasa: Sera, Ganden e Depung?

O lama sorriu:

― Oh, são grandes monastérios oficiais. Em Sera, poderias encontrar muitos guerreiros verdadeiros entre os trem mil lamas. Muitos lamas de países estrangeiros, como Mongólia, estão em Ganden. Ali está o trono de nosso grande Mestre, Tsong-khapa. Nada pode tocar este grande assento sem tremer. Depung também tem alguns lamas sábios.

― Lama, existem galerias ocultas embaixo de Potala? Existe um lago subterrâneo no templo principal?

O Lama voltou a sorrir.

― Sabes tantas coisas que parece que estiveste em Lhasa. Não sei quando esteve ali ou se esteve ali com outras vestimentas mas se vistes este lago subterrâneo deves ter sido, ou bem um grande lama ou um criado que levava uma tocha. Mas como criado não poderias saber todas as coisas que tem me dito. Provavelmente também sabe que em muitos lugares de Lhasa há mananciais de águas termais e em algumas casas as pessoas usam esta água em seus afazeres.

― Lama, ouvi dizer que alguns animais, cervos, esquilos e chacais aproximam-se dos lamas que meditam nas grutas e que os símios, os macacos as vezes levam comida para eles.

― O quê é impossível? Uma coisa é evidente: que cervo não se aproximaria de um ser humano em uma cidade porque poucas vezes se encontram pessoas bem intencionadas em lugares congestionados de gente. A Humanidade não conhece a importância do efeito definido das auras; não se dão conta de que não somente os seres humanos mas também os objeto possuem auras significativas e eficazes.

― Lama, sabemos sobre a aura e estamos começando a fotografá-la. E quanto aos seres inanimados, também sabemos algo sobre o trono do Mestre e que nada pode tocar este trono. Desta maneira, a presença do Grande está sempre próxima.

― Se conheceis o valor de um trono tão venerado então conheces o significado da condição de Guru [Mestre Espiritual]. A relação com eles é a mais elevada que podemos alcançar na vida. Esta condição nos protege e ascendemos à perfeição conforme nossa estima pelo Guru. Aquele que conhece o significado essencial do Guru não falará contra as relíquias. No Ocidente, também tem retratos de seres queridos e sentis uma grande estima pelos símbolos e objetos que usaram vossos antepassados e grandes Guias. De modo que não tomeis por idolatria, mas como profunda veneração e recordação do trabalho realizado por alguém grande. E não somente esta veneração externa, porque se sabeis algo da emanação física dos objetos, então também sabeis algo sobre a magia natural. Que pensas sobre o cetro mágico que revela as riquezas da terra?

― Lama, em toda parte se conhecem muitas histórias sobre o estranho poder desta vareta mágica através da qual se localizam muitas minas, poços e mananciais.

― E quem, crê você, trabalha nestas experiências, a vareta ou o homem?

― Creio, Lama, que a vara é algo morto enquanto o homem emite vibrações e poder magnético, de tal modo que a varinha é somente uma pluma na mão.

― Sim, em nosso corpo tudo está concentrado; somente devemos saber como usar e como não abusar. Acaso, no Ocidente, sabem vocês algo em relação à Grande Pedra na qual estão concentrados poderes mágicos? E sabeis de que planeta vem esta pedra? E quem possuía este tesouro?

― Sobre a Grande Pedra temos tantas lendas como vocês têm imagens de Chintamani, Lama. Desde a antiga época dos druidas, muitos povos recordam estas lendas "de verdade" acerca das energias neste estranho objeto. Muitas vezes, estas pedras caídas possuem diamantes ocultos mas estes não são nada em comparação com alguns outros metais e energias desconhecidas que se encontram todos os dias nas pedras e nas numerosas correntes e raios.

Lapis Exilis (a pedra do Exílio), assim se chama a pedra que mencionam os antigos Meistersingers (Mestres Cantantes). Vemos que Ocidente e Oriente estão trabalhando juntos em muitos princípios. Não nos faz falta ir aos desertos para ouvir notícias da Pedra. em nossas cidades, em nossos laboratórios científicos, temos outras "lendas" e provas. Acaso alguém acreditaria que os contos fantásticos que falam do "homem-voador" se cumpririam? Contudo, nos dias de hoje, os viajantes se deslocam voando.

― Certamente, o Santo disse, há muito, que pássaros de aço voariam pelos ares. Mas, ao mesmo tempo, sem a necessidade de levantar essas massas tão pesadas, podemos elevar-nos em nossos corpos sutis. Vocês, ocidentais, sempre sonharam em escalar o monte Everest com pesadas botas; mas nós alcançamos as mesmas alturas e picos ainda mais altos sem problemas. só é necessário pensar, estudar, recordar e saber como utilizar conscientemente todas as experiências próprias nos corpos sublimes. Tudo isso é indicado no Kalachakra, mas uns poucos compreendem. Vocês, no ocidente, com seus equipamentos limitados, podem ouvir sons a longa distância. Podeis inclusive captar sons cósmicos. Mas, há muito, Milarepa, sem nenhum aparato, podia ouvir as vozes supremas.

Milarepa

― Lama, é verdade que Milarepa, em sua juventude, não foi um homem espiritual? Li em alguma parte que até matou toda a família de seu tio. Como, então, pode semelhante homem converter-se em um ser espiritualmente evolucionado depois de tais excessos de ira e até assassinato?

― Tens razão. Em sua juventude, Milarepa não só matou a família como também, provavelmente, cometeu muitos outros crimes horrendos. Mas os procedimentos do espírito são inexplicáveis. Ouvimos de um dos vossos missionários a história do vosso santo chamado Francisco. Sem dúvida, com certeza, em sua juventude cometeu muitas ofensas, sua vida não era pura. No entanto, como alcançou a perfeição ponto do Ocidente considerá-lo um dos santos mais enaltecidos? Através de vossos missionários, que visitaram Lhasa em séculos passados temos aprendido muitas histórias e alguns de vossos livros estão em nossas bibliotecas. Dizem que pode-se encontrar livros de vosso evangelho em algumas de nossas stupas. Quem sabe nós saibamos melhor que vocês como venerar as religiões estrangeiras...

― Lama, é difícil para nós, ocidentais, venerar vossa religião; muitas coisas são tão confusas, muitas coisas estão corruptas. Por exemplo, como um forasteiro poderia compreender, ao ver os monastérios completamente iguais por fora, que em um se pratique o budismo enquanto que outro é completamente adverso ao budismo? Se entramos nestes monastérios, vemos, superficialmente quase que as mesmas imagens. Assim, para um forasteiro, distinguir se uma suástica está invertida ou não, é tão difícil como compreender por quê a mesma iconografia pode significar adesão ou rejeição a Buda. É difícil para um estranho entender por quê as pessoas completamente ignorantes têm o mesmo título de "lama", como vós, que sabes muitas coisas e tem tanta cultura.

― Tem razão. Muitos lamas usam a vestimenta lamaísta mas sua vida interior é muito pior que a de um laico. Muitas vezes, entra milhares de lamas, pode-se conversar acerca de assuntos elevados e esperar uma resposta digna. Não sucede o mesmo com vossa religião?

Temos visto muitos missionários que embora falem do mesmo Cristo, atacam-se mutuamente. Cada um diz que seu ensinamento é superior. Eu creio que Issa (Jesus) tem um só ensinamento; então, como pode este grande símbolo ter divisões que se declaram hostis entre si? Não pense que somos ignorantes. Sabemos que ritos celebrados por uma seita de sacerdotes cristãos não são reconhecidos por outro sacerdote, também cristão. Portanto, poder-se-ia deduzir que devem existir muitos Cristos opostos.

Em nossos desertos são encontradas muitas cruzes cristãs. Uma vez perguntei a um missionário cristão se estas cruzes eram autenticas e ele me disse que eram cruzes bastardas, que durante todas as épocas o falso cristianismo tinha penetrado na Ásia e que não devemos considerar essas cruzes símbolos elevados. Então, diga-me, como distinguiremos uma cruz autentica de uma falsa? Nós também temos uma cruz no Grande Signo de Ak-Doje. Mas para nós, é o grande signo da vida, do elemento ardente: o signo eterno. Nada se falaria contra este signo!

― Lama, sabemos que só através do conhecimento do Espírito podemos perceber o quê é autêntico.

― Novamente demonstras conhecimento das grandes coisas. Novamente falais como como conhecedor do Kalachakra. Mas como desenvolveremos nosso grande conhecimento? É verdade, somos sábios de espírito; sabemos tudo mas como evocaremos este conhecimento das profundezas da nossa consciência e o transmitiremos às nossas mentes? Como reconheceremos as fronteiras necessárias entre a vida ascética e a vida comum? Como saberemos quanto tempo poderemos ser ermitões e quanto tempo deveremos trabalhar entre os homens? Como saberemos que conhecimento pode revelar-se sem causar dano e qual ― talvez o mais elevado ― pode ser divulgado somente para uns poucos? Nisto consiste o conhecimento de Kalachakra.

― Lama, o Grande Kalachakra é praticamente desconhecido pois se confunde com o ensinamento do Tantra inferior. Assim como existem verdadeiros budistas e seus opostos, os Bon-Po também existe um Tantra mais baixo, de feitiçaria e necromancia. O Santo denunciou a feitiçaria. Dizei-me, com franqueza, se um lama pode ser feiticeiro.

― Tens razão. Nossos grandes Mestres no somente proibiram a feitiçaria como também o uso indevido de forças superiores às normais. Mas se o espírito de alguém está tão avançado que pode levar a cabo muitas coisas e utilizar qualquer de suas energias de maneira natural e para o bem comum, então, já não se trata de feitiçaria, mas será uma dádiva para a Humanidade.

Através de nossos símbolos e imagens podeis ver como agiam os grandes Mestres; entre os grandes, vereis poucos em absoluta meditação. Em geral, empregam muito do seu tempo em nobres labores. Ensinam as pessoas a dominar as forças obscuras e dos elementos; não temem enfrentar as forças mais poderosas e aliar-se a elas pelo bem estar comum. As vezes podeis ver os Mestres em verdadeiro embate. dispersando as forças malignas do espírito.

A guerra terrena não é fomentada pelos budistas embora ao longo da história tenham sido atacados e sem jamais serem os agressores. Sabemos que durante vossa recente guerra os sacerdotes cristãos de ambos os lados diziam que Issa e Deus estavam com eles. Se Deus é Uno, devemos compreender que estava em conflito consigo mesmo. Como podem explicar uma contradição que para os budistas é completamente inexplicável?

― Lama, esta guerra está acabada. O erro mais desastroso que pode suceder mas agora todas as nações estão pensando em como abolir não somente a idéia mas também as armas e equipamentos da guerra.

― Acredita que deveriam ser abolidas as armas e veículos de guerra? Seria melhor transformar em instrumentos de paz e de ensinamentos mais elevados. Eu gostaria de ver os tanques de guerra convertidos em escolas itinerantes do alto ensinamento. Será isso possível? Durante minha viagem à China vi tantas armas e tanques e pensei que as espantosas invenções poderiam ser símbolos de um grande ensinamento. Seriam geradores de um tremendo fluxo de energia cósmica para o mundo.

― Lama, a serpente, que mata, é considerada símbolo de sabedoria...

― Provavelmente ouviste antiga parábola sobre como a serpente foi advertida que não mordesse sem sibilar... Cada um deve ser poderoso... Que proteção considerais a mais poderosa?

― Lama, certamente, somente o poder do espírito proporciona a proteção, porque somente no espírito somos fortalecidos mental e fisicamente. Um homem, concentrado espiritualmente é tão forte como uma dezenas de atletas musculosos. O homem que sabe usar seus poderes mentais é mais forte que a multidão.

― Ah, mais uma vez nos aproximamos de Kalachakra: quem pode viver sem alimento? Quem pode viver sem dormir? Quem é imune ao calor e ao frio? Quem pode curar feridas? Somente aquele que estuda o Kalachakra.

Os grandes Azaras que têm acesso aos ensinamentos da Índia conhecem a origem do Kalachakra. Sabem muitas coisas que, quando forem reveladas para ajudar a Humanidade, poderão regenerar a vida por completo. Inadvertidamente, muitas dos Ensinamentos de Kalachakra são usados, tanto no Oriente como no Ocidente e, tendo em conta esta utilização inconsciente os resultados são, muitas vezes, maravilhosos.

Portanto, é compreensível que sejam enormes as possibilidades desta dádiva conscientemente usada e com sabedoria. É uma energia eterna, matéria sublime e imponderável que se encontra dispersa por todas as partes e está a nosso alcance a todo momento. Este ensinamento do Kalachakra, essa utilização da energia primária tem sido chamada: Ensinamento do Fogo.

O povo hindu sabe que o grande Agni, ainda que seja um ensinamento antigo, será um ensinamento novo para o Novo Mundo. Devemos pensar no futuro; e sabemos que o ensinamento de Kalachakra; e sabemos que no ensinamento Kalchakra está todo o material que pode aplicar-se para o maior dos usos. Agora há muitos mestres, tão diferentes quanto hostis uns aos outros. Sem dúvida, muitos deles falam de uma única coisa e esta coisa está implícita no Kalachakra. Um de vossos sacerdotes me perguntou uma vez: "Acaso acabala e Shambahla não são parte deste único ensinamento?

Perguntou: "Acaso o grande Moisés não é um iniciado no mesmo ensinamento e um seguidor de suas leis? Podemos afirmar uma coisa: cada ensinamento de Verdade, cada ensinamento do alto princípio da vida provém de uma única fonte. Muitas antigas stupas budistas têm sido convertidas em templos Linga e muitas mesquitas em paredes e os fundamentos dos antigos viharas budistas. Mas que dano há nisso se essas construções têm sido dedicadas ao mesmo e único princípio elevado de vida? Muitas imagens budistas sobre as rochas encontram suas origens em ensinamentos anteriores ao Santo. Sem dúvida, também simbolizam a mesma coisa elevada.

O quê se revela no Kalachakra? Há muitas proibições? Não, o excelso ensinamento expõe somente o construtivo. Assim é. Se propõe as mesmas forças elevadas para a Humanidade. E se revela, com fundamento científico, como a Humanidade pode usar as forças naturais dos elementos. Quando dizem que a rota mais curta é através de Shambahla, através de Kalachakra, significa que a "graça" não é um ideal impossível, mas algo que se pode alcançar através de uma aspiração sincera e aplicação ao estudo aqui, nesta Terra e nesta encarnação. Este é o ensinamento de Sahmabhla e é verdade; qualquer um pode obtê-la [a graça]. Cada pode ouvir, um dia, a vos que diz Kalagiya.

Mas para alcançar este estado, um homem deve dedicar-se inteiramente ao labor criativo.Aqueles que trabalham com Shambahla, os Iniciados e mensageiros de Shambahla, não se sentem isolados, viajam por todas as partes. Com muita freqüência, pessoas os reconhecem e, as vezes, eles não se reconhecem entre si. Mas levam adiante seu trabalho, não para seu próprio proveito, mas para a grande Shambahla. Todos eles reconhecem o grande símbolo de caráter anônimo. a vezes parecem ricos mas todos eles, não têm nada para si mesmos.

Na essência, o Ensinamento de Shambahla fundamenta-se no seguinte: não falamos de algo distante e secreto. Se sabeis que Shambahla está aqui, na Terra; se sabeis que tudo pode ser alcançado aqui, na Terra, então tudo deve recompensar-se aqui, na Terra. Sabeis que a recompensa de Shambahla verdadeiramente está aqui.

O ensinamento de Shambahla não é único mas é vital porque se entrega para ser útil no plano das encarnações terrenas e pode ser aplicado às condições humanas, quaisquer que sejam.

Quando se lêem livros que tratam de Shambahla, ali se encontram grandes símbolos que podem ser incompreensíveis. No Ocidente, quando se fala de grandes invenções usa-se uma linguagem técnica e o leigo não compreende e toma as expressões literalmente julgando somente a superfície. Neste sentido, o mesmo pode dizer-se das escrituras e dos documentos científicos. Alguns tomam os grandes Puranas em seu sentido literal. Que podem concluir? Somente o que pode obter-se da superfície da linguagem, de sua filosofia, mas não a importância dos signos usafos. A harmonia do interior e do exterior pode ser alcançada através do estudo de Kalachakra. Provavelmente tens visto signos de Kalachakra na rochas, em lugares completamente desertos.

Algumas mãos desconhecidas fizeram um desenho nas pedras e gravaram letras de Kalachakra sobre as rochas. É verdade que somente através do ensinamento Kalachakra se pode chegar à perfeição da rota mais curta.

Kalagiya, Kalagiya, Kalagyia ― Retorna a Shambahla!

Logo nossa conversa se tornou mais bela e sagrada. Falamos da montanha de Kailash e dos ermitões que até hoje vivem nas grutas desta maravilhosa montanha enchendo e espaço com suas evocações de justiça. E logo falamos daquele lugar que fica ao norte de Kailash.

Caiu o crepúsculo e toda a habitação pareceu ganhar um novo significado. A imagem Chenrazi, soberbamente bordada sobre a seda brilhante acima da cabeça do lama parecia observar-nos. Estas imagens já não se encontram no Tibet.

Ao lado desta imagem havia outras, também com estranho brilho. Uma delas era Amitayus (Amitaba?); a outra, o senhor Buda,sempre imutável com o signo inconquistável do raio ― Dorjê , na mão... a Tara Branca sorri benignamente.

De um ramo de fúcsias e dálias violeta emanava uma refrescante vitalidade. Também ali brilhava a imagem do poderoso, o invencível Rigden Gyeppo e sua presença novamente nos fez recordar o lugar misterioso ao norte de Kailash. Nos cantos do estandarte havia quatro imagens muito significativas. Abaixo estava o sucessor de Rigden Gyeppo com um pandit hindu, um dos primeiros expoentes de Kalachakra. Nos cantos superiores havia imagens do Tashi Lama, à esquerda, Tecer Tashi Lama, Pan-chen Palden Ye-Che que deu notícias sobre Sahmbahla.

à direita havia uma figura correspondente ao atual Tashi Lama ― Pan‑chen Chö‑kyi nyi‑ma ge‑leg nam-jyal pal‑zang‑po... No centro do estandarte estava o próprio Rigden Gyeppo e, da base de seu trono irradiva a Ak-ojir-Ak Dorjê cruzada, a Cruz da vida. Uma legião de homens estava reunida diante do trono de Rigden. Havia um habitante de Ladak com seu alto sombreiro negro; chineses com seus chapéus redondos com uma bola vermelha em cima; com suas vestimentas brancas, havia um hindu; ali um muçulmano com turbante branco e kirguizesburiatosKalmukos e monges com seus trajes característicos.

Cada um oferecia ao soberano os melhores presentes de suas terras: frutos e grãos; tecidos e armaduras e pedras preciosas. Nada os obrigava; vinham voluntariamente de todas as partes da Ásia a rodear o Grande Guerreiro. Seriam povos conquistados? Não, não havia humildade quando se acercavam dele. Do aromático incenso diante da imagem ascendiam vapores azulados que flutuavam formando numerosos signos da misteriosa língua chamada Senzar...

Talai‑Pho‑Brang, 1928
Tradução: Ligia Cabús