sexta-feira, 9 de setembro de 2022

A magia das quatro direções cardeais

 

A magia das quatro direções cardeais

Esse é o tipo de assunto que eu acho muito divertido, porque pode parecer simples a princípio: você aprende uma série de equivalências que são fáceis de memorizar… mas depois, quando sai da sua bolha, descobre que elas são tudo menos universais. Cada tradição vai seguir um padrão e é difícil fazê-las concordarem entre si, o que é um pouco incômodo, porque com frequência essas atribuições não são apresentadas como um conjunto simbólico de uma dada tradição e sim como realidade pura e simples. E aí é um prato cheio para o cínico declarar que ninguém tem razão e é tudo bobagem. Bem, primeiro vamos dar uma olhada nessas várias possibilidades, depois podemos pensar no que fazer com isso.

Atribuir as quatro direções cardeais aos quatro elementos é um ato dos mais naturais, nem que seja simplesmente pela mera virtude de o número encaixar. Quem começou a estudar magia pelo viés da Golden Dawn/Thelema ou da Wicca, deve ter aprendido o seguinte arranjo:

  • Direção leste – elemento ar (logo correspondência com questões ligadas ao intelecto, pensamento, linguagem, razão)
  • Direção sul – elemento fogo (vontade, inspiração, criatividade)
  • Direção oeste – elemento água (emocional, intuição, etc)
  • Direção norte – elemento terra (questões ligadas à existência no mundo físico, o corpo físico, mas também antepassados, etc)

Se procurar pelo assunto no Google é bem provável que seja esse o esquema que você vai encontrar com maior facilidade (descontando-se os muitos sites que tratam de supostas tradições xamânicas). Quando praticamos um ritual como o Ritual menor do Pentagrama, é esse o mapa utilizado, que determina os nomes cabalísticos entoados em cada direção e os arcanjos invocados (Rafael no leste, Gabriel no oeste, Miguel no sul e Uriel no norte). Quem aprendeu com o livro do Echols, High Magick, também reparou que dá para associar cada direção a uma série de atribuições ligadas aos elementos, como as estações (primavera no leste, verão no sul, outono no oeste e inverno no norte, num círculo que acompanha bem a lógica elemental e a sequência da passagem das estações), cores, sensações e as ferramentas mágicas. Até aí tudo bem.

Um talismã do elemento água criado para “derivar mais alegria da vida”, segundo Regardie.

Então, pressupondo que alguém queira realizar um ritual ligado às suas emoções, por exemplo, a fim de lidar com processos difíceis, ou então construir um talismã do ás de copas para derivar mais graça da vida (que é o exemplo que o Regardie oferece no seu How to make and use talismans, que vemos acima) – nesse caso, sendo um trabalho de água, a pessoa realizaria o ritual voltada para o oeste, possivelmente invocando forças como o arcanjo Gabriel, o rei elemental Nicksa e o rei da água no sistema enoquiano, Raagiosl. Esse é o tipo de recomendação que você vai encontrar no material ligado a esse modelo. Até aí tudo bem.

Esse é também o arranjo utilizado a princípio pela Josephine McCarthy no site da Quareia, aparecendo pela primeira vez na lição 2 do módulo 1 de Aprendiz, Tarot Basics. Mas voltaremos ao trabalho da Josephine mais para o final deste texto. O que eu quero apontar aqui é uma questão que ela apresenta nessa lição e que, de cara, nos deixa um pouco desestabilizados: a ideia da substituição dos elementos de acordo com o hemisfério onde nos localizamos. Ar e água, aparentemente, continuam no mesmo lugar, enquanto terra e fogo trocam de posição quando se sai do norte para o sul. Uma possível explicação para isso, que eu já li em alguns lugares, tem a ver com o caminho do sol: no hemisfério norte, o sol nasce no leste, chega ao seu zênite no sul (por isso, o elemento fogo ali), se põe no oeste e volta ao leste pelo norte (fazendo o caminho subterrâneo, como consta na mitologia egípcia e mesopotâmica, por isso o elemento terra). No hemisfério sul, o sol nasce e se põe na mesma direção, óbvio, mas tem o seu zênite no norte.

Para quem trabalha nos moldes da GD, essa informação é desestabilizadora, porque implica trocar as posições dos arcanjos e nomes divinos no RmP… e quem tem familiaridade com esse sistema sabe que ele é tudo menos um sistema flexível. Mas ainda estamos apenas começando a confusão.

No blog da Benebell Wen, uma taróloga, astróloga e praticante de magia daoista, há um post comparando os diversos sistemas de atribuições… e aí a gente vê que a versão da GD não é o único sistema possível, nem mesmo dentro da chamada tradição esotérica ocidental[1].

Aparentemente, a GD derivou esse arranjo do sistema de John Dee, segundo Regardie. Não tenho condições de parar tudo para começar a fuçar os textos do próprio Dee atrás dessa informação, então vou confiar nele, por ora. Um outro arranjo possível, mais antigo, é o de Agrippa, nos seus três livros da Filosofia Oculta, que propõe a seguinte equivalência:

  • Leste – fogo
  • Sul – terra
  • Oeste – ar
  • Norte – água

A lógica aqui é derivada da astrologia: ao distribuirmos os doze signos no céu, começando com Áries no ascendente, ficamos com um signo cardinal de cada elemento em cada ponto: Áries no leste, casa 1 (fogo), Câncer no norte, casa 4 (água), Libra no oeste, casa 7 (ar) e Capricórnio no sul, casa 10 (terra). Daí a atribuição desses elementos às quatro direções… mas também é claro que, apesar de toda a autoridade de Agrippa, não temos porque pressupor qualquer naturalidade da equivalência entre o ascendente e Áries (um equívoco, aliás, que muito astrólogo adepto da astrologia moderna comete e causa muita confusão no entendimento das casas). Seria possível, por exemplo, estabelecer um padrão usando o Thema Mundi, o horóscopo mítico que distribui a posição dos planetas no princípio do universo. Nesse caso, famosamente teríamos Câncer no ascendente, o que resultaria no elemento água no leste, ar (Libra) no norte, terra (Capricórnio) no oeste e Áries (fogo) no sul (ou seja, o arranjo da GD, apenas substituindo leste e oeste!).

E ainda tem um último arranjo, proposto pelo ocultista (e, francamente, maluco[2]) Guillaume Postel em seu Absconditorum clavis (1547), que é o seguinte:

  • Leste – terra
  • Sul – água
  • Oeste – ar
  • Norte – fogo

No entanto, eu não sei qual a lógica utilizada por Postel, e a Benebell também não tece maiores comentários no seu post, por isso não tenho muito o que dizer além de apontar para o fato de que esse arranjo existe e pode ou não ter sido usado na prática. Eu mesmo desconheço qualquer sistema mágico que o utilize, mas não deixa de ser interessante, nem que sirva só para apontar para o detalhe curioso que é o fato de que esses arranjos partem todos de lugares diferentes: tanto Dee quanto a Josephine quanto o pessoal da GD são ingleses; Agrippa era alemão; e Postel, francês.

Von den Winden vnd vyer zeitten des Jars, gravura de Johannes Regiomontanus, 1512.

Na sequência, vamos passar da Europa para a Mesopotâmia, mudando de lógica das correspondências, dos elementos para os planetas. Os entusiastas do site Enenuru reuniram bastante material sobre o assunto neste link aqui, que eu recomendo para quem tem interesse no assunto (apesar de que está um pouco bagunçado).

Só que antes de tratar dessas equivalências (que, francamente, são uma bagunça), vale citar de novo a invocação dos deuses das quatro direções que eu já mencionei no texto sobre fórmulas babilônicas:

Šamaš ina paniya (Shamash à minha frente)
Sîn ina arkiya (Sîn às minhas costas)
Nergal ina imniya (Nergal à minha direita)
Ninurta ina šumeliya (Ninurta à minha esquerda)

Presumindo-se que o exorcista estaria voltado para o leste, faz todo o sentido o deus do Sol, Shamash, estar associado ao leste, pois é onde o Sol nasce. A atribuição do oeste com a Lua (o deus Sîn) pode ser compreendida em contraposição, colocando o outro luminar na direção oposta. A atribuição de Nergal e Ninurta, no entanto, é mais misteriosa… e com isso eu quero dizer que eu não faço ideia de onde vem. E o mais misterioso ainda é que, quando traduzimos essas atribuições em termos de planetas (pois a atribuição entre deuses mesopotâmicos e os 7 planetas é tradicional já na literatura babilônica), Nergal é o deus de Marte, e Ninurta, de Saturno. Quase dois milênios depois, por volta do século XIII d.C. a mesma equivalência das direções cardeais aparece num volume chamado O Livro Jurado de Honório, um grimório de magia astrológica atribuído a um certo Honório de Tebas (não confundir com o Papa Honório), que contém uma mescla curiosa de técnicas judaicas e cristãs dos dois lados do Cisma do Oriente. O Livro Jurado atribui o leste ao Sol, o oeste à Lua, o sul a Marte e o norte a Saturno – exatamente as mesmas correspondências que acabamos de ver – mas o que consta nele e não na literatura babilônica é uma extrapolação disso com os outros 3 planetas, atribuindo o sudeste a Júpiter, o sudoeste a Vênus e noroeste a Mercúrio. É fascinante como um conceito desses consegue perdurar por tanto tempo, apesar das mudanças radicais de pensamento religioso que se deram no Oriente próximo e cujo material certamente se reflete no grimório.

Em outros textos sumérios, vemos que a cada um dos quatro ventos é atribuída uma divindade, a quem eles servem: Ea/Enki (sul), Enlil (leste), Adad, Ninurta e/ou Ninlil (norte) e Anu (oeste). Vocês vão reparar que, fora Ninurta associado ao norte, que se repete, temos aqui um novo conjunto de divindades. Não há, no entanto, equivalências planetárias nesse caso (apenas 7 deuses são associados aos planetas, ao passo que a tríade Anu-Enlil-Ea era considerada acima dessas correspondências)… mas havia uma dimensão elemental, que emerge em textos babilônicos tardios (sobre isso, conferir o livro Mystical and Mythological Explanatory Works of Assyrian and Babylonian Scholars, de Alasdair Livingstone). Ea, senhor das águas em Eridu, que dominou as águas da criação do Absu nos primeiros mitos cosmológicos, é o deus da água; Enlil, cujo nome significa literalmente “senhor do vento” é o deus do ar; enquanto a Anu, deus do céu, cabe o fogo, com a noção antiga de que as camadas superiores dos céus eram constituídos de fogo. Sobra uma direção que é a da terra, mas aí, apesar de uma equivalência entre Ninurta e a terra fazer sentido (pois se trata de um deus agrícola), já não seria mais uma interpretação tradicional.

Assim, temos aqui água no sul, ar no leste, fogo no oeste e aí sobra terra para o norte… o que é um arranjo diferente de todos que já vimos!

Porém, para além das correspondências planetárias e elementais, parece que havia também um entendimento de que os ventos possuíam uma característica que seria intrínseca à sua natureza. Um provérbio sumério diz o seguinte:

O vento norte é um vento satisfatório; o vento sul é prejudicial ao homem.
O vento leste é um vento que traz chuva; o vento oeste é maior do que o povo que lá habita.
O vento leste é um vento de prosperidade, o amigo de Naram-Sîn.

(A referência ao vento oeste como sendo “maior que o povo que lá habita” é provavelmente um comentário pejorativo sobre os amorreus, que moravam para o oeste e eram vistos como meio bárbaros).

Então, se for pensar por essa perspectiva, um ritual de prosperidade elaborado dentro dessa corrente, por exemplo, provavelmente seria feito voltado para o leste, enquanto um ritual destrutivo com vela preta e tudo seria voltado ao sul, o que é coerente com outros aspectos da mitologia mesopotâmica conhecida como o mito de Adapa. Nesse mito, o sábio antediluviano Adapa teria sido atacado com violência pelo vento sul e arremessado ao mar. Em resposta, o sábio se vale do seu conhecimento de magia e utiliza uma fórmula poderosa que quebra as asas do vento sul (o livro Adapa and the South Wind: Language Has the Power of Life and Death, de Shlomo Izre’el, aliás, explora esse assunto mais a fundo).

Mas tem mais: a partir daí também começa a emergir algum tipo de proto-Feng-Shui na literatura de presságios. Em mais um exemplo citado na página do Enenuru, parece que existia alguma noção da importância da direção à qual a porta da sua casa se abre: se ela abre para o norte, você vai prosperar; se abrir para o sul, seu coração será feliz; mas se abrir para o oeste, você vai morrer (a parte do leste está ilegível por causa de avarias na tabuinha). O duro é que essa associação também não dialoga com o que vimos acima, onde consta que o vento destrutivo é o sul e não o oeste. Ainda assim faz sentido, creio, associar o oeste com morte, sendo a direção onde o próprio Sol “morre”.

Ao mesmo tempo, as direções sul e o oeste não são os únicas destrutivas, e cada um dos ventos também tem um caráter maléfico, como consta na série de fórmulas de exorcismo Utukku Lemnutu: o vento sul traz poeira, o norte parte a terra ao meio, o leste com a chuva também faz o corpo definhar e o oeste traz devastações sem fim às planícies.

Bem, infelizmente a Mesopotâmia acabou mais confundindo do que explicando as coisas. O que complica a nossa vida é que parece que nunca aconteceu de algum sábio ter passado a limpo essas questões todas e o que a gente tem aqui na verdade são vários fragmentos possivelmente de tempos e locais distintos que não dialogam entre si.

E que tal se avançarmos um pouco mais na direção do oriente? Como explica o líder espiritual do Himalayan Institute, Pandit Rajmani Tigunait, num artigo do site Yoga International, há na tradição do Yoga (ou pelo menos em uma das doutrinas mais conhecidas dentro da tradição do Yoga) uma relação entre cada direção e um conceito, o que explica as divindades que presidem aí.

A atribuição das divindades aqui é a seguinte:

  • Leste – deus Indra, senhor das tempestades
  • Oeste – deus Varuna, o senhor dos oceanos
  • Norte – deus Vishnu, o preservador
  • Sul – deus Yama, senhor da morte:

Como explica Tigunait:

“O leste é a direção onde o sol nasce. É a fonte da luz e inspiração – a fonte da própria vida. É a hora do despertar, o ponto de início. O leste nos diz que é hora de levantar, despertar, começar a se mexer. Ele nos motiva a lançar fora nossa inércia e começar o dia. Mas, assim que o fazemos, nossas preocupações e ansiedades, dúvidas e medos, surgem. Portanto precisamos que o protetor do Leste – nossa própria força de vontade, determinação e clareza mental – nos acompanha. No conhecimento yóguico, o Senhor Indra é o protetor do leste. Manejando seu poderoso relâmpago, ele estilhaça nossas dúvidas, medos e ansiedades para que possamos avançar com determinação renovada – livres da dúvida e do medo. Porque começamos nossa jornada diária a partir do leste, a melhor hora para a prática espiritual é ao nascer do sol”.

E ele prossegue: o oeste, então, é o fim do dia, o ponto em que precisamos descansar e deixar a nossa consciência se dissolver para que possamos ter forças para o dia seguinte. Assim Varuna traz calma e tranquilidade. Já o norte “é determinado pela estrela polar”, por isso representa uma “convicção inabalável”. Por fim, o sul é o descanso completo, quando o corpo não dá conta mais e é preciso “trocar de veículo”.

Em algumas outras fontes, o deus do norte muda da Vishnu para Cubera, deus da prosperidade, e há também divindades para as outras direções, as chamadas colaterais: sudeste (Agni, deus do fogo); sudoeste (Nirruti, deus ou deusa da decadência e da tristeza); noroeste (Vayu, senhor dos ventos) e sudeste (Ishana, uma das encarnações de Shiva). Dikapala é, aliás, o termo usado em sânscrito para se referir aos guardiões das direções. Em todo caso, por esses motivos, dentro das tradições abrangidas pelo termo “hinduísmo” geralmente os praticantes se voltam para o leste ou para o norte.

Círculo mágico do grimório cipriânico conhecido como Clavis Inferni, contendo os sigilos dos reis demoníacos das quatro direções, Egyn, Oriens, Amaymon e Paimon. Imagem da Wellcome Library.

Há certamente outros sistemas de equivalência, mas acho que já vimos o suficiente por enquanto. Um site sobre reiki, no qual eu esbarrei em minhas pesquisas, oferece mais uma variação e um outro site, que se pretende xamânico[3], oferece ainda outra possibilidade – todas diferentes dos arranjos que vimos -, mas não tenho como rastrear as origens desses conceitos. Há também divindades budistas que são guardiões das direções chamados de Quatro Reis Celestiais; quatro demônios das direções cardeais nos grimórios ocidentais[4]; e até mesmo a mitologia da obra de William Blake tem um de seus quatro Zoas para cada direção [5]. Mas, de novo, acho que já vimos o suficiente.

Tendo conferido alguns sistemas ocidentais, os fragmentos que nos sobraram da Mesopotâmia e o que parece ser o sistema mais comum na Índia, o que podemos tirar disso tudo? Bem, uma constante é que o Sol nasce no leste e se põe no oeste. Isso não muda, pelo menos, e as noções simbólicas que se desenvolvem a partir daí e caracterizam os conceitos das direções parecem ter esse fato como ponto de partida. Todo o resto, no entanto, parece variar. Isso não quer dizer que seja tudo bobagem e que nada disso faça sentido, mas sim que parece ser relevante partirmos, não de uma abordagem rígida, mas maleável (o que é, de novo, uma má notícia para o sistema da GD).

De fato, voltando à obra da Josephine, o segundo módulo de Aprendiz do Quareia tem uma forte ênfase no trabalho com as direções, e a quinta lição, Patterns and Maps in Magic, ensina a avaliar o terreno, descobrir suas potencialidades e a força dos elementos em cada direção, a fim de que você possa trabalhar a favor da corrente e não contra. Ela também desenvolve um sistema para além da questão das correspondências elementais, tratando dos princípios ligados às direções, o que ela entende partir dos dois eixos, leste-oeste e norte-sul. O poder mágico, o fluxo da criação, flui naturalmente do leste para o oeste: do leste vêm o Verbo divino criador, enquanto o oeste é o receptáculo. Já o tempo flui do norte para o sul: o norte é o reino dos ancestrais, enquanto o sul é o “limiar angélico do futuro”. Apesar de as equivalências elementais variarem de local para local, entende-se que esse padrão seria constante independente do local. Isso consta na primeiríssima lição do segundo módulo de Aprendiz, Directions, onde ela deita as bases para esse tipo de trabalho, com o ritual de confirmação que funciona como uma entrada na egrégora do seu sistema mágico.

Mas é claro que você não precisa estar necessariamente inserido nesse tipo de treinamento para explorar as potencialidades do trabalho com as quatro direções. É possível desenvolver um ritual genérico de saudação das quatro direções, seus poderes e guardiões dentro daquilo que você já pratica, e valer-se de técnicas divinatórias para mapear o território.

Antes de fazer um ritual com um objetivo prático, você pode usar um pêndulo para perguntar qual a melhor direção para esse trabalho ou então uma tiragem de tarô com quatro cartas (ou oito, se seguir pelo método europeu). Para mapear os elementos, você pode meditar em cada direção ou também recorrer ao tarô. Se você tem ferramentas associadas aos quatro elementos, você pode dispô-las num arranjo como o da Golden Dawn a princípio, com a adaga no leste, o cálice ao oeste, o pentáculo ao norte e varinha ao sul, então tirar três cartas para avaliar a adequação desse arranjo. Na sequência, você realiza uma alteração, como trocar as posições norte e sul, e tira as cartas de novo a fim de comparar os resultados. É tentativa e erro, mas funciona.

Claro que, se você trabalha com um sistema tradicional que se mantém constante ao longo de vários séculos e funciona (como parece ser o caso das atribuições de divindades hindus), o melhor, creio eu, é seguir a tradição. Mas, dentro de uma prática ocidental, especialmente no trabalho com os elementos clássicos, que são um aspecto sublunar da Criação, por isso mutáveis por natureza, a rigidez dogmática e o amor pelas planilhas não é a melhor abordagem.

* * *

[1] Para ser mais específico, esse arranjo não é o único nem mesmo dentro do sistema da GD. Na verdade, trata-se do arranjo dos rituais microcósmicos, como o do Pentagrama. No Ritual menor do Hexagrama, que é macrocósmico, usa-se os hexagramas dos 4 elementos numa ordem determinada pela sequência dos elementos na roda do zodíaco: fogo no leste, terra no sul, ar no oeste e água no norte. Essa sequência, no entanto, aparece apenas no RmH. Até onde eu sei, para todas as outras equivalências, usa-se o modelo do RmP.

[2] Eu não digo isso levianamente. Postel foi o tradutor de várias obras cabalísticas importantes, mas sua busca por um universalismo capaz de unificar as três religiões abraâmicas o levou a crenças estranhas. Ele acreditava que uma mulher, conhecida como mãe Zuana, seria a própria encarnação da Shekinah judaica e tinha o projeto de instituir o hebraico como a língua de reino universal, sob a bandeira do rei da França. Essas heresias não passaram despercebidas pela Inquisição, mas eles mesmo chegaram à conclusão de que Postel era “non malus sed amens” (não mau, mas demente).

[3] Digo “se pretende”, porque, apesar de o xamanismo ser uma prática real e respeitável, com muita frequência o termo é usado de modo equivocado para se referir a um sistema New Age que se apropriou, diluiu e muitas vezes deturpou conhecimentos indígenas, produzido por brancos para brancos. Para ilustrar a questão, o símbolo que eu encontro em vários sites usado para descrever essas atribuições das direções e elementos é chamado de Roda de Medicina (Medicine Wheel), sendo um exemplo dessa apropriação, criado por um homem branco, Arthur Storm, que fazia cosplay de indígena e apresentou esse conceito pela primeira vez em 1972. O fato de que muita gente parece não saber ou não se importar com esse fato é um tanto preocupante.

[4] Há uma entrevista com o autor Dr. Al Cummins no podcast Glitch Bottle sobre esse assunto (The Four Kings & Cyprian’s Mirror).

[5] The Four Zoas é um dos poemas proféticos da fase mais alucinada da poesia de Blake. Os Zoas são entidades que surgem a partir da queda e divisão do ser humano primordial: Urizen representa a razão, a lei e as tradições, agindo como o demiurgo por desejar aprisionar o espírito na matéria; Tharmas representa instinto e força; Luvah é o princípio do amor; e Urthona ou Los representa a inspiração e a imaginação. Como consta no verso 280 do livro VI, Urthona tem seu lar no norte, sendo equivalente ao elemento terra; Urizen ao sul (ar); Luvah ao leste (fogo) e Tharmas ao oeste (água)… mas parece que eles mudam de lugar posteriormente (fonte 1 e 2).