domingo, 4 de setembro de 2022

Vodu – Um Breve resumo

 

Vodu – Um Breve resumo

“Por que você usa a velha Juju?
Por que você chocalha todos os ossos?
Estou dizendo que eu não sou o certo para você
Mas ainda assim você joga as pedras

Você colocou um feitiço em mim”

-Mortiis, ‘You put a Hex on me’

Essa postagem foi escrita originalmente em 03/11/2011 para o fórum ‘Via Sinistrae’. Revisado, corrigido e com alguns trechos adicionados em 29/01/2019.

Um pouco de história:

style="box-sizing: inherit; color: black;">A tradição Vodu surgiu no Haiti, por volta do fim do século XVI, quando os africanos de diversos locais diferentes foram forçados a se dirigirem para o Haiti para servirem de escravos na agricultura. Foram escolhidos tribos de negros diferentes para que assim não pudessem se associar umas as outras tornando difícil rebeliões e até mesmo a comunicação entre os escravos. Grande erro.
Como resultado eles se uniram e uniram suas crenças. Passaram a adorar os mesmos deuses e entidades. Assim surgiu o Vodu, entre outras tradições. (A palavra Vodu deriva do Yorubá e significa ‘espírito’). Os franceses proibiram o Vodu durante muito tempo. Sentindo-se oprimidos os haitianos iniciaram uma grande revolta, que culminou com a libertação do Haiti em 1804.

Dizem que durante a revolução soldados franceses morriam misteriosamente,enquanto os negros lutavam com enorme sede de sangue possuídos por antigos guerreiros-Loa. Há também relatos de generais do exército francês que teriam cometido suicídio após um grande ritual com direito a oferendas de vários animais por parte dos sacerdotes haitianos.

As Linhas: 

Assim como o Candomblé, o Vodu também possui várias linhas diferentes que divergem enquanto suas tradições internas, embora possuam a mesma base de crenças. 

Ortodoxo: Nesta linha do Vodu o rito Dahomeano é prioridade, as iniciações também segue o estilo Dahomeano onde o sacerdote recebe o asson (chocalho ritualístico) e é chamado de Hougan ou Gangan e as mulheres de Mambo. 

style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #111111; font-family: Georgia, serif; font-size: 17.85px; line-height: 30.345px; margin-bottom: 1.5em;">“rito dahomeano” = seguindo o estilo de Dahome, terra que possui este nome por seu antigo rei ter o trono sustentado por serpentes (Dan = serpente em yorubá). 

Makaya: Nesta linha as iniciações são menos elaboradas e o sacerdote não recebe o asson. Um sacerdote Makaya é chamado Bokor e a sacerdotisa Sorciére. No vodu ortodoxo estes termos são considerados pejorativos. 
“Bokor” também designa um não iniciado oficialmente no Vodu, mas capaz de realizar magia maléfica. Um “Malefictur”. São magistas, mas não são religiosos. 

As linhas Kongo e Yorubá também são muito importantes em relação as outras secundárias e muito se assemelham ao Ortodoxo. Tem os sacerdotes chamados de Serviteur (essa denominação no Ortodoxo se refere a um iniciado que serve os Loa)

Todas as linhas Vodu possuem pontos-chave que coincidem. Por exemplo:

No Vodu há apenas um Deus, conhecido como Gran Met ou Bon Dieu. Ele é todo poderoso, mas distante da humanidade. Os Loas e Orixás atuariam então como mensageiros para Gran Met intercedendo (ou não) pelas pessoas.

A incorporação de Loas é incentivada e altamente desejada durante os rituais Vodu,onde comidas, vestimentas e musicas próprias do Vodu são organizadas em uma ordem certa para prestar homenagens aos Loa que vêm ao auxílio dos vodunistas. 

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Visão do elemento humano: 

Os vodunistas acreditam que o homem é composto por 5 partes distintas. O CORPS CADAVRE (o corpo de carne do homem), N´AME (Energia vital que permite o corpo funcionar durante sua vida. Associado ao “chi” oriental), ZÉTOILLE (estrela do destino,é o futuro daquela pessoa em especial) e GROS BON ANGE/TI BON ANGE (o primeiro é o aspecto divino colocado no homem durante a criação, o segundo a personalidade humana adquirida durante a existência e moldada pela vivência. É a parte que retorna como LOA após a morte).

Uma rápida curiosidade: Os Vodunistas fazem questão de diferenciar o nome Vodu/Vodun e Vodoo. Enquanto os dois primeiros referem-se a religião,a ultima grafia remete aos efeitos especiais que Hollywood utilizou para tornar as práticas mais maléficas e mil vezes mais exagerado que realmente é. Então a grafia mais “correta” ou mais respeitosa seria realmente Vodu. Vodu e Hodoo também se diferem. Enquanto o primeiro se refere a religião de fato, o segundo é o termo utilizado pra feitiçarias realizadas por pessoas não – iniciadas, frequentemente mescladas com outras tradições magickas. 

Sobre Zumbis: Já mencionei algo acerca do tema aqui no blog, na postagem sobre Necromancia, mas acho que é um tema sempre interessante de ser lembrado. 

No Vodu Haitiano e no Hodoo de Nova Orleans os zumbis são entidades criadas a partir da captura do TI BON ANGE de um ser humano. Com a personalidade e parte da alma aprisionadas pelo Bokor a pessoa supostamente se tornaria um escravo desprovido de vontade própria.
style="box-sizing: inherit;" />Para os Vodunistas que anseiam em retornar no ciclo morte-vida para que possam evoluir como Loas este é um fim mais cruel que qualquer outro. Apenas o Bokor poderia liberar a alma da pessoa (em alguns casos matar o Bokor libertaria o escravo). 
Frequentemente utilizado como punição para crimes inimagináveis, a zumbificação foi proibida durante muito tempo, mas ainda é utilizada. Lembrando que a maior proibição foi feita durante a repressão ao Vodu que ironicamente culminou na libertação do Haiti. 

Para se criar um Zumbi,o Bokor primeiro leva a vítima a um estado de quase morte. Depois, se utilizando de entidades malignas como alguns Loa Petro, Djab ou relacionados ao próprio Carrefour o magista captura o Ti bon ange e o prende. Nesse momento a pessoa entra em estado catatônico e é então enterrada como um defunto. 

Passados alguns dias a pessoa é exumada e recebe uma infusão de ervas preparadas para que “acorde”. Neste momento nasce o zumbi. Em algumas tradições a infusão de ervas é concedida antes e o próprio zumbi sai de seu túmulo fresco tornando assim as lendas mais assustadoras e criando uma atmosfera mais mística ao ato da criação.

Os zumbis são ótimas forças braçais e guardas para locais importantes. Eles não demonstram dor, cansaço ou esboçam emoção ou rebeldia. Também são bons para serviço de limpeza e não enchem o saco de seu senhor apenas porque lhes caiu um braço ao chão. Daí a ganância de vários ocultistas e magos em aprender a fórmula. 
Infelizmente não basta saber como é feito, é necessário saber como preparar o pó venenoso e a infusão da erva antídoto que são os segredos por trás da zumbificação. A pessoa simplesmente recebe um veneno que lesiona o sistema nervoso e depois de um tempo determinado recebe o antídoto para que não morra. Mas o estrago já foi feito e a mentalidade da pessoa reduzida quase que totalmente, a tornando um mero objeto. Para fins de tornar a aparência assustadora e reconhecível como um morto vivo, o Bokor frequentemente utiliza veneno de víboras locais ou aranhas na pele da vítima que se torna necrosada e decadente, ferida e suja de terra pela escapada do túmulo. 
Zumbis são considerados monstruosidades sendo evitados até de se tocar. Apenas os mais negros sacerdotes e mais cruéis utilizam a prática. 
Existiu uma vez um grande sacerdote Vodu no Haiti que utilizava-se largamente de zumbis. Sendo um sádico, utilizava sua mágika para impor o terror em sua região, onde era muito conhecido. Após sua morte a população assustada passou a colocar sempre dois vigias ao redor do seu túmulo… Dizem que este ainda é protegido até hoje para que ele nunca retorne de forma alguma da terra e restabeleça seu reinado de horror novamente. 
Em resumo zumbis são isso. Apesar da aura mística ao redor, nada mais que um efeito químico no cérebro que este antigo povo chama de Magia. Mas não é isso a realidade para nós? Um mero efeito químico no cérebro.
Mais alguns fatos inusitados: Em entrevista para uma revista americana,uma senhora Haitiana afirmou ter sido vítima de uma zumbificação e escapado e revelou o segredo da prática. 
Considerada por muitos como mentirosa e sensacionalista,analises médicas na senhora comprovaram a presença da toxina em questão no organismo. A velha havia sido um zumbi e conseguiu “retornar”. Como? Não faço ideia… 

Este aspecto do Vodu foi muito retratado no filme ‘The Serpent and The Rainbow’, baseado na história real de um pesquisador americano que descobriu a fórmula por trás da mística dos Zumbis. 

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Bonecos e Gris-Gris: 

Podemos dizer que são dois elementos essenciais, não apenas do Vodu mas da magia em geral. 

Achados arqueológicos demonstram que representações de pessoas, símbolos ou mesmo nomes de pessoas são usados por xamãs e sacerdotes de inúmeros povos desde a antiguidade até os dias atuais para os mais diversos fins. Bonecos feitos em cera, barro, argila, pano, madeira, etc. eram usados em maldições antigas e também em proteções e curas. 
É um princípio simples. A canalização da Vontade do magista na representação afeta a pessoa. Fotos também passaram a ser usadas até mesmo dentro do vodu atual. 
O famigerado boneco não é uma exclusividade do Vodu. Dos maias até tribos indígenas e povos orientais já utilizaram desse método de canalização, que é bem poderoso e realmente funcional. Não é como nos filmes, desnecessário dizer. Mas dá para causar grandes estragos ou evitá-los. 
É interessante que cada formato e cor de boneco tem uma função própria,de acordo com suas características. 
Não é necessário possuir uma representação da pessoa em questão para que o ritual funcione. As vezes uma forte lembrança, uma impressão energética forte pode ser o suficiente para dar tudo certo.

Como último detalhe, o boneco de vodu é um ritual “parente” das bolsas gris gris (leia-se gree gree). Estas, como o boneco, são pedaços de pano recheados com talismãs consagrados, ervas, óleos, pedras e vários itens com objetivos comuns envolvidos em um pano de cor específica amarrado com um laço também de cor específica.
Essas bolsinhas são amuletos comuns mesmo fora do Vodu. Inclusive alguns conhecidos meus kardecistas utilizam tais meios como proteção e afastar “mau olhado”. 

 

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Outro elemento muito recorrente são os Vévés. São como sigilos ou ‘pontos riscados’, largamente utilizados para atrair espíritos e entidades que serão incorporados ou trabalhados no ritual. Usados de forma muito semelhante aos sigilos de grimórios medievais e também aos presentes na Magia do Caos. Cada Loa/Lwa possui seu próprio sigilo Vévé utilizado em seu trabalho. 

Tipos de Loas: 

São as entidades cultuadas no Vodu. São de várias famílias, por assim dizer, cada um com um domínio próprio. Da mesma forma que os Exus, malandros e outras entidades eles são invocados por um médium (“cavalo”, aquele que se sujeita a possessão pelo ente) através dos Vevés(sigilos) combinados com batucadas rítmicas em tambores e atabaques, cantorias com letras exaltantes e épicas. Recebem oferendas de comidas típicas de cada um, bebidas (geralmente alcoólicas) e presentes. Há muitos desses espíritos,formados através das almas de pessoas desencarnadas que trabalham por evolução na semelhança da Umbanda e afins. Cada um contém uma personalidade própria e características singulares. 

Temos como as principais famílias Loa: 

Loas Ghede : As crianças de Mama Brigitte e Baron Samedi. São Loas relacionados normalmente ao cemitério e a morte. Compartilham o mesmo sobrenome (La Croix). Possuem normalmente nomes obscenos ou engraçados. Baron Samedi é o cabeça da família, Loa mestre da Morte. Diz-se que se ele não permitir que uma pessoa morra por um ritual ela não falecerá, ainda que fique abatida pela Mágika do Bokor. Se veste de negro e púrpura, é marido de Mamma Brigitte. Sua bebida é rum com pimenta, café preto e gosta de amendoins. 
Utiliza sempre uma bengala e uma cartola, também utilizados por Loas Ghede masculinos. Mamma Brigitte é de origem britânica. Diz-se que entrou no Haiti através de escravos deportados da grã bretanha. Relacionada a Santa Brigite. Junto a seu marido recupera e “recruta” as almas dos mortos das águas e as encaminha para serem transformadas em Loas. 

Rada : Piedosos, antigos e calmos. Sua cerimônia é disciplinada. Suas cores são normalmente branco ou outra cor clara, mas variando de Loa a Loa. 
O principal loa desta família é a serpente Damballah, o marido de Aida Wedo. A serpente (Dan) se apaixonou pelo arco íris (Aida Wedo) e formaram apenas um ser. 
É um loa primordial da criação. Normalmente é sábio e gentil. 

Petro: Ferozes e protetores agressivos. Sua cerimônia é quente e excitante. A cor predominante é vermelho. 
São os últimos chamados antes da cerimônia encerrar-se. 
Poderia citar-se como principal o Legba Petro, uma das faces de Papa Legba (correspondente a Exu),o mensageiro entre homens e deuses. Sem ele não se chama nenhum orixá nem se vai a lugar nenhum. 

Djab: Por ultimo,mas não menos importante, os Loas Djab. A palavra deriva do francês “Djab”, mas não é uma família necessariamente má. São loas independentes que não pertencem as famílias anteriores. Por não servirem diretamente a nenhum espírito mais elevado são mais facilmente utilizados por sacerdotes negros para rituais com finalidades malignas. 
Para proteger-se de Djabs alguns vodunistas utilizam uma técnica chamada “Garde”. Esse ritual consiste em esfregar ervas secas específicas sobre cortes cerimoniais feitos na pele por um Loa “padrinho”. O ritual é renovado anualmente. 
Djabs também podem ser utilizados para sugar a energia de uma pessoa até que a mesma definhe e morra. Tal ato é conhecido como “devorar” e quando ocorre diz-se que o Loa “comeu” a pessoa, no sentido não literal é claro. 

style="box-sizing: inherit; color: black;">Mambo Marinette teria evocado a Djab Erzulie Dantor em um sacrifício durante a revolução Haitiana de 1794. Deste sacrifício em diante os soldados Haitianos passaram a guerrear incorporados pelos mais agressivos Loas conhecidos. 

O Loa mais cruel e temido de todos é Mait Carrefour, pertencente a família Petro. Ele governa os entre-pontos das encruzilhadas e é uma face maligna de Papa Legba. Ele exige respeito e ao menor ato de insubordinação ele se torna agressivo. Quando ele aparece em um hounfort o silêncio absoluto é exigido. Só se fala com ele se ele lhe dirigir a palavra primeiro. É mestre em feitiçaria negra e pode evocar Loas malignos em hordas quando irritado. Domina a noite e a destruição.

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Bem, esse foi um muito breve resumo (como diz o título) sobre um assunto extremamente extenso. Eu postei aqui no blog na intenção de recuperar alguns textos antigos que andavam perdidos pela internet desde que eu comecei a escrever sobre ocultismo e este foi um dos primeiros. É claro que existe MUITO mais informação sobre o tema, mas cabe agora aos buscadores interessados partirem das setas apontadas neste texto e se aprofundarem, se esta for sua Vontade. 

Até a próxima. 

A.C.

 

 

Bibliografia: Inúmeros livros e pdfs pela net, incluindo o arquivo da Gnose Vodun, La Colouvre Noir, Denise Alvarado, ‘Waters of Abyss’, entre outras fontes obscuras presentes no meu HD externo que eu não vou lembrar agora. 

imagens por:

1 – Joyce Maureira

2- Fonte não encontrada

última – Marinette da HQ Switchblade.