sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Tudo que você queria saber sobre banimentos, mas tinha vergonha de perguntar

 Tudo que você queria saber sobre banimentos, mas tinha vergonha de perguntar


Talismãs com um penta- e um hexagrama, de The Mysteries and Secrets of Magic (1928), de Charles John Samuel

Como fazer o RmP

Primeiramente, para quem não sabe ainda e também não tem muita ideia de onde procurar, vamos às instruções (quem já sabe pode pular esta seção).

O RmP tem quatro etapas: a cruz cabalística, o desenho dos pentagramas, a invocação dos arcanjos e a cruz cabalística de novo. Você começa no centro do seu espaço, voltado para o leste. Visualize uma luz bem clara vinda de cima. No que você toca a sua testa, a luz desce e te ilumina, enquanto você entoa a palavra ATEH. Os textos falam em “vibrar” a palavra, entoá-la, com a boca meio fechada, de tal modo que você sinta na sua caixa torácica (é bom praticar antes ou ver vídeos no YouTube que mostram como faz). Na sequência, você toca ou o peito ou o púbis e vibra MALKUTH, visualizando a luz descendo até o chão, como se você fosse atravessado verticalmente por um pilar luminoso. Então você toca o ombro direito e vibra VE-GEDULLAH, visualizando a luz ali também, e toca o ombro esquerdo com a palavra VE-GEBURAH, agora sendo atravessado também por um pilar de luz horizontal. Por fim, você une as mãos à sua frente e vibra LE-OLAM, AMEN. Não é difícil, mas exige algum treino para fixar as fórmulas na memória. Esta é a cruz cabalística.

Agora partimos para os pentagramas. Dando um passo à frente, na direção leste, você vai estender os dedos indicador e médio (o chamado “gesto da espada”) e com eles desenhar uma estrela de cinco pontas no ar, começando do canto inferior esquerdo e subindo rumo à ponta mais alta. Se você tiver uma varinha, adaga ou espada (incenso também serve), pode usar isso no lugar dos dedos. Ao terminar, você enfia os dedos (ui) no centro do pentagrama. Enquanto isso, vibre o nome YHWH (pronuncia-se yod he vav he). É recomendado também desenhar um círculo em torno do pentagrama, que pode vir antes ou depois. Visualize-os numa cor azul luminosa. Na sequência, você vai virar à direita e repetir esse gesto nas outras quatro direções, na seguinte ordem e com os seguintes nomes:

Sul: ADONAI
Oeste: EHYEH
Norte: AGLA (pode pronunciar “agla” mesmo ou “a-guê-lá”)

Enquanto estiver indo de um ponto a outro, trace uma linha ligando o pentagrama que você acabou de fazer com o próximo. Por fim, feche o círculo retornando ao centro do primeiro pentagrama e volte também ao centro do espaço. Pronuncie a seguinte fórmula, vibrando os nomes (apenas os nomes) destacados:

À minha frente, RAFAEL
Às minhas costas, GABRIEL
À minha direita, MICHAEL 
(nota: o CH tem som de H aspirado, puxando para o gutural)
À minha esquerda, URIEL
Ao meu redor flamejam os pentagramas
E no centro a estrela de seis raios.

Visualize os arcanjos ao seu redor, Rafael com uma espada, Gabriel com um cálice, Miguel com um bastão e Uriel com um pentáculo, junto com os pentagramas brilhando. Então repita a cruz cabalística, e parabéns! Você acabou de fazer o RmP. Aproveite o baratinho que acompanha a invocação e a sensação de paz e silêncio profundos que se seguem. Se você tem qualquer sensibilidade astral, você vai perceber de fato uma qualidade distinta nesse silêncio, como se todo um fundo de ruído branco de repente cessasse. Se você não sentiu nada, não desanime. Continue fazendo, e uma hora você vai sentir alguma coisa.

Explicando o RmP

O RmP faz parte do currículo da Hermetic Order of the Golden Dawn (GD), essa ordem iniciática famosa do século XIX e começo do XX, de inspiração maçônica, dedicada à prática e estudo da Cabala Hermética e de tudo que fosse “Alta Magia”, incluindo tarô, geomancia, magia enoquiana, etc — era praticamente Hogwarts, só que sem senso estético . Na verdade, o RmP era o ritual mais básico da ordem, o único ensinado aos neófitos (grau 0=0), ainda não iniciados. De onde esse pessoal da tirou os elementos do ritual, isso é fácil de localizar. No caso da cruz cabalística, Ateh malkut ve-gedullah ve-geburah le-olam¹ significa “Teu é o reino, a glória e o poder para sempre”, que é um verso chamado de doxologia, presente na versão anglicana do “Pai Nosso”. A invocação dos arcanjos deriva de uma prece judaica de antes de ir dormir², mas houve uma alteração na ordem, que eu acredito que seja para conformar a regência elemental de cada arcanjo (Rafael=ar, Gabriel=água, Miguel=fogo, Uriel=terra) à distribuição dos elementos nas quatro direções. Os nomes divinos são nomes cabalísticos clássicos, YHWH é o tetragrama, o nome impronunciável (tanto que você não pronuncia, você soletra), Adonai quer dizer “Senhor”, Ehyeh quer dizer “eu sou” (ou “eu serei”… hebraico é uma língua complicada no tocante aos tempos verbais) e é a primeira palavra da frase que Deus diz a Moisés, “eu sou o que sou”, ehyeh asher ehyeh, em Êxodo 3:14, e A.G.L.A. é um notariqon (acrônimo místico) para Atah Gibor Le-olam Adonai, “Tu és poderoso para sempre, Senhor”, um verso de uma prece tradicional judaica, a Amidá. O porquê de sua distribuição específica nos quatro cantos me é misterioso, no entanto, e as explicações do pessoal da GD são meio incompreensíveis.


Cena do quadrinho The Marvel: A Biography of Jack Parsons, de Richard Carbonneau e Robin Simon, mostrando Parsons fazendo o RmP. Sim, é o mesmo cara da série Strange Angel, da Netflix

Quanto ao uso do pentagrama como símbolo principal do ritual, temos duas funções, eu acredito, e não, não tem nada de satânico nele³. A primeira é como um símbolo de proteção, a segunda como um imagem do microcosmo — cada ponta representa um elemento, mais o espírito ou éter ou quintessência ou Akasha. Por microcosmo entende-se algo como o mundo interior do ser humano, daí que ele seja povoado pelos quatro elementos, equivalentes a componentes mentais (fogo é a vontade, ar é o raciocínio, água os sentimentos, terra as nossas capacidades de realizar coisas), mas, é claro, pela concepção hermética de que o que está acima é como o que está abaixo, o microcosmo dialoga com o macrocosmo. No sistema da GD, o macrocosmo é representado pelo hexagrama, cuja forma mais comum é a estrela de seis pontas (mencionada no final do ritual), cada ponta simbolizando um dos 7 planetas clássicos, com o Sol ao centro. Não por acaso, existe também o Ritual do Hexagrama.

Preciso ainda dar uma palavra sobre os rituais da GD. O Lesser Banishing Ritual of the Pentagram não tem esse nome de bonito, mas é porque ele é modular e cada parte do nome tem duas possibilidades. É of the Pentagram porque existe também o of the Hexagram. É banishing porque existe também o invoking. É lesser porque também tem o greater, daí as siglas LBRP, LIRP, GBRP, GIRP, LBRH, LIRH, GBRH, GIRH. A partir de dois rituais, criam-se oito. A diferença do ritual de banimento do pentagrama para o de invocação é apenas a direção em que o pentagrama é traçado, de cima para baixo e não de baixo para cima. A função passa a ser então, não tanto limpeza, mas mais energização. Há algumas controvérsias… do pessoal que diz que você precisa fazer o RmP duas vezes ao dia, eles se dividem entre quem recomenda fazer duas vezes o de banimento e quem recomenda fazer o de invocação de manhã e o de banimento à noite. Quem tem razão, só Deus sabe.

A parte em que o bicho pega é quando passamos para o Ritual Maior do Pentagrama (RMP, com M maiúsculo). Ele é diferente, porque 1) usa outras variações dos pentagramas, 2) as fórmulas mudam e 3) você precisa desenhar outros símbolos adicionais, equivalentes aos dos signos fixos do zodíaco. É ao estudar o ritual maior que você entende que cada direção dos pentagramas serve para banir ou invocar um elemento. A função do ritual maior de invocação do pentagrama, portanto, é sintonizar o espaço ritual com um dos quatro elementos para, por exemplo, conjurar figuras como Ghob, Nicksas, Paralda, Djinn, os reis elementais da terra, água, ar e fogo e chefes dos gnomos, ondinas, silfos e salamandras. O banimento maior você raramente vai usar.


Puta que pariu, esses pentagramas

O pentagrama “normal” que se faz no RmP, descobrimos então, é equivalente ao do elemento terra, mas, segundo algumas explicações, não é o pentagrama de terra. Sim, é igual, mas é diferente, porque o pentagrama do RmP você visualiza em luz azul brilhante, e o de terra com cores terrosas (marrom, verde, vermelho ferrugem, preto, depende). Pois é, uma complicação só. E piora. Os pentagramas da GD são uma bagunça, tem banimento e invocação do espírito ativo e passivo (de utilidades limitadíssimas), que é um negócio que eu só vi na GD, a invocação de água é igual ao banimento de ar e vice-versa, nada faz sentido. Segundo Colin Campbell, esses arranjos são de fato arbitrários e poderiam ser refeitos, tanto que ele mesmo oferece uma versão melhorada, mas acredito que quase ninguém a utilize — o que é uma pena, porque realmente é uma versão mais razoável, pelo menos à primeira vista.

Sobre o ritual do hexagrama, não vou me estender, apenas digo que ele é usado em combinação com o do pentagrama de acordo com o que você quer fazer. Para limpeza e expulsão de espíritos, o Scott Stenwick recomenda combinar o banimento menor do pentagrama com o banimento menor do hexagrama (LBRP+LBRH). Para começar trabalhos maiores, o banimento (ou invocação, tanto faz) menor do pentagrama com a invocação menor do hexagrama (LBRP+LIRH). Para trabalho interno, meditação, etc., a invocação menor do pentagrama com o banimento menor do hexagrama (LIRP+LBRH). Para encerrar rituais, apenas o banimento menor do pentagrama. É, é meio tedioso, e esse é um problema para o trabalho com o currículo da GD⁴.

Eu entrei meio a fundo na questão da posição do RmP dentro desse currículo maior, porque tenho um tanto de experiência com isso e acho que algumas pessoas podem ter curiosidade, mas, por mais que seja funcional, há formas mais práticas de se trabalhar que não dependam das concepções abstrusas de um grupo de vitorianos. Óbvio que, se essa é a sua pira, se você realmente acha legal esse tipo de prática e tudo que gira em torno da Cabala Hermética da GD, então pegue o livro do Israel Regardie e dos Cicero e vai fundo. Esse tipo de background também é útil para quem se interessa pela Thelema, afinal, o que o Crowley fez ao criar os rituais thelêmicos foi pegar as variações mais úteis desses que a gente viu e adaptá-los para a cosmologia thelêmica, com o Rubi-Estrela (RmBP), o Safira-Estrela (RmIH) e o Reguli (RMIP + pilar médio).

Para quem está começando e tem paciência para aprender o RmP, mas não para todo o resto, eu recomendo que continue nele (no máximo fazendo a variação banimento/invocação), até porque, sendo o único ritual que era ensinado aos neófitos, ele meio que se descolou do restante do currículo e o tanto de gente que, desde o começo do século, mesmo fora da GD, praticou e continua praticando esse ritual faz com que ele ganhe uma força a mais (a chamada egrégora). O célebre Donald Michael Kraig tem um texto bem instrutivo sobre o que o RmP ensina aos novatos e eu recomendo a leitura.

RmP pra quê?

Quais as funções e benefícios do RmP? Como dito, ele costuma ser usado antes e depois de rituais maiores, para limpeza (assim como você lava as mãos antes e depois de picar cebola), e como prática diária. Os benefícios são vários, e aqui vou citar a lista do Damien Echols em seu High Magick, porque ele faz um ótimo trabalho resumindo-os em tópicos:

  1. Higiene da aura (já falei sobre isso no texto de limpeza)
  2. Proteção energética (os pentagramas e anjos formam uma barreira contra energias/espíritos externos, mas há um efeito cumulativo em te fortalecer; o Echols compara o RmP a “encerar a lataria do carro”, e o Frater U.D. também diz que fortalece a aura);
  3. Clareza e foco mentais (“limpa o cache” mental, por assim dizer);
  4. Purificação do ambiente (faz uma limpeza preliminar no espaço, que pode ser combinada com outras técnicas, como dito anteriormente);
  5. Despertar subconsciente (você “entra em contato com partes mais profundas da sua psique”);
  6. Preparação para evocação (para o iniciante, é o primeiro contato com as forças externas dos arcanjos, e você sente quando eles respondem ao seu chamado);
  7. Equilíbrio elemental (esse acréscimo é meu: como um ritual microcósmico que invoca os quatro arcanjos para purificar as direções ligadas aos elementos, ele também ajuda a manter uma boa proporção entre os elementos na psique do praticante);
  8. Criação de um “templo” (outro acréscimo: se você fizer o RmP todos os dias num mesmo espaço, de preferência reservado apenas para práticas místicas, ele vai se tornar consagrado, o que significa que vai ser o cômodo mais tranquilo e energeticamente limpo da casa, perfeito para continuar os trabalhos).

O que ele não faz é exorcismo. Se tem alguém com coisas mais preocupantes grudadas, o RmP até pode temporariamente desconectar a pessoa dessas coisas e fazer parte de um procedimento mais profundo, mas você vai precisar de armas maiores tipo a Estela de Jeu ou algo assim.

De um banimento a banimentos

Por volta da segunda metade do século passado, a occulture inglesa já estava bem familiarizada, acredito, com o currículo da GD, da Thelema e da Wicca (que também é derivada desse contexto cerimonial inglês). Assim, quando emerge a Magia do Caos, como há um padrão bem claro observável na estrutura do RmP e Rubi-Estrela, os banimentos⁵ se tornaram um prato cheio para a obsessão estruturalista dos caoístas. Não por acaso, Peter Carroll no Liber MMM (parte do volume Liber Null & Psychonaut) dá uma breve descrição de como faz para construir o seu próprio ritual de banimento. A partir daí, muita gente já elaborou seus próprios banimentos, com frequência como variações do RmP.

Cito os exemplos:

…e por aí vai. Eu juro que já vi até um cara trocando os arcanjos pelas Tartarugas Ninjas (por favor, não faça isso).

Nem todo banimento precisa seguir à risca o template do RmP, mas ele é tão fácil de modificar que qualquer um pode criar a sua versão — infelizmente, justo por isso, eu não posso recomendar ou garantir a eficácia de nenhuma dessas variações do RmP. Agora, o porquê de se fazer isso tem a ver com crenças pessoais… o RmP invoca arcanjos e usa nomes divinos em hebraico e o Pai Nosso, há evidentes tons abraâmicos aí — o pessoal da GD era de tendência cristã, afinal, que é o contexto no qual emerge a Cabala Hermética na Renascença. O pessoal da Magia do Caos não liga (todo o sistema gira em torno de fingir acreditar nas coisas) e a maioria dos praticantes de magia não cristãos, incluindo até alguns satanistas(!), simplesmente tolera essas referências como nomes poderosos que não precisam ter nada a ver com religião. E, assim, o negócio da invocação angelical é complexo, porque, apesar de estarem associados às tradições abraâmicas, anjos (ainda mais com nomes próprios) se tornam uma presença na cultura judaica só depois do exílio na Babilônia, e o sufixo -el em seus nomes (MiguEL, RafaEL) é um nome divino que se refere ao principal deus do panteão do Levante, cujo culto fundiu-se ao de YHWH no começo da idade de ferro. Como agentes da vontade divina, eles não estão ligados em essência a nenhuma religião e a única coisa que eles querem de você é o seu desenvolvimento espiritual, independente da sua fé… então, aí tudo bem, o problema é o resto: é compreensível que alguém com um pé no neopaganismo se sinta desconfortável em usar o nome de YHWH, um deus cujas escrituras deixam muito clara a sua postura quanto à forma de lidar com outros deuses.

A Magia do Caos concebeu ainda outros métodos de banimento, de formato mais frouxo e maior amplitude. Por exemplo, o Phil Hine, neste texto, além de falar sobre o assunto em geral, ensina o método usado pelo grupo de que ele fazia parte, o “Circle of Stars”; Stephen Flowers ensina o complexo “rito do martelo” em seu livro de magia rúnica; Michael Osiris Snuffin tem a técnica simples do banimento AL-KT; Jason Miller ensina a “Esfera de Hekas” em Protection and Reversal Magick, um poderoso banimento com a invocação de Hécate; e Peter Carroll, em Liber Kaos, descreve o ritual gnóstico do pentagrama (RGP), que é uma versão mais despojada, sem nomes divinos, sem arcanjos, só o uso das vogais IEAOU. Para realizá-lo, você começa visualizando a luz em pontos do seu corpo (cabeça, garganta, coração, barriga e períneo, nesta ordem) e entoando as vogais, I, E, A, O e U (respectivamente). Então repete na ordem inversa, e esse é o equivalente à cruz cabalística. Depois você desenha os pentagramas nas quatro direções, entoando as vogais IEAOU a cada ponta do pentagrama, e termina repetindo essa “cruz”. Pode acrescentar mais coisas, mas em essência é só isso⁶.

Para iniciantes, o RGP é provavelmente a melhor pedida, afinal deu para explicar o ritual todo em 10 linhas e não demora nada para memorizar. Mas — e aí é uma irritação minha — eu sinto que falta alguma coisa, algo de mais firme no tocante ao uso de fórmulas ou mantras de limpeza e proteção, de conexão divina, em que se possa confiar. E, por mais que ele entoe vogais, um elemento sacro no hermetismo grego, que equivale uma vogal (incluindo É e Ó, como é no grego) para cada planeta clássico, não é nesse sentido que elas são usadas aqui. Pensando nisso, eu elaborei o meu próprio ritual, de inspiração hermética, ainda mantendo alguma simplicidade para facilitar o trabalho dos iniciantes, mas me valendo de fórmulas mais clássicas e neutras (sem associação religiosa específica). Ele pode ser conferido clicando aqui.

Uma última questão para abordarmos, antes que o texto fique longo demais, é a da “obrigatoriedade” do banimento. Caoístas tendem uma dar ênfase quase religiosa na sua importância, mas é uma invenção recente e as pessoas sempre fizeram e ainda fazem magia sem precisar disso — e recomendar começar uma conjuração salomônica, por exemplo, com o RmP, é uma ótima maneira de irritar os puristas de grimório, o pessoal que, no final dos anos 90, meio que no backlash da sensação de bunda-lelê da Magia do Caos, decidiu começar a seguir os textos antigos à risca. Agora, o que tende a ser regra nos grimórios é: 1) as conjurações terem um começo e um fim, que usam certas fórmulas para abrir e fechar os portões, por assim dizer; e 2) recomendarem maneiras de limpar o ambiente e a si mesmo antes e/ou depois. Essa, inclusive, é a estrutura que você pode observar na obra de Rufus Opus, por exemplo, em Seven Spheres, um grimório de evocação dos anjos dos planetas para receber suas bênçãos.

O banimento é simplesmente uma forma prática de fazer tudo isso, em algum grau, num só ritual de menos de cinco minutos independente do tipo de trabalho que vai ser desenvolvido e ainda pode ser usado diariamente para se fortalecer. Alguém com experiência pode conseguir os mesmos efeitos mentalmente, em instantes, apenas com visualização e respiração, sem necessidade de um ritual formal⁷. Um caoísta iniciante que não vá trabalhar com nada mais poderoso do que formas-pensamento como um sigilo, um servidor ou a invocação de um personagem de desenho, também não precisa de um banimento forte — qualquer coisa, incluindo o banimento das Tartarugas Ninjas, que cumpra apenas os itens 3 e 5 da lista de funções do RmP já vai servir. Porém, ao iniciante mais sério, eu recomendo escolher um banimento poderoso, se possível ligado a uma egrégora forte como o RmP, e repeti-lo até pegar o jeito e realmente sentir os seus efeitos. Não é obrigatório, mas ajuda horrores.

* * *

[1] Existe uma confusão também quanto às partes do gedullah geburah. Alguns autores dão a ordem ve-geburah ve-gedullah, associando geburah ao ombro direito. Eu prefiro a ordem que eu repassei, claro, mas eu acho que não faz grande diferença. O motivo é longo e tedioso demais para explicar agora, mas tem a ver com a Árvore da Vida da Cabala.

[2] Existe ainda uma fórmula de exorcismo babilônica, mais antiga, que apresenta essa estrutura, com Shamash, o deus do Sol, à frente, Sîn, o deus da Lua, às costas, Nergal, deus da guerra, à direita, e Ninurta, deus civilizador, à esquerda.

[3] O pentagrama “satânico”, como se vê, por exemplo, na carta do tarô O Diabo na versão Rider-Waite-Smith, é o pentagrama invertido. A ideia é que a ponta de cima simboliza o elemento do espírito, que fica acima dos outros. Ao colocar o espírito embaixo, ele se vê subordinado à matéria, que é o que é entendido como “satânico”. É muito fortuito que a cara de um bode encaixe perfeitamente dentro dele, como no famoso Sigilo de Baphomet inventado por Stanislas de Guaita e usado pela Church of Satan de LaVey.

[4] Não vou me alongar sobre isso, mas, além desses, tem um Ritual Supremo do Pentagrama que nada mais é que o ritual maior com mais coisa entulhada e usando fórmulas em enoquiano. Eu não tenho experiência com enoquiano, mas é conhecido que as fontes às quais o pessoal da GD teve acesso eram limitadas e o trabalho enoquiano deles, problemático. Como pode ver, o pessoal da GD não prezava pela elegância da estrutura ritual.

[5] Eu acho que é óbvio, mas, ao longo do texto, quando eu falo em banimentos é nesse sentido caoísta/GD de ritual no estilo do RmP. Existe um problema sério de polissemia no vocabulário no rolê mágico. Às vezes “banimento” é usado com o sentido de expulsar alguém da sua vida (estilo hot-foot powder, do Hoodoo) ou como uma limpeza pesada. Não está errado, são só usos diferentes, mas é sempre importante deixar claro o sentido em que estamos usando a palavra.

[6] Outra prática caoísta comum é encerrar os rituais com um banimento via risada (banish with laughter).

[7] Acredito que todos, ou quase todos, os rituais da GD podem ser praticados mentalmente, depois que você domina como fazê-los em carne e osso. O Jason Miller inclusive reconta como uma vez ele encorajou uma amiga, que já havia enjoado do RmP, a fazê-lo na “velocidade do pensamento” e aparentemente deu certo. Isso é uma mão na roda também para quem mora em condições que compliquem praticá-los e, assim, precisem de técnicas mais mentais. A minha recomendação, nesses casos, é fazer esses rituais com a voz e gestos e tudo o mais sempre que tiver a oportunidade (quando não tiver mais ninguém em casa, etc.) e depois treinar a sério exercícios de visualização para conseguir fazê-los mentalmente.

(Este texto foi originalmente publicado no meu Medium em 13 de abril de 2020)