sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Formas-pensamento, sigilos e nuvens psíquicas

 

Formas-pensamento, sigilos e nuvens psíquicas

Em uma dada cena do clássico A Montanha Sagrada, de Alejandro Jodorowsky  —  o tipo de produção cult que, como a animação The Midnight Gospel, atrai igualmente o público místico e brisado  — , o personagem do alquimista, interpretado pelo próprio diretor, explica ao seu grupo de iniciados que os nossos pensamentos têm formas. Quando eu vi esse filme pela primeira vez, por volta de 2007 ou 2008, é claro que eu ainda não sabia direito o que ele queria dizer com isso… parecia só mais uma das incontáveis cenas viajadas do filme. A cena é breve e não há maiores explicações, quem entendeu entendeu, quem não entendeu, paciência. Mais tarde, porém, eu viria a me deparar com o termo “forma-pensamento”, do inglês thought-form, constantemente nos meios da Magia do Caos, onde ele se tornou parte integral do léxico caoísta e uma parte substancial do trabalho mágico de boa parte desse pessoal. Mas, antes de explorarmos a questão mais profundamente, é importante conferirmos um pouco de história.

Apesar de a maioria dos caoístas hoje provavelmente ter pouquíssima boa vontade para com a Teosofia, é nesse rolê que o conceito aparece pela primeira vez, pelo menos de forma divulgável1. Annie Besant e Charles Leadbeater, dois membros, algo dissidentes, da Sociedade Teosófica, foram os autores de um livrinho que acabou se tornando imensamente influente chamado Thought-Forms: A Record of Clairvoyant Investigation. Em português, o título saiu como Formas de Pensamento (pela editora… Pensamento), mas o conceito thought-form hoje costuma ser traduzido como “forma-pensamento” mesmo, com hífen. Publicado em 1901, ele reúne os achados dos experimentos que a dupla vinha conduzindo desde 1895, tendo já publicado alguns desses resultados na revista teosófica Lucifer em 1896. 

A ideia do Formas de Pensamento é simples: a cientista Megan Watts Hughes, no final do século XIX, estava empenhada em tornar visíveis as formas do som. Para isso, ela havia recorrido a alguns mecanismos, dos quais o mais famoso foi o “eidofone”, que utilizava placas vibratórias com areia, que reagia à vibração da música produzindo imagens. Besant e Leadbeater, que citam Hughes em seu livro, partem do princípio de que o pensamento funciona de maneira semelhante no mundo invisível, na medida em que o seu processo tem como subprodutos certos objetos constituídos de matéria oculta (etérica, astral ou mental) que ficam na nossa aura. Assim, compreendendo que essas criações podem ser vistas por pessoas com a clarividência aberta, eles pegaram alguns desses clarividentes e acompanharam para testar o que eles observavam diante de pensamentos ligados a vários sentimentos diferentes, da raiva, da avareza e da depressão até o afeto e devoção. Junto com as discussões teóricas sobre o assunto, o livro é acompanhado por ilustrações de três pintores (Varley, Prince e McFarlane), que registraram essas descrições.


Formas-pensamento visualizadas ao se ouvir a abertura de Die Meistersinger von Nürnberg, de Wagner. Ilustração retirada do volume Formas de Pensamento.

O termo mais tarde aparece ainda em outras obras influentes para o ocultismo contemporâneo, como os livros de William Walker Atkinson (o mestre da corrente New Thought e provável autor do Kybalion) e a tradução célebre de Evans-Wentz do Bardo Thodol, o “Livro Tibetano dos Mortos”, de 1927. No mundo da arte, com o começo da ascensão do modernismo, as ilustrações desse voluminho também moldaram as concepções artísticas de nomes famosos, como Malevich, Kandinsky e Mondrian. 

Nessa interface entre arte e ocultismo, não podemos deixar de mencionar ainda Austin Osman Spare, o artista e mago inventor da técnica da magia de sigilos, que foi influenciado por essas ideias ao conceber o seu Alfabeto do Desejo. E também na Cura Prânica, as formas-pensamento são um conceito importantíssimo, por conta de questões terapêuticas, que iremos considerar daqui a alguns parágrafos. As minhas referências para este texto agora partem do livro de Besant e Leadbeater e dos livros do Master Choa Kok Sui, Psicoterapia Prânica, (o terceiro livro a ser lido na sequência de aprendizado na escola) e Autodefesa Psíquica Prática, além de, como sempre, também da minha experiência pessoal e as discussões de casa aqui com a Maíra.

Certo, então, mas qual é a dessas formas-pensamento? Como elas se formam? Do que são feitas? Como se comportam? Dizem Besant e Leadbeater:

“Todo impulso que brote do corpo mental ou do corpo astral cria imediatamente uma espécie de veículo temporário, que se reveste dessa matéria vitalizada. Assim, um pensamento ou impulso se converte durante determinado tempo numa espécie de entidade vivente, cuja alma será a forma de pensamento, e a matéria vivificada, o corpo.”

Ainda segundo os autores, a qualidade do pensamento determina sua cor, sua natureza determina a forma, e a nitidez da sua forma depende do quanto o pensamento é vago ou bem definido. Um elemento importante dessas criações é o componente emocional, de modo que essas formas surgem não apenas de acordo com o que nós entendemos de maneira mais estrita como pensamentos, como expressões verbalizadas do tipo “que será que eu vou almoçar hoje?”. Quem entende um pouco de teoria literária sabe que, na época em que Besant e Leadbeater estavam realizando esses experimentos, esse período da viradinha do século, alguns escritores como Édouard Dujardin, autor de Les lauriers sont coupés (1888), estavam experimentando com a técnica romanesca do fluxo de consciência. A ideia por trás dessa técnica, como ela emerge nesse período e depois é incorporada por autores importantes do modernismo como James Joyce e Virginia Woolf, é a de que o nosso pensamento e impressões não surgem prontos e verbalizados, logo as representações literárias clássicas de monólogos interiores como se vê no romance do realismo seriam, na verdade, estilizações pouco realistas. Por isso, para esses nomes, era esteticamente interessante explorar métodos menos estruturados de construção verbal, a fim de refletir essa qualidade mais vaga e fragmentada do pensamento enquanto ele emerge. O personagem, por exemplo, pode ver algo que tem um efeito sobre sua consciência (um objeto que o lembre de alguma coisa ou que lhe cause terror e pânico) e, em vez de refletir de forma expositiva sobre o assunto, apenas encadear uma série de palavras ou imagens, representando os sentimentos e associações que ele faz, conforme emergem em sua mente.

O ponto a que eu quero chegar aqui, com esse exemplo literário, é que pensamentos não são frases frias e neutras consideradas racionalmente, mas um material que mobiliza os nossos afetos, e isso é mais importante, inclusive, do que o seu conteúdo verbal, se ele existir. Desta maneira, segundo a teoria de Besant e Leadbeater, uma forma-pensamento de devoção, por exemplo, teria uma cor azul celeste, formando algo como um cone em torno da pessoa, com a ponta puxando para o céu, enquanto uma forma-pensamento ligada à raiva seria vermelha e direcionada para o motivo da raiva, o desafeto, etc. E assim por diante. Emoções, sentimentos e experiências sensoriais como a música, tudo isso produz formas-pensamento, e o livro registra, inclusive, algumas formas complexas produzidas por sinfonias. 

Essa parte da teoria, no tocante a formas e cores, é fascinante, sim, mas eu não acho que seja a mais interessante, afinal as correspondências de cor provavelmente derivam de elementos culturais que moldam a visão de mundo do clarividente, e eu acho improvável que um clarividente europeu e outro chinês, que vai ter uma outra relação com as cores, teriam a mesma codificação cromática. Mais interessante, eu acredito, é observar questões estruturais quanto ao comportamento das formas-pensamento, como a força com a qual elas se manifestam. Um pensamento breve e aleatório que você tenha na rua — por exemplo, uma pessoa que passe e você pense, “que pessoa bonita” — não vai ter a mesma força que uma velha obsessão, nutrida por anos a fio. Como diz Damien Echols, a nossa energia vai para onde direcionamos nossa atenção (poderíamos pensar numa analogia com um jardineiro e as plantas do jardim, que vão vingar ou morrer de acordo com a atenção que lhes for dada), e isso é válido para formas-pensamento.

Desse modo, entende-se que a forma de um pensamento aleatório, que não recebe muita atenção, surge de repente e se dissipa tão rápido quanto surgiu. Agora, pensamentos mais tenazes, que chamem a nossa atenção por qualquer motivo, mundano ou esotérico, desde a conjuntura econômico-social às configurações astrológicas e os acontecimentos biográficos que moldam nossa personalidade… bem, essas formas-pensamento recebem maior energia e se tornam mais fortes e mais visíveis na aura. O efeito, como muita coisa no mundo energético, é de retroalimentação: a forma-pensamento chama atenção e torna-se mais forte ao receber essa atenção, o que faz com que ela ganhe um maior poder de influência e possa receber mais atenção, e assim por diante. Como é de se imaginar, isso traz consequências para o nosso bem-estar mental e até mesmo físico, que veremos daqui a pouco. 

Agora, vamos a uns exemplos para ilustrar isso. Como dito, um pensamento que você tenha — e que seja tão emocionalmente carregado e importante para você a ponto de se tornar uma obsessão — vai receber energia o suficiente para crescer e te influenciar, de modo que ele pode, inclusive, se tornar algo que você veja, para bem ou para mal, como uma parte integral da sua personalidade. Uma forma-pensamento do tipo “eu sou um lixo”, se alimentada por tempo o suficiente, vai causar sentimentos de baixa autoestima que são difíceis de resolver só racionalmente (e, por isso, técnicas de cura energética, mesmo as que não são tão poderosas, costumam ajudar muito nesse quesito). O Mestre Choa, em seu Autodefesa Psíquica, cita um causo de uma família em que os pais, por mais que dissessem que amavam a filha, a criticavam constantemente. O que acontece nesse caso é que, como o emissor e o receptor estão juntos, num mesmo espaço, surgem duas formas emaranhadas nesse campo compartilhado, uma forma ligada ao pai, o emissor da crítica, e outra à filha, que a recebe e concebe uma forma reativa com base nos sentimentos suscitados pela crítica. Quando separados, cada um levará consigo a sua própria forma — imagine-as mais ou menos como balões, ligados por um fiozinho — que continuará sendo alimentada por sua atenção e estimulando 1) o pai a continuar fazendo críticas à filha e 2) a filha a ter sentimentos de baixa autoestima. A questão, é claro, que essa forma-pensamento de baixa autoestima só será formada se a pessoa tiver abertura energética para isso, o que depende dos inúmeros fatores já citados. Ela, inclusive, pode ter formas-pensamento contrárias suficientemente fortalecidas que não vão permitir que a forma de baixa autoestima se fixe. Com algumas técnicas, como as ensinadas no livro, também é possível evitar que isso ocorra.

Um outro caso interessante é o da publicidade. Os anúncios e propagandas com suas imagens, logos, jingles e slogans procuram chamar a nossa atenção, gerar um efeito emocional e criar formas-pensamento que despertem em nós o desejo pelo produto ou serviço sendo oferecido. Como todo mundo bem sabe, a chave da publicidade não é fazer com que as pessoas desejem um produto ou serviço específico, mas a experiência emocional associada a ele — pense, por exemplo, nas imagens do caubói de Marlboro cavalgando por paisagens belíssimas e os sentimentos de liberdade e masculinidade indomada que elas evocam e não têm lá muito a ver com o ato de fumar um rolinho de tabaco comprado numa padaria. Ao sermos expostos a essas propagandas, criamos formas-pensamento relacionadas que crescem e se fortalecem na base da repetição. Para algumas pessoas, o efeito é nulo (há outras coisas que podem impedir que essas formas se fixem), mas quem já viu fã de marcas famosas discutindo ferrenhamente na internet sabe que essas coisas têm um efeito poderoso sobre a nossa consciência. Mesmo que essas formas sejam removidas de uma pessoa (e elas podem ser removidas), se isso ocorrer de maneira drástica, há chances de ocorrer um backlash sério, e a pessoa se sente como se uma parte dela tivesse morrido.

Antes de prosseguirmos com as reflexões sobre o lado terapêutico do trabalho com as formas-pensamento, precisamos falar ainda de outra característica delas, que é a capacidade de se reunir e formar o que se chama de nuvens psíquicas.

Como qualquer um que já tenha tentado meditar já percebeu, a mente humana é muito produtiva e tem dificuldade em parar de pensar ou sentir coisas. Assim, incontáveis formas-pensamento são produzidas todos os dias… muitas mínguam e desaparecem, mas várias persistem e são continuamente alimentadas, de modo a povoar a nossa aura (e os nosso chakras, onde elas se alojam de acordo com a sua qualidade). Isso, inclusive, é um dos elementos envolvidos naquelas percepções sutis que o discurso popular descreve como a vibe da pessoa, uma das coisas que faz com que “bata (ou não) o gênio”. Tem gente que é tão tranquila que nós já ficamos mais tranquilos só de ficar por perto. Já outras pessoas são tão agitadas, tão ligadas no 220V, que, mesmo aparentemente em repouso, você sente a agitação interna delas de longe. E por aí vai. Assim, é mais fácil influenciar esses indivíduos com formas-pensamento afins do que contrárias — é mais fácil fazer uma pessoa naturalmente irascível sentir raiva, que já está com a aura povoada de formas-pensamento de raiva, do que uma pessoa plácida.

Nuvens também podem se formar em locais, conforme as formas-pensamento são emitidas e passam a povoar o ambiente, unindo-se a outras formas afins, o que igualmente influencia o modo como a gente se sente nesses espaços. Mas aí é claro que há outros fatores envolvidos — o fluxo de energia do local, como ditado pelos termos do feng-shui, sua limpeza ou sujeira, os elementais e espíritos residentes, etc. Via de regra, é difícil não ser afetado pela grande sensação de pressa e movimento quando entramos, por exemplo, numa rodoviária, mesmo depois que já passou o horário de funcionamento, o que não é uma surpresa para ninguém, afinal esse é o tipo de local por onde passamos muito brevemente e com um monte de preocupações quanto a horário, bagagens, etc., etc. Também são espaços de reencontro e despedidas, o que lhes confere um aspecto agridoce que eu imagino que todo mundo já tenha sentido.

Por fim, vale mencionar as nuvens sazonais, que se formam ligadas a grandes acontecimentos antecipados pelo público. O maior exemplo disso é o Carnaval no Brasil. Todas as pessoas que vão pular Carnaval e que esperam o ano todo pelo evento geram essas formas-pensamento ligadas a essa sensação e a todas as emoções, especialmente de natureza mais sexual, que giram em torno disso. O resultado é que, mesmo que você seja uma pessoa tranquila e que more fisicamente longe dos espaços onde as pessoas comemoram mais, ao chegar fevereiro, você vai sentir algo desse movimento todo, meio como o equivalente astral de encontrar glitter na roupa, nem que seja uma leve ansiedade, um “fear of missing out”, uma vontade inexplicável de sair, por mais que você odeie sair ou tenha tido experiências ruins em Carnavais passados. Com os feriados de fim de ano, Natal e Ano Novo, acontece a mesma coisa.

Formas-pensamento negativas

Como dito no meu texto sobre limpeza, para os praticantes de técnicas de cura energética, a poluição energética é um fato, e há muitas formas de se acumular o que pode ser descrito como “energia negativa”, que é negativa pelo simples fato de que faz mal. Por mais que hoje haja uma tendência no pensamento esotérico em se assumir uma visão mais pluralista do tipo “nada é essencialmente negativo, é uma questão de lugar, etc.”, na prática existem sim forças que são nocivas à vida e ao bem-estar. Elas podem ter um papel maior e não serem malignas num sentido cósmico, mas, assim como um vulcão, são coisas que você não quer por perto. Em alguns casos, é possível transmutá-las em coisas positivas — a raiva, por exemplo, pode abrir caminho para a coragem, mas isso é um mérito da pessoa que é capaz disso, pois, na maioria das vezes, ela apenas tira o nosso sono mesmo, causa ânsia de vômito, dor de estômago e ranger de dentes. Como era de se esperar, portanto, existem formas-pensamento que também vingam na sujeira.

Agora vou propor um exercício mental, em que vamos imaginar uma pessoa hipotética numa situação perfeita para proliferar formas-pensamento negativas. Esse exercício, friso, é mental. Não é pra ninguém aqui recriá-la, porque o estrago seria grande.

Vamos pensar numa frase extremamente negativa, por exemplo: “eu sou um lixo e mereço morrer”. Se você nunca pensou isso, eu fico muito feliz por você, sua saúde psíquica está em dia. Para muita gente que lida com transtornos diversos, no entanto, esse tipo de pensamento é quase uma forma de pontuação mental. Para quem faz parte do primeiro grupo, pensar e dizer essa frase não vai ter grande efeito. Para quem está no segundo grupo, a coisa é mais complicada. Mas é perfeitamente possível alimentar esse pensamento até que ele possa te afetar mesmo se você não tiver um histórico prévio de transtornos mentais. 

Imagine, pois, a seguinte situação: uma pessoa que decidiu que vai transformar o seu quarto nesse criadouro perfeito de lixo astral. Ela começa se trancando no quarto, com a cortina fechada, para não entrar luz do Sol, nem ar fresco. Ela passa o dia sem sair de lá (no máximo indo à cozinha pegar comida ou ao banheiro), para de tomar banho e alimenta-se mal, vivendo de coisas hiperprocessadas tipo salgadinho, nuggets, pizza congelada. Essa pessoa em questão começa a passar boa parte do seu tempo pensando em todos os episódios dolorosos da sua vida, coisas ruins que lhe aconteceram e momentos em que passou vergonha e fez coisas desonrosas. Ela começa remoendo esses momentos e ampliando as suas proporções em sua vida, pensando em todas as pessoas que lhe fizeram mal, sem perdoá-las, nem enxergá-las de forma empática. Com o tempo, vem uma perspectiva extremista, “preto no branco”, como se o mal que lhe foi feito foi apenas por essas pessoas serem essencialmente ruins. O mundo é essencialmente ruim, e Deus, se existir, é ruim também por permitir que essa gente ruim seja ruim de forma descontrolada. Então ela passa a alimentar rancor e fantasias violentas de vingança, com detalhes. Depois, claro, esse julgamento impiedoso se volta contra ela mesma (afinal, é difícil sustentar que todos são lixo, mas você mesmo não seja), numa lógica do tipo “O mundo já é um lugar ruim, e eu faço dele um lugar pior”. É por aí o caminho.

E, para complementar essas sessões de chafurdar no lodo emocional, nosso pobre diabo hipotético mata o tédio visitando os cantos mais infestos da internet (pense nos chan da vida) e consumindo o pior tipo de material midiático: histórias horríveis, imagens e vídeos de violência (de preferência violência real, execução, câmeras de segurança) e música sinistra como o Projekt Misanthropia, do Stalaggh2. Bem, deu para entender, né? Talvez no primeiro dia desse processo, um pensamento como “eu sou um lixo e mereço morrer” ainda lhe parecesse estranho. Mas eu duvido que, ao término de sete dias assim, ele não comece a encontrar alguma ressonância profunda.

O que o processo descrito nesse exercício faz é não apenas criar e nutrir essa forma-pensamento, mas também preparar todo um terreno fértil onde ela possa crescer sem freios. Os pensamentos e sentimentos de angústia e depressão produzem uma poluição energética forte, que permite manter essa perspectiva desesperada a longo prazo — todo mundo que já esteve no fundo do poço sabe que, nessa situação, é difícil até mesmo vislumbrar qualquer outra possibilidade que não o fundo do poço. Formas-pensamento concorrentes, assim, são sufocadas e o pensamento ruim pode receber toda sua atenção e utilizar essa energia para te estimular a alimentá-lo mais ainda. 

Pior: existem seres que a Cura Prânica chama de elementais, mas que não são os elementais no sentido paracelsiano do termo, ligados aos quatro elementos como salamandras, gnomos, etc. O termo se refere apenas a criaturas semiconscientes do mundo invisível que podem ser úteis (como os elementais num palito de incenso que ajudam com limpeza energética), neutros ou nocivos, estes chamados elementais negativos. Às vezes esses seres são chamados ainda de larvas etéricas ou astrais e esse tipo de ambiente é ideal para elas. Assim como um ambiente fisicamente sujo, com restos de comida e pele morta, mofo e poeira, atrai baratas, um ambiente sujo energeticamente atrai elementais negativos, que se alimentam desses sentimentos e estimulam comportamentos antinaturais. Eles são diferentes das formas-pensamento porque não são criados por nós — eles já existem na natureza, por assim dizer — e também porque não se nutrem diretamente de nossa atenção, afinal a pessoa leiga que está infestada desses seres nem sabe que eles estão lá, mas onde tiver formas-pensamento suficientemente fortes, lá eles estarão também.

E assim o ciclo se retroalimenta até se tornar insustentável ou alguém intervir. É necessário fazer muita limpeza no espaço e muita cura energética, além de terapia mundana mesmo3, para resgatar alguém que está nesse ponto. Não é por acaso que esse cenário descrito, ao ponto da caricatura, se pareça com a situação de tantos jovens que aderem a ideologias extremistas online.


Arte de Alex Grey

A boa notícia é que há maneiras eficazes de lidar com isso. As boas práticas de limpeza energética, descritas no meu texto anterior, já são um bom começo. Preces, trabalhos devocionais e meditação também auxiliam. Quando meditamos com um pranayama simples, nós conseguimos distanciar a nossa consciência dos nossos processos mentais e assim observar como eles funcionam. A partir desse ponto, é possível distinguir o que é essencial ou não e ter poder sobre o que vamos alimentar. Além disso, a meditação também pode ser um método poderoso (ainda mais quando se utiliza mantras como OM) para canalizar energia divina, que desintegra e transmuta as formas-pensamento e elementais negativos. E, claro, se você puder consultar um terapeuta energético, uma curadora prânica como a Maíra, esse profissional também vai ser capaz de identificar, localizar e começar o processo de desintegrar essas formas-pensamento e elementais. O processo de cura não é instantâneo, formas e elementais desintegrados retornam se não houver uma mudança nos hábitos mentais, mas o progresso é palpável e a tendência é que, a cada sessão, essas coisas diminuam — o que, por sua vez, ajuda também a mudar os hábitos.

Quanto aos métodos mundanos para lidar com formas-pensamento negativas, o mais importante é a atenção e a desautomatização. É crucial saber identificar padrões de pensamento. Por exemplo, se ao cometer um erro, você automaticamente pensa “eu sou um lixo e quero morrer”, aceitar esse pensamento de pronto só vai fortalecê-lo e reforçar esse ciclo. Reconhecer que se trata de um pensamento automático que, por qualquer motivo (pais implicantes, chefes, parceiros), você foi condicionado a ter e que não reflete a verdade é o primeiro passo para poder interromper o circuito e, uma hora, evitar ter esses pensamentos de vez. Mas, é claro, é mais fácil fazer isso se você estiver também tendo acompanhamento psicológico, consultando-se com algum curador energético e mantendo uma rotina de boas práticas espirituais.

Usos práticos de formas-pensamento

Falamos bastante das formas-pensamento negativas, mas é só isso? Não tem como utilizá-las para propósitos mais práticos, mais benéficos? Pois sim, é possível. Muita gente, inclusive, que chega na magia aprende a fazer isso e nem percebe.

A primeira possibilidade, a mais besta, é a autossugestão. Formular um pensamento desejável, do tipo “eu sou carismático e atraio as pessoas”, e repeti-lo à exaustão. Franz Bardon, nos primeiros passos do seu Magia Prática, sugere fazer sessões de 40 repetições algumas vezes por dia, como ao acordar e ao ir dormir. Após meditar também é um ótimo momento para isso, pois é quando nos encontramos energeticamente mais fortes. No nível mundano, nós entendemos esse tipo de coisa como o famoso fake it till you make it, mas no nível esotérico é a criação e alimentação de uma forma-pensamento. Essa técnica é muito limitada, no entanto, pois exige repetição constante, não é capaz de afetar o mundo externo (nada de ficar repetindo “eu vou ganhar na loteria”) e, se encontrar muita resistência, a forma-pensamento não vai conseguir vingar.

Para afetarmos o mundo externo, é preciso recorrer a técnicas um pouco mais sofisticadas. O que eu vou ensinar é o método que me veio, mas é tão intuitivo que outras pessoas já devem ter chegado a ele sozinhas. 

É o seguinte: de preferência após ter feito já suas práticas diárias, em pé ou sentando-se, una as suas mãos diante do seu corpo. Formule em termos exatos o que você quer e, se puder visualizá-lo com clareza, melhor. Então, separe as mãos e visualize, sendo formada no espaço entre elas, uma bolha. Nessa bolha, transparente e vazia, no que você a cria, você vai imprimir nela o seu desejo. Repita a formulação quantas vezes for necessário e visualize a cena. Agora você vai projetar energia nela pelas mãos. Faça respiração pelos poros, absorvendo a energia vital ao seu redor como se estivesse respirando pela pele ao inspirar (visualize-a como uma luz branca brilhante no ar), segure por uns segundos, mantendo a visualização, e direcione-a pelas mãos rumo à bolha ao expirar, visualizando essa luz preenchendo-a. Ao repetir isso algumas vezes, você deverá sentir uma leve pressão, como se realmente ali tivesse um balão sendo inflado. Quando sentir que chega, dispare a bolha no universo (como você faz isso é uma questão de gosto e estilo pessoal) e visualize-a presa a você por um fiozinho. Então, com a mão aberta, como se fosse uma faca, corte esse fiozinho e veja-a ir embora para fazer o que precisa ser feito. 


A cena de A Montanha Sagrada que eu descrevi no começo deste texto (pode ser vista aqui).

E é isso. Esse tipo de técnica é simples, mas não é muito poderosa, por isso deve ser repetida para melhores resultados. Mas ela também pode ser incrementada com outras técnicas, se você sabe como, utilizando, por exemplo, energia dos elementos e planetas ou convocando espíritos aliados. Quem é da Magia do Caos vai reconhecer que esse método é semelhante ao da magia de sigilos. Para quem não sabe o que é magia de sigilos, bem, muito resumidamente eu a descreveria da seguinte forma: nela, você simboliza um desejo de forma gráfica, que é o sigilo em si. Há vários métodos para isso, e é possível fazê-lo com base nas letras da frase que constitui o desejo, usando-se modelos prontos como quadradinhos mágicos ou o sigilo Rosa-Cruz ou via desenho automático. Depois você utiliza o estado alterado de consciência de sua preferência (o que se chama de “gnose”), contempla o sigilo nesse estado durante um certo tempo, destrói o sigilo e tenta esquecê-lo. Esse é o método mais tradicional e inúmeros sites vão te ensinar a fazer isso com maiores detalhes. Se quiser se aprofundar, o Practical Sigil Magic do Frater U.D. é um dos clássicos no assunto, e o David Gordon White, em seu blog (aqui e aqui) e no livro The Chaos Protocols, também tem umas técnicas avançadas legais.

Quem me lê sabe que eu discordo da explicação psicológica de como sigilos funcionam, sendo “implantados no subconsciente”. Pelo meu entendimento, o que o estado alterado de consciência faz é amplificar a projeção de energia. A energia vai aonde vai a nossa atenção e, quando o símbolo é contemplado enquanto o lado racional da nossa mente se vê temporariamente desligado (pense nos processos do Windows que mais consomem memória sendo desativados), mobiliza-se quantidades maiores de energia, o que é válido tanto para energizar sigilos, que nada mais são do que formas-pensamento, quanto para energizar cristais. Agora, quando pensamos numa frase, é mais difícil para nossa atenção abarcá-la por inteiro. A leitura é sempre sequencial e a tendência é que o foco acabe se demorando sobre partes específicas da frase, certas letras e palavras. Manter uma boa visualização nítida do que se quer que aconteça também é difícil. Ao optar por se concentrar tudo num sigilo, que é visto de uma vez, integralmente, pelo olhar, também é possível que a atenção seja direcionada como um laser e não mais de forma difusa. Por fim, com o método de esquecer o sigilo, nós evitamos que ele seja puxado de volta (formas-pensamento têm elos conosco, afinal) e assim possa agir como pretendido. Porque o sigilo faz tudo isso de maneira concentrada, ele pode funcionar sendo disparado uma única vez, enquanto a técnica da bolha exige repetições. Mas, no fundo, trata-se de técnicas análogas.

Um servidor é a mesma coisa. Vocês lembram da história do Fotamecus e como ele deixa de ser um mero sigilo para se tornar um servidor, ao receber uma carga elevada de energia que permite que ele passe a ter uma existência mais permanente, ao passo que o sigilo costuma se dissolver depois que realiza o que precisa fazer. O servidor nada mais é do que uma forma-pensamento altamente energizada e mais complexa, que exige uma programação, muitas vezes por escrito (uma técnica ao se criar servidores é ter um papel bem guardado onde constam o nome, o sigilo, um desenho do servidor e o que ele deve fazer e como). O problema é que, quanto mais tempo um servidor estiver ativo e mais energia ele acumular, mais ele estará vulnerável a pragas astrais que irão parasitá-lo e a todos que se envolverem com ele. O fato de que servidores “públicos” são alimentados pela energia das pessoas que fazem uso deles e que essas pessoas com frequência não são experientes e, por isso acabam por contaminá-los com sua própria poluição energética, só acelera esse processo de degeneração. Por isso, se me perguntarem, eu diria que não tem problema criar um servidor para uso próprio por tempo limitado4, se você tem boas práticas de limpeza e sabe o que está fazendo, mas recomendo mais uma vez ficar longe dos compartilhados, especialmente os famosos.

Por fim, um outro uso positivo para formas-pensamento é na magia teúrgica. Se nos orientarmos pelo diz Nick Farell, quando trabalhamos com deuses, diferente de espíritos menores, nós nunca temos acesso ao deus em si. Tentar se conectar com um deus diretamente seria como ligar o seu Playstation na linha de alta tensão, o que teria o efeito desagradável de fazer o aparelho explodir. É preciso um transformador para isso5, que Nick Farell chama de daemon. O daemon nesses termos específicos (para variar, tem que tomar cuidado com a polissemia, porque daemon em outros contextos significa um monte de outras coisas) é um veículo astral que nós criamos (portanto, seria uma forma-pensamento) para receber essa energia e fazer a mediação. Quanto mais forte o daemon, mais energia é capaz de descer, e por isso magia divina para praticantes solitários com frequência exige um certo tempo para começar a dar resultados — é preciso fortalecer o daemon com as noções teológicas mais adequadas, com a devida devoção e oferendas. Mais sobre isso pode ser lido no blog do autor (neste e neste post), e eu também recomendaria a leitura de dois livros: The Practical Art of Divine Magic, de Patrick Dunn, onde ele lida com um conceito semelhante, sob outra terminologia (phantasma) e A Magia das Formas-Pensamento, de Dolores Ashcroft-Nowicki.

E paramos por aí. O assunto, como vocês podem ver, é complexo, e aqui estamos apenas arranhando a superfície. Para quem quiser saber mais, eu recomendo os livros que foram sendo citados ao longo deste texto, que poderão servir para se aprofundar.

Agora, uns últimos comentários. Eu hesito em falar sobre formas-pensamento negativas por aí de maneira leviana, porque é o tipo de coisa que pode deixar as pessoas noiadas — ainda mais se você soma 2+2 e conclui que formas suficientemente energizadas podem afetar a nossa vida em termos mais do que apenas psicológicos, inclusive a nossa saúde e segurança financeira. A reação tilelê/New Age mais típica, ao ponto do estereótipo, é simplesmente se proibir de vocalizar e até mesmo de ter esses pensamentos. Não é isso que eu quero promover quando digo que é preciso prestar atenção ao que você pensa. Essa atenção não deve virar policiamento rígido. É até possível que alguém nunca mais tenha pensamentos negativos, mas essa pessoa seria um santo e teria que ter muitos e muitos anos de práticas espirituais. Tentar cobrar isso de pessoas normais seria absurdo, contraproducente, e a obsessão com pureza e perfeição acaba sendo mais prejudicial do que se você não fizesse nada. Se você quer seguir esse caminho, eu recomendo que vá com calma, no seu ritmo, e faça as coisas com constância e dentro das suas possibilidades.

Ao mesmo tempo, eu reconheço que algumas pessoas podem ter torcido o nariz quando eu falei dos problemas dos pensamentos negativos. Eu mesmo teria tido uma reação meio visceral anos atrás. Ter pensamentos ruins faz parte da experiência humana, ainda mais em situações extremas como as que vivemos hoje. Isso é fato. E eu enfatizo que eu não acho saudável tentar se proibir de tê-los para almejar uma santidade forçada. A questão é: por que alguém desejaria agarrar-se a esses pensamentos? Por que esse apego com o que é ruim, ao ponto da identificação com eles? É uma lógica como a de ir no banheiro e não querer dar descarga depois. E é interessante como esse é um problema especialmente para pessoas mais criativas e que trabalham com as artes. Com muita frequência, acredita-se que a criatividade ou aspectos interessantes da nossa personalidade derivam de resposta a traumas, mecanismos de defesa, e que, se você finalmente melhorar do que quer que seja que te fez e ainda faz mal, esses aspectos interessantes e a criatividade vão embora. É o velho estereótipo do “artista que sofre”, que já é nocivo quando adotado pelo público em geral, mas pode ser a causa de muito sofrimento quando internalizado. 

Não pretendo tratar desse assunto mais longamente aqui, mas deixo algumas recomendações também para reflexão nesse sentido. A primeira é o livro A Filosofia Perene, do Aldous Huxley, que tem um capítulo bastante interessante sobre o conceito de personalidade e, do ponto de vista espiritual, o valor excessivo que é dado a ela. Depois, eu recomendaria duas obras de audiovisual: o stand-up Nanette, de Hannah Gadsby, especialmente o trecho em que ela discute a questão dos transtornos mentais de Van Gogh, rebatendo o lugar-comum equivocado de que sua arte não existiria se ele se tratasse (Gadsby é formada em história da arte); e o segundo episódio de The Midnight Gospel, com os entrevistados Anne Lamott, escritora, e Raghu Markus, em que o assunto do alcoolismo de Lamott é trazido à tona e ela discute, com uma franqueza surpreendente, como ela mesma sofreu por pensar, no passado, que se conseguisse superá-lo ela também perderia a capacidade de escrever. Nada é mais “satânico” do que isso, diz ela — e, se pensarmos o conceito de “satânico” nas linhas da carta O Diabo, no tarô, faz muito sentido.

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[1] Não excluo a possibilidade de o conceito ter sido concebido antes em círculos esotéricos mais fechados, mas aí também realmente seria inacessível em todo caso. Se alguém tiver literatura sobre o assunto, eu sou todo ouvidos.

[2] Trata-se de um projeto musical supostamente gravado, de maneira algo clandestina, com os gritos de pacientes mentais de verdade. Não é muito agradável.

[3] Eu sempre digo e repito e insisto: a magia deve acompanhar esforços mundanos. Um terapeuta energético não é substituto para um médico nem para acompanhamento psicológico profissional.

[4] Bardon, em Magia Prática, ensina a fazer o que ele chama de elementais (como podem ver, esse termo é complicado porque tem um milhão de sentidos!), sendo eles criaturas artificiais concebidas diretamente no Akasha, dotadas de um nome e encarregadas com uma tarefa, mas sem uma permanência de longo prazo, devendo ser instruídas a retornar ao “mar de luz” akáshica de onde vieram após um certo tempo. A criação dos elementares, mais permanentes e perigosos, é mais complexa.

[5] Em tradições iniciáticas, também o mestre ou guru é quem faz o papel de transformador, mediando o acesso do neófito à energia divina.