sexta-feira, 9 de setembro de 2022

As preces planetárias dos sabeus em al-Tabari

 

As preces planetárias dos sabeus em al-Tabari

Ouso de fórmulas consagradas para invocação dos planetas é uma prática comum no meio da magia astrológica. Há quem goste dos hinos órficos – antigos poemas religiosos utilizados nos ritos dos mistérios de Orfeu na antiguidade –, selecionando os 7 hinos referentes aos deuses associados a cada planeta, Selene, Hermes, Afrodite, Hélios, Ares, Zeus, Cronos. Esse é, por exemplo, o método preferido por Rufus Opus, em seu Seven Spheres, mesmo enquanto trabalha com os arcanjos planetários da tradição ocidental, que constam em Agrippa e no Heptameron e não têm muita coisa a ver com os ritos de mistério grego. Outra opção muito popular são as invocações do onipresente Picatrix (apesar da menção bizarra a uns anjos planetários que não constam em nenhuma outra fonte), e há também quem recorra às fórmulas, breves e um pouco mais coercitivas, da Hygromanteia (sobre a qual já falamos aqui). E o maravilhoso Sam Block também tem um texto no seu blog sobre o assunto (link aqui), onde constam suas próprias preces diárias.

Hoje vamos ver uma possibilidade um pouco menos conhecida, que são as preces planetárias dos sabeus, registradas em al-Tabari. Mas… primeiro de tudo, quem são os sabeus[1]?

(Caso vocês queiram só ver as preces, podem pular essa introdução e ir direto para o final aqui do texto, que elas estão lá. Nós vamos precisar de um pouco de explicação histórica e bibliográfica).

Bem, tudo começa com uma cidade chamada Harran, na antiga Mesopotâmia, cujas ruínas se situam a 40 km a sudeste da cidade de Edessa, hoje Urfa, na Turquia. Harran foi construída por volta de 2000 a.C., como um entreposto para comerciantes de Ur, consagrada ao deus lunar Sîn, e há quem especule que fosse a cidade do patriarca Abraão. Como muitas cidades-Estado, Harran passa de mão em mão na Antiguidade, sendo incorporada aos impérios babilônico e assírio, depois persa, até ser helenizada pela conquista de Alexandre, o que resultou numa grande mistura de filosofias religiosas ao longo dos séculos. Já na era comum, depois de Cristo, Harran era conhecida por manter-se pagã, em oposição à sua vizinha Edessa, onde havia uma forte cultura cristã. E, ao que tudo indica, esse paganismo era sobretudo orientado por um trabalho devocional planetário, extrapolando uma relação já cimentada no paganismo mesopotâmico entre alguns dos principais deuses do panteão e os 7 planetas, que é a seguinte:

  • A Lua (arẖu em babilônico) sendo domínio de Sîn, obviamente;
  • Mercúrio (šiẖtu, “o que salta”), de Nabu/Nebo, deus da escrita;
  • Vênus (dilbat), de Ishtar;
  • O Sol, de Shamash (cujo nome é literalmente Sol, cognato do šemeš hebraico e šams árabe);
  • Marte (ṣalbatanu, “o estranho”), do deus guerreiro Nergal;
  • Júpiter (dapinu, “o heroico”), de Marduk, rei dos deuses na Babilônia;
  • Saturno (kayamanu, “o constante”), de Ninurta, guerreiro, mas também divindade civilizadora e agrícola.
Estela calcária mostrando uma libação ao deus solar Shamash. (fonte)

A esse culto, foi somada ainda uma forte influência hermética, atestada por alguns nomes do período medieval. Minha fonte aqui é o livro City of the Moon God, da pesquisadora Tamara Green, publicado pela respeitada editora Brill (um livro que eu recomendo muito, aliás, para as duas ou três pessoas que têm interesse sobre o assunto). Diz ela: “Mas o mais importante é que (…) o que Mas’udi e Biruni descrevem como as crenças harranianas não são gnosticismo, mas sim hermetismo, um hermetismo avivado por uma forte dose de neoplatonismo e doutrina neopitagórica” (p. 116).

Em outro ponto do livro, Green conclui que “Harran seria um lugar provável para o desenvolvimento de uma tradição hermética local (…). As deidades planetárias desempenhavam um aspecto essencial tanto nos lados teórico e prático do hermetismo, e as tradições religiosas da cidade devem ter fornecido um terreno fértil para o seu desenvolvimento” (p. 90).

OK, até aí tudo bem, né? Mas de onde saiu o nome “sabeus”? Então, o termo parece vir do islã. Como se sabe, consta no Corão que os povos para os quais os muçulmanos devem demonstrar tolerância são os “povos do livro” (Ahl al-Kitab), o que inclui seus antecessores abraâmicos do cristianismo e judaísmo, mas também às vezes os “magianos” e os tais dos “sabeus”, sobre os quais nada se sabe. A história oficial (e provavelmente fictícia, mas uma boa história, ainda assim) é contada pelo bibliógrafo do século X Ibn al-Nadim em seu Catálogo (Kitab al-Fihrist): no século IX, al-Ma’mun, a caminho de Bizâncio, teria visitado Harran e interrogado o seu povo quanto à sua religião. Ao descobrir que não eram nenhum dos povos do livro, o califa propõe que devem se converter a uma dessas religiões ou serão massacrados, escravizados e tudo o mais. De fato, alguns se converteram ao islã e ao cristianismo, mas um xeque muçulmano que habitava Harran deu uma dica aos que mantiveram sua fé original: digam que são sabeus e serão poupados. Al-Ma’mun nunca voltou para verificar, mas desde então ficou a identidade: os harranianos seriam sabeus, e seu profeta, ninguém menos que Hermes Trismegisto, identificado como Idris entre os muçulmanos – uma figura dotada de um papel importante em meio às práticas e teorias mágicas do mundo árabe medieval, como atesta o surgimento da famosa Tábua de Esmeralda nesse contexto. Há algumas menções aos sabeus no Picatrix, dada sua fama como mestres da magia astrológica[2].

A menção aos sabeus no Corão (fonte)

Para quem tem interesse sobre o assunto, além do livro de Tamara Green sobre os quase 3000 anos da história da cidade, há um artigo de David Pingree mais especificamente sobre a questão do sabianismo, intitulado “The Ṣābians of Ḥarrān and the Classical Tradition” (ele aparece no Jstor, mas não está disponível de graça (canalhas!) e também não consta no repositório do Sci-Hub, mas dá para achar o .pdf neste link aqui).

Agora, sobre as preces planetárias em si, nossa fonte é outro texto do David Pingree, um artigo de 1992 publicado no Bulletin d’études orientales intitulado “Al-Tabari on the prayers to the planets” (esse dá para ler no Jstor). O material foi compilado por um astrólogo chamado Umar ibn Farruhan al-Tabari, da região do Tabaristão, província iraniana, e traduzido para o latim por um tal Theodosius archiepiscopus Sardiensis, sob o título Liber de locutione cum spiritibus planetarum (“Livro para falar com espíritos planetários”). Pingree compila o texto a partir do manuscrito II. iii. 214, ff. 33-35, da Biblioteca Nacional de Florença, datado do século XV. Eu não cheguei a verificar o quanto essas preces se aproximam ou se afastam do que encontramos no Picatrix (aparentemente há algum grau de incorporação e divergência), mas uma rápida pesquisa na tradução do Picatrix latino mostra que o material de al-Tabari não aparece ipsis litteris, pelo menos.

Sem mais delongas, então, seguem as preces planetárias dos sabeus em latim, segundo al-Tabari. A tradução é obra de um grande amigo meu (além de poeta, tradutor e professor) Guilherme Gontijo Flores (mil agradecimentos para ele por ter quebrado esse galho para mim).

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Saturno

Cumque fumat, hec oratio non taceatur: O fulgens huius stelle spiritus cuius nomen est magnum, cuius quoque regnum maximum est, in gradu tue exaltationis existens! Et o tu, Saturne, frigide et sicce et lubrice et male et in omni re viridice, tu qui es super omnes virtutes tardeque incedens! Et tu es attribuens omni homini omne malum quantum ad vim tue nature est, a quo omnis delectatio et gaudium ablata est. Tu etiam subdole atque honeste sapiens, senex et in omni malitia laborans, bonis bonum et malis malum tribuens, quamvis hoc secundum qualitatem tue existentie. Deprecor te, pater magne, per nomen creatoris tui magnum et per alacritatem tuam ut huc ad me venias et de omnibus que interrogavero mihi verum indices. Quibus interdictis, actor super fatiem suam corruat creatorem adorans; et statim apparebit ei ymago hominis quasi senis in omnibus que voluerit concedentis. Sed secundum illud quod prius interrogaverat hec omnia in die Saturni et eius hora fient.

(tradução)

E enquanto defuma, não cale esta oração: “Ó reluzente, cujas estrelas são o espírito, cujo nome é grande, cujo reino também é o maior, existente no passo [grau] da tua exaltação. E ó tu, Saturno, frio e seco e lúbrico e mal e verde [precoce/imaturo] em todas as coisas, tu que estás sobre todas as virtudes e avanças lento! E tu que atribuis a cada homem todo o mal que está na força da tua natureza, da qual foi suprimido todo deleite e todo gozo. Tu também, sábio de modo doloso e honesto, velho que opera em toda malícia, atribuindo o bem aos bons e o mal aos maus, embora segundo a qualidade da tua existência. Peço-te, grande pai, pelo grande nome do teu criador e pela tua alacridade, que até aqui venhas a mim e me digas a verdade de tudo que te interrogar”. Dito isso‚ o agente prostre-se sobre sua face adorando o criador; e imediatamente aparecerá para ele a imagem de um homem como que velho, concedendo tudo que quiser. Porém, segundo aquilo que primeiro interrogar, todas essas coisas no dia e na hora de Saturno acontecerão.

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Júpiter

Et in fumigatione hec oratio dicatur : O domine benedicte, calide et mollis, temperate, formose, sapiens, domine veritatis et fidei, quem necesse est timere, cuius voluntas est ampla, qui omnia recto ordine disponis, qui etiam omnibus habundanter que necessaria sunt eis tribuis et largiris, qui etiam in omnibus perseveranter adiuvas, cuius natura bona in fide stabilitate perdurat! Deprecor te, pater per naturas tuas bonas et tua facta bona ut quecumque te interrogavero mihi absque dubio rationabiliter respondeas. Quibus completis, in fatiem suam corruat adorando creatorem; et apparebit ymago Iovis respondentis interroganti.

(tradução)

E na defumação diga esta oração: “Ó senhor bendito, quente e suave, temperado, formoso, sábio, senhor da verdade e da fé, que é necessário temer, cuja vontade é vasta, que dispões tudo na ordem reta, que também atribuis e amplias com abundância para todos o que é necessário, que também ajudas com perseverança a todos, cuja natureza boa perdura na fé com estabilidade. Peço-te, pai, pelas tuas boas naturezas e teus bons feitos, que tudo que te interrogar me respondas racionalmente sem ambiguidade”. Terminado isso, prostre-se sobre a sua face adorando o criador; e aparecerá para ele a imagem de Júpiter respondendo a quem pergunta.

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Marte

Et in turibulo fumigetur dicendo: O domine bone, sicce et calide, qui omni impleris audatia et sanguinem etiam fundis, qui omnem masculum adeuntem doctrina adimples, qui es omnis mali et maleficii dominus et interfectionis, qui omne mendatium adimples et malum, qui etiam arma queris et multum timeris! Precor te, pater, per bonitatem nature tue ut que a te voluero interrogare michi veraciter facias. Deinde adoret Deum actor ut dictum est; et apparebit ymago Martis respondentis.

(tradução)

E fumegue no turíbulo dizendo: “Ó bom senhor, seco e quente, que tudo enches de audácia e também derramas o sangue, que preenches de doutrina todo macho que se aproxima, que és o senhor de todo mal e malefício e matança, que tudo preenches de mentiras e males, que também buscas as armas e és muito temido! Peço-te, pai, pela bondade da tua natureza, que o que eu quiser te perguntar me entregues com verdade”. Depois o agente adore a Deus como se disse; e aparecerá a imagem de Marte a responder.

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Sol

Et in turibulo fumigetur cum hac oratione: O domine calide et sicce, omne lumen mundo prebens, qui es in omnibus benignus et quasi mulier verecunda et regina, formosus et mundissimus et sapientissimus, qui omnem fidem tenes, cuius etiam regnum semper durabit, cui omnes alie stelle cum a te ellongantur statim ad te revertuntur; etiam antequam ad te appropinquant in lumine tuo illas comburis. Quinque in medio situs circulos omnes spirituum lumine magno relucere facis. Tu etiam quasi domina et regina in omnibus spiritus alios lumine tuo superas. Et quando aliquem respicis, spiritum proficis ei; quando vero tibi coniungitur, noces ei; cuius circuli magnitudo humano ingenio comprehendi non potest. Deinde actor Deum adoret ut dictum est et petat que debet; et impetrabit.

(tradução)

E defume no turíbulo com esta oração: “Ó senhor quente e seco, que ofertas toda luz ao mundo, que és benigno com todos e como que uma mulher régia e venerável, formoso e puríssimo e sapientíssimo, que manténs toda fé, cujo reino também durará para sempre, para quem todas as outras estrelas assim que se afastam longo a ti retornam; também antes que se aproximem em tua luz as consomes. Com tua grande luz fazes no centro reluzirem todos os círculos de espíritos. Tu também, como que uma senhora e rainha, superas em tudo com tua luz os outros espíritos. E quando vês alguém, avanças-lhe o espírito; porém quando te cabe, tu o feres; cuja grandeza do círculo não pode ser compreendida pelo engenho humano”. Depois o agente adore a Deus como se disse e peça o que deve; e ele concederá.

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Vênus

Et tritum cum aqua roris confitiatur ut fiat massa in turibulo cremanda ad furnum cum hac oratione: O domine mollis, frigida et temperata, cuius fulgorem nullus plenarie prospicere potest, que etiam inter ceteros spiritus bona et bene creata es, que etiam es domina ridens totius pulcritudinis, scilicet auri et omnis rei preciose et omnis delectationis et ludi et cantus! Tu etiam es totius veritatis domina et omnis concordie et delectationis, cuiusque proprietas est vinum et libidinem exercere; et omni ludo gaudes. Michi huic loco angelum unum mitte me non deterrentem, sed quecumque interrogavero ad tuam naturam pertinentia manifeste detegentem. Deinde prostratus adoret creatorem; et apparebit ymago Veneris cum eo loquentis.

(tradução)

E que se confite um pó com água de orvalho, até fazer uma massa a ser queimada no turíbulo até o forno com esta oração: “Ó senhora suave, fria e temperada, cujo fulgor ninguém pode observar plenamente, que também entre os outros espíritos foste criada boa e bem, que também és senhora sorridente de toda beleza e certamente de todo ouro e de toda coisa preciosa e de todo deleite e jogo e canto! Tu também és senhora de toda verdade e de toda concórdia e deleite, cuja propriedade é empregar o vinho e o desejo; e gozas com todo jogo. Manda até mim neste local um anjo que não me assuste, mas que desvele com pertinência e abertamente tudo que eu perguntar à tua natureza”. Depois prostrado adore o criador; e aparecerá a imagem de Vênus a falar com ele.

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Mercúrio

Et misceantur et in turibulo fumigent cum hac oratione: O domine bene eloquens et sapiens et in omnibus perficere intelligens omnia que scientie vel scripture pertinent, qui etiam diceris sapientissimus in omnibus que a celo superiori usque ad terram continentur, et qui raro gaudes, et qui omni pecuniam acquirere volenti semper non proficere sed magis cupis nocere, et mercatoribus noces! Tu, domine totius scientie et in illa quasi subdole, cuius naturam numquam humana ratio potest concipere nec in verbis explicare quoniam cum spiritibus bonis bonum et cum malo malum operaris; cum masculis masculus, cum feminis femina, cum diurnis diurnus, cum nocturnis nocturnus, naturam tuam permiscens omnibus naturam tuam scire volentibus in ratione animi inmittis in errorem, et cum quibus permistus fueris secundum naturam eorum operaris. Esto michi presto et placatus ut, quandocumque te amicum cum devotione interrogavero, michi vultu placido respondeas et sis michi presens, propitius, adiutor et defensor et rector post Deum et a Deo dante te mihi. Et respondeas michi semper in omni questione mea, et satisfatias mihi citissime et verissime. Hec fiant in die Mercurii et eius hora, eo bene locato in aliqua dignitate sua, libero a malis. Et adoret Deum creatorem pronus in terram; et veniet ut dictum est.

(tradução)

E misturem-se e no turíbulo defumem com esta oração: “Ó senhor muito eloquente e sábio e inteligente para em tudo realizar tudo que diz respeito à ciência e à escritura, que também és chamado de sapientíssimo em todas as coisas que estão contidas entre o céu superior e a terra, e que raramente gozas, e que mais preferes ferir do que ajudar a quem deseja sempre ganhar dinheiro, e que feres os mercadores. Tu, senhor de toda ciência e nela como que doloso, cuja natureza jamais a razão humana pode conceber nem explicar com palavras, porque operas o bem com espíritos bons e o mal com o mau; macho com machos, fêmeo com fêmeas, diurno com diurnos, noturno com noturnos, misturando tua natureza com todos que desejam conhecer tua natureza, levas ao erro na razão do ânimo, e quando estás misturado conforme a natureza deles operas. Sejas presto e aplacado comigo, sempre que com devoção te pergunto como a um amigo, e me respondas com vulto plácido e sejas presente, propício, auxiliador e defensor e corretor depois de Deus, se Deus te concede a mim. E me respondas sempre em toda questão minha, e satisfaças-me rapidíssimo e veríssimo”. Tais coisas se façam no dia e na hora de Mercúrio, bem alocado em alguma dignidade sua, livre de males. E adore o Deus criador prostrado na terra; e virá, como se disse.

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Lua

Et cum hac oratione cremetur: O domine scientie et mollis, temperate, rex formosissime et in fide semper constans, cuius natura delectationem et gaudium non despicit! Tu, domine, cui omne mandatum et mandati nuntius subiectus est, consiliorum doctor, inter vii spiritus concordiam et rectitudinem tenens, cuius interpositio lumen aliorum spirituum obfuscat-tua autem cum aliquo illorum coniunctio maliciam mali aufert et boni benivolentiam auget. Cum ergo omnium illorum sis primus, te tota mentis devotione suppliciter rogo ut quecumque te interrogavero mihi manifeste dicere non retardes. Et prostratus Deum adoret; et veniet.

(tradução)

E queime com esta oração: “Ó senhor da ciência, também suave, temperado, rei formosíssimo e sempre constante na fé, cuja natureza não despreza o deleite e o gozo! Tu, senhor, a quem é submisso todo mandato e o núncio do mandato, doutor dos conselhos, que deténs concórdia e retidão entre sete espíritos, cuja interposição ofusca o lume dos outros espíritos – enquanto a tua conjunção com algum deles toma a malícia do mau e aumenta a benevolência do bom. Como és o primeiro de todos eles, a ti com toda devoção da mente eu suplicante rogo que me digas abertamente e sem demora tudo que perguntar”. E prostrado adore a Deus; e virá.

* * *

[1]. Quem tem algum contato com a astrologia moderna é capaz de já ter ouvido falar desse nome por conta dos tais “símbolos sabeus”, um conjunto de 360 imagens e símbolos misteriosos associados, cada um, a um grau do zodíaco. Não quero diminuir o mérito das possíveis utilidades e aplicações mágicas e oraculares desses símbolos, mas é importante lembrar que estes são uma criação moderna, tendo sido o resultado da colaboração, no começo do século XX, entre uma clarividente e um astrólogo, Elsie Wheeler e Marc Edmund Jones. Como qualquer outro material “canalizado”, especialmente quando há norte-americanos envolvidos que recebem supostas mensagens de um antigo povo do Oriente Próximo, é bom interpretá-lo com um grão de sal e diferenciá-lo do material mais genuíno. A ironia em mencionar esse disclaimer é que, como fica claro, dado o que pouco se sabe das práticas dos sabeus, também não tem como atestar a legitimidade do material de al-Tabari, mas certamente podemos falar em termos de uma maior proximidade cultural.

[2] Um outro grupo, este ainda remanescente, que também reivindica a identificação como “sabeus” são os mandeus, praticantes do mandeísmo, uma etnorreligião do Iraque que tem São João Batista como seu principal profeta, considerada a última sobrevivência do gnosticismo.