Rosh Hashaná. Aniversário da Criação do Mundo.
O mês de Tishrei é o sétimo no calendário judaico. Isso pode parecer estranho, pois Rosh Hashaná, o Novo Ano, é no primeiro e segundo dia de Tishrei. A razão é que a Torá fez o mês de Nissan o primeiro do ano, para enfatizar a importância histórica da libertação do Egito, que aconteceu no décimo quinto dia daquele mês, e que assinalou o nascimento de nossa nação.
Entretanto, de acordo com a tradição, o mundo foi criado em Tishrei, ou mais exatamente, Adam (Adão) e Chava (Eva) foram criados no primeiro dia de Tishrei, que foi o sexto dia da Criação, e é a partir deste mês que o ciclo anual se inicia. Por isso, Rosh Hashaná é celebrado nesta época.
Adão e Eva foram criados no primeiro dia de Tishrei, que foi o sexto dia da Criação
Há doze meses no ano, e há doze Tribos em Israel. Cada mês do ano judaico tem sua Tribo representativa. O mês de Tishrei é o mês da Tribo de Dan. Isto tem um significado simbólico, pois quando Dan nasceu, sua mãe Lea disse: "D'us julgou-me e também atendeu à minha voz." Dan e Din (Yom HaDin, Dia do Julgamento) são ambos derivados da mesma raiz, simbolizando que Tishrei é a época do Julgamento Divino e do perdão. Similarmente, cada mês do calendário judaico tem seu signo no Zodíaco (em hebraico mazal). O mazal de Tishrei é a Balança. Este é o símbolo do Dia do Julgamento, quando D'us pesa as boas e as más ações do ser humano.
Embora cada Lua Nova seja anunciada e abençoada na sinagoga no Shabat que a precede, a Lua Nova de Tishrei não é anunciada nem abençoada, pois o próprio D'us a abençoa. O aspecto místico de Rosh Hashaná é indicado nas Escrituras: "Soe o shofar na Lua Nova, em ocultamento do dia de nossa festa."
Satan, o Acusador, não deve perceber a chegada de Rosh Hashaná, o Dia do Julgamento. Esta é também uma das razões pelas quais a Lua Nova não é mencionada nas preces de Rosh Hashaná. É também um dos motivos pelos quais a primeira porção do livro Bereshit da Torá não é lida em Rosh Hashaná, embora seja apropriado lê-la, pois Rosh Hashaná é o aniversário do Homem, quando Adam foi criado.
O primeiro dia de Tishrei, que é o primeiro dia de Rosh Hashaná, jamais pode cair num domingo, quarta ou sexta-feira. Historicamente, entretanto, o primeiro Rosh Hashaná foi numa sexta-feira, o sexto dia da Criação. Neste dia, D'us criou os animais dos campos e das selvas, e todos os animais rastejantes e insetos, e finalmente - o homem. Assim, quando o homem foi criado, encontrou tudo pronto para ele.
Nossos sábios viram nisso a ordem da Criação, como a consideração do bom anfitrião que, antes de convidar um hóspede de honra, coloca a casa em ordem, prepara as lâmpadas mais brilhantes, uma refeição deliciosa, etc., para que seu convidado encontre tudo preparado. Mas também vêem nisto uma profunda lição: se o homem é merecedor, é tratado como um convidado de honra; se não o merece, dizem-lhe: "Não fique orgulhoso de si mesmo; até um inseto foi criado antes de você!"
Yom Hazicaron
O Dia do Ano Novo judaico não é apenas uma ocasião de alegria mas, um dia dedicado à oração. É chamado Yom Hazicaron (Dia da Memória) - quando todas as criaturas são julgadas pelo Criador de acordo com seus méritos.
Devemos lembrar que o Supremo Juiz do Universo é bondoso e misericordioso. Seu propósito não é punir. D'us apenas quer que sigamos as Leis e regulamentos que Ele nos impôs para nosso próprio bem.
Durante o mês de Elul, com a aproximação de Rosh Hashaná, tomamos a resoluta determinação de corrigir qualquer mal feito ou hábito descuidado do passado. Um sentimento toma conta do coração do verdadeiro arrependido, como se removesse um fardo pesado do passado. É o sentimento de poder recomeçar a vida como uma criança recém-nascida, sem máculas nos seus registros. São estes os sentimentos que o judeu traz à sinagoga na primeira noite de Rosh Hashaná. Ele se encontra próximo a D'us, e as orações vem da sua sincera vontade de retornar ao Criador.
A Coroação
Era tarde no sexto dia desde que D'us começou a Criação do Mundo. Tudo agora estava pronto, ou quase tudo. O sol brilhava radiante no céu azul, e seus raios tremeluziam alegremente nas águas límpidas dos rios, regatos e lagos abaixo. As campinas estavam verdes com a grama nova. Os pássaros pipilavam contentes no ar. Os bosques estavam repletos de esquilos e coelhos, e todo tipo de animais grandes e pequenos.
Mas todos os bichos eram mudos, e nenhum deles tinha o dom de saber como tinham sido criados, e quem os criara. E assim D'us decidiu criar a derradeira, e mais maravilhosa criatura, uma criatura que tivesse a capacidade de pensar, falar e fazer coisas lindas. Esta criatura era o Homem.
Quando Adam abriu os olhos e viu o belo mundo à sua volta, soube imediatamente que D'us criara o mundo e ele, também. As primeiras palavras de Adam foram: "O Senhor é Rei para todo o sempre!" E o eco de sua voz correu mundo afora.
"Agora o mundo todo saberá que Eu sou Rei", disse D'us, e estava muito contente.
Este foi o primeiro Rosh Hashaná! O primeiro Ano Novo. Era o aniversário do Homem, e o Dia da Coroação do Rei dos Reis!
"Vejamos, o que os reis fazem no dia de sua Coroação?" perguntou D'us, e Ele respondeu: "Transformam este dia numa festa. Os súditos leais se reúnem para expressar seu amor e lealdade ao rei. Soam as trombetas e proclamam: 'Longa vida ao rei!' O monarca fica repleto de amor pelos súditos, e concede-lhes muitos favores e honrarias. Esquece-se até dos homens maus que agiram contra seus desejos, se demonstram arrependimento. Sim, é isto que os reis fazem no Dia da Coroação. É o que Eu farei!"
E assim D'us fez de Rosh Hashaná uma festa sagrada. Nós nos reunimos nas sinagogas, tocamos o shofar e demonstramos nosso amor pelo nosso Rei e Pai nos céus. E D'us fica feliz e é bom para todos nós, concedendo-nos um ano bom e doce.
Os primeiros a se arrependerem
De acordo com a tradição, foi em Rosh Hashaná que Cayin (Caim) assassinou seu irmão Hevel (Abel).
Abel jazia imóvel na grama. Cayin percebeu que havia matado seu irmão. "O que farei com o corpo?" pensou ele, completamente perdido, pois jamais havia visto um cadáver antes, e não sabia o que fazer com ele.
Sons de pios altos e ferozes fizeram-no erguer os olhos. Viu dois corvos lutando sofregamente. Por fim, um deles caiu ao solo e lá ficou, sem vida como seu irmão Hevel. O pássaro vitorioso começou a cavar um buraco no chão, com o bico e as garras. Rolou o corpo do pássaro morto até lá, cobrindo-o com terra e afastou-se voando.
Cayin agora sabia o que fazer. Cavou um túmulo no solo e lá colocou o corpo do irmão, cobrindo-o com terra. "Devo fugir daqui," pensou ele. Ouviu então uma voz celestial: "Acha que pode fugir de Mim? Onde está seu irmão Hevel?"
Cayin amedrontou-se. "Não sei," replicou ele. "Por acaso sou o guardião de meu irmão?"
"Seu tolo filho do homem", disse D'us novamente. "Não pode esconder coisa alguma de Mim!"
"O poder do arrependimento é tão grande?", exclamou Adam. "É uma pena que eu não o soubesse antes"
O coração de Cayin estava repleto de remorso. Sentia-se profundamente triste pelo que fizera. "Meu pecado é muito grave até mesmo para o perdão Divino?", gritou angustiado.
D'us olhou para dentro do coração de Cayin, e viu que ele estava verdadeiramente arrependido. D'us disse então: "Como você se arrependeu honestamente, com todo seu coração, aliviarei o seu castigo. Pouparei sua vida, mas será um andarilho errante e sem descanso até o fim de seus dias; então você, também, morrerá pelas mãos de um homem."
Cayin iniciou sua caminhada. Seu pai Adam o viu. "Por que está tão triste, meu filho?", perguntou-lhe. Cayin contou o que havia acontecido.
"O poder do arrependimento é tão grande?", exclamou Adam. "É uma pena que eu não o soubesse antes."
Adam então rezou a D'us para que o perdoasse pelo seu pecado de comer do fruto da árvore proibida. Orou com todo seu coração, e D'us aceitou seu arrependimento sincero e o perdoou.
Cayin e Adam foram os primeiros a se arrepender, e foram perdoados - em Rosh Hashaná.
Julgamento Divino e humano
A Torá institui que Rosh Hashaná, o início do ano, seja celebrado no aniversário da Criação, mas não no primeiro e sim, no sexto dia, o dia em que foi criado o Homem. O significado do dia e do evento não reside no surgimento de uma nova criatura, superior às outras do reino animal, assim como este é superior ao reino vegetal que, por sua vez, está acima do mineral. O significado está no fato de que a nova criatura - o Homem - é essencialmente diferente das outras. Pois foi o homem que reconheceu o Criador através da Criação e elevou-a a este reconhecimento, a realização e suprema finalidade de seu desígnio Divino.
Uma das características que distinguem o homem de todas as outras criaturas é o dom do livre arbítrio que D'us lhe concedeu. O homem pode usar esta dádiva Divina em duas direções opostas. Pode escolher o caminho da destruição de si mesmo, D'us não o permita, e de tudo que o cerca; ou enveredar pela estrada certa da vida, que o elevará, a ele e a toda a Criação, à mais alta perfeição.
Para ajudar-nos a reconhecer e escolher o caminho certo, recebemos a Torá, que é Divina e eterna; daí serem os seus ensinamentos válidos para todos os tempos e todos os lugares.
O homem não pode fazer a sua escolha apenas baseado em seu intelecto, pois este é limitado. Serve apenas para descobrir e despertar a intuição e a fé nas coisas que estão além do reino do intelecto. Esta fé e intuição são o legado de cada judeu que ilumina todo o seu ser e o orienta na vida cotidiana para uma existência inspirada na Torá e nas mitsvot.
Em Rosh Hashaná, o homem enfrenta não apenas o julgamento Divino como também o seu próprio. O veredito
Em Rosh Hashaná, o homem enfrenta não apenas o julgamento Divino como também o seu próprio.
Com relação ao futuro deve ser o de assumir o cumprimento de seus deveres, de realizar - nele mesmo e no seu ambiente - um chamado para a submissão absoluta diante de D'us proferido pelo primeiro homem Adam, Adão, no dia de sua Criação, no primeiro Rosh Hashaná. Isto só pode ser conseguido mediante uma vida inspirada e orientada pela Torá.
Que ninguém pense: quem sou eu para possuir tais poderes de construção ou destruição? Pois vimos, para a nossa aflição, o que pode causar uma quantidade ínfima de matéria pela liberação de energia atômica. Se tal poder destruidor está oculto num mero átomo, para a negação do desígnio da Criação, quão maior é o poder criador confiado a cada indivíduo para trabalhar em harmonia com a finalidade Divina; pois recebemos da Divina Providência os meios e oportunidades especiais de alcançar a meta para a qual fomos criados: a realização de um mundo em que "cada criatura reconhecerá que Tu a criaste e cada alma dotada de alento exclamará: 'D'us, o D'us de Israel, é Rei e o Seu reino é supremo.' "
Para que sejam revelados e para que possamos aplicar estes poderes, é necessário buscar e liberar as forças potenciais. E temos a promessa: "Descobrirás porque buscarás com todo o teu coração e alma."
Isto tudo se aplica de forma especial e completa aos que ocupam posições de liderança espiritual e possuem influência, desde o rabino de uma comunidade até um pai que orienta a vida espiritual de sua família. Muitas vezes vemos pessoas paralisadas pela dúvida e pelo medo, receosos de empregar o que lhes parece uma palavra forte ou exigência excessiva e, assim, alienar em vez de atrair.
A eles dirigimos esta mensagem:
"Busque profundamente em seu interior e descobrirá os tesouros mais íntimos dos que queres orientar e inspirar; não os avalies externamente, mas segundos os recursos e capacidade de suas almas, a verdadeira centelha Divina. Pois, pela atitude certa e pelo infatigável esforço poderá descobrir e ativar em todos, os recursos espirituais que animarão sua vida diária. Tenha confiança em seus irmãos judeus e dê-lhes o que, como judeus, verdadeiramente esperam de você: a Torá inteira com todos os seus preceitos, assim como eles são, assim como os recebemos no Sinai; pois a Torá é eterna em todos os tempos e lugares."
Somente assim poderemos avaliar verdadeiramente o nosso "eu" e o dos que buscam orientação e liderança; uma avaliação sincera que fará do próximo ano um ano cheio de conteúdo e realização proporcionais aos nossos melhores recursos e, portanto, também repleto de bênçãos Divinas, materiais e espirituais.
Pedido de Anulação de Promessas
A cerimônia de Hatarat Nedarim, Anulação de Promessas, anula qualquer promessa não cumprida por esquecimento ou força maior. É realizada antes de Rosh Hashaná para que o ano novo reinicie sem conexão com qualquer falha do passado. É realizada na sinagoga após Shacharit (a Prece Matinal\. Esse texto deve ser dito (na véspera de Rosh Hashaná, antes do meio-dia) perante três homens (de preferência perante dez), que são considerados "juízes":
(Tradução Livre)
"Ouçam por favor meus senhores e juízes:
De toda e qualquer promessa que fiz, proibição que aceitei ou compromisso que assumi [sem declarar na hora que não teria valor de promessa irrevogável], tanto os de que me lembro como os de que não me lembro, e que não cumpri por esquecimento, me arrependo e peço diante dos senhores a anulação desses compromissos. embora pela lei a pessoa que está pedindo anulação de promessas deva enumerá-las detalhadamente, essa explicação detalhada se torna impossível, por elas serem muitas. em vista disso, peço o favor de considerar todas como se tivessem sido por mim detalhadamente enumeradas."
(Aqui os juízes respondem (três vezes) o texto oficial em hebraico impresso no Sidur,) e o declarante continua:
"Declaro perante os senhores que, desde já, me arrependo de todas as promessas que farei a partir de hoje, das quais porventura venha a me esquecer; que sejam desde já anuladas e tornadas sem efeito."
(Os "juízes" respondem o texto oficial em hebraico impresso no Sidur.)
O Shofar
O que é?
Você já pensou alguma vez que o shofar é um dos instrumentos de sopro mais antigos usados pelo homem? Somente a flauta do pastor – chamada Ugav, na Bíblia – o iguala em idade (de acordo com algumas opi-niões), mas não tem função no serviço Divino nos dias de hoje. O shofar, porém, é o mesmo que aquele usado há milhares de anos. Durante a história da humanidade foram inventados instrumentos novos, abandonados os velhos e somente nos museus poderemos encontrar uma flauta antiga. Não é digno de admiração que ainda nos apeguemos ao antigo shofar?
Naturalmente, se você considerar o shofar como um "instrumento musical" não tem grande valor. O shofar não produz sons delicados como o clarim moderno, a trombeta ou outro instrumento de sopro. Mas, para nós, o shofar não é um instrumento "musical"; não é usado por prazer ou divertimento. Longe disto; tem um sentido muito mais profundo. É um chamado para o arrependimento, avisando a chegada dos Dez Dias de Arrependimento, que começam com Rosh Hashaná e culminam com Yom Kipur.
Ele nos lembra o car-neiro sacrificado por Avraham (Abrão) no lugar de Yitschac (Isaac) através da história da Akedá (amarração de Yitschac), li-da no segundo dia de Rosh Hashaná. Orgulhamo-nos de ser descendentes de Avraham e Yitschac e por ter herdado algo de sua lealdade e devoção completas a D'us.
D'us não po-deria ter ficado irado com os filhos de Avraham, Yitschac e Yaacov (Jacó) que, à sua época, foram os primeiros e únicos a proclamar e santificar Seu nome no mundo. Concluímos que a verdadeira devoção à Torá e a D'us, inspirados em nossos patriarcas, significa estarmos preparados para fazer sacrifícios e ser completamente abnegados. Sabemos que milhares de nossos irmãos enfrentaram a morte com coragem para santificar o nome de D'us, como Avraham e Yitschac o fizeram.
Ocasiões em que era tocado
Nos tempos antigos, o shofar era usado em ocasiões solenes. A palavra shofar é mencionada pela primeira vez em conexão à Revelação Divina no Monte Sinai, quando "a voz do shofar era por demais forte e todo o povo do acampamento tremeu". Assim, o shofar em Rosh Hashaná deve nos lembrar a aceitação da Torá e nossas obrigações decorrentes de suas Leis.
O shofar também era tocado quando guerreávamos contra inimigos perigosos. Portanto, o shofar de Rosh Hashaná deve servir como um grito de guerra contra o inimigo interior, impulsos maus e paixões.
O shofar foi tocado no ano de Yovel (Jubileu), anunciando a libertação da escravidão e da penúria. O seu som, no dia de Rosh Hashaná, deve ser também sinal de quebra das correntes de pecados, de maneira que possamos começar uma nova vida com o coração puro, sintonizado em servir a D'us e aos semelhantes.
O shofar no Midrash
O shofar é feito de um chifre de animal casher. Qualquer chifre pode ser usado para o shofar, exceto vaca ou touro, pois estes chifres são chamados em hebraico de "keren" e não shofar, e também porque seu chifre poderia ser um lembrete do Bezerro de Ouro que os filhos de Israel fizeram no deserto, ao deixarem o Egito. Não seria apropriada esta lembrança no dia de Rosh Hashaná, quando nos voltamos para teshuvá.
Geralmente, e de preferência, o shofar é feito de um chifre de carneiro, em memória do carneiro que foi oferecido em lugar de Yitschac (Isaac), que permitiu-se ser atado e colocado sobre o altar como um sacrifício a D'us .
Rabi Abuhu disse: "Por que usamos um shofar feito de chifre de carneiro em Rosh Hashaná? (Em memória do carneiro de Yitschac), pois D'us disse: 'Toquem para Mim com um shofar feito de chifre de carneiro, e Eu me lembrarei do sacrifício de Yitschac e pensarei em vocês como se vocês, também, estivessem prontos a oferecer suas vidas a Mim.' "
Na Porção da Torá sobre o sacrifício de Yitschac, que lemos no segundo dia de Rosh Hashaná, está escrito: "E Avraham ergueu os olhos, e olhou, contemplando um carneiro na moita cerrada ser apanhado pelos chifres." Avraham viu o carneiro apanhado em uma moita após a outra.
Disse Rav Huna: "O carneiro apanhado de novo e de novo nas moitas cerradas mostrou a Avraham que seus filhos seriam apanhados em um exílio após o outro, mas ao final seriam redimidos pelo som do chifre do carneiro."
Rabi Chanina ben Dossa disse: "Cada parte daquele chifre tem sua importância: as cinzas do carneiro eram as fundações do altar interior no Bet Hamicdash; os dez tendões do carneiro fizeram as cordas da harpa do Rei David; a pele do carneiro fez o cinto de couro do profeta Eliyáhu; e dos dois chifres – o esquerdo foi tocado no Monte Sinai, quando da Outorga da Torá, e o direito, o maior, será tocado quando os judeus exilados forem reunidos de todos os cantos da terra, como está escrito: "E acontecerá naquele dia que o grande Shofar será tocado…".
O shofar deve ser curvo, para mostrar que devemos curvar nossos corações ao nosso Pai Celestial. Não deve ser decorado com ouro, ou mesmo com pinturas sobre ele. A única coisa permitida é alguns entalhes no próprio chifre, sem adicionar nada a isto.
A pessoa deve escutar o próprio som do shofar, e não um eco do som. Se alguém ouve apenas o eco dos toques, não cumpriu a mitsvá do shofar. Esta lei foi importante para os judeus na época da Inquisição Espanhola, quando os marranos (judeus em segredo) costumavam sair para as florestas, colinas e cavernas para tocar o shofar, pois se fossem apanhados neste ato, seriam queimados vivos em estacas.
Similarmente, em certos países árabes os judeus não podiam tocar o shofar, pois isso costumava assustar os árabes, que sabiam que Moshiach chegaria certo dia com o toque do shofar.
O shofar é tocado em Rosh Hashaná após a leitura da Torá, antes e durante a prece de Mussaf. Embora uma mitsvá não deva ser adiada, havia uma boa razão para adiar o toque do shofar para depois da leitura da Torá.
Isso aconteceu, numa certa comunidade judaica cercada por inimigos, em que o shofar foi tocado de manhã bem cedo. Os inimigos pensaram que os judeus estivessem convocando para uma rebelião contra eles, então os cercaram e os mataram. Ficou então decidido tocar o shofar após a leitura da Torá, pois, quando os inimigos viam que os judeus já haviam feito parte de suas preces pacificamente, percebiam que era uma reunião pacífica para a oração, e não uma rebelião contra eles.
Rashi explica que houve um tempo quando os judeus foram proibidos de tocar o shofar. Guardas eram postados para vigiá-los até que o serviço da prece de Shacharit estivesse concluído. Os judeus por isso tocavam o shofar mais tarde, durante o serviço Mussaf, e assim permaneceu esta regra, de tocar o shofar após o serviço de Shacharit. Existe ainda outra razão: pois naquele época os judeus já eram coroados com mitsvot, os preceitos entre os quais tsitsit, Shemá, e a leitura da Torá: então vem o shofar e lhes traz o perdão.
As bênçãos que antecedem o toque
O toque do shofar em Rosh Hashaná é um mandamento da Torá. É um preceito como todos os outros de nossa fé e, portanto, deve ser feita uma bênção especial antes de cumpri-lo.
O propósito da bênção é agradecer a D'us por nos ter santificado com Seus mandamentos e nos ter dado a oportunidade de cumprir a Sua vontade. Esta bênção, em geral, é um preparo para que nossos atos não sejam realizados apenas pela força do hábito e, sim, conscientemente, sabendo seu significado e perante Quem devemos agir. A bênção antes do toque do shofar tem a mesma finalidade.
Esta é a bênção: "Bendito és Tu, ó Senhor, nosso D'us, Rei do Universo, que nos santificou com Seus mandamentos e nos ordenou ouvir a voz do shofar." Começamos a bênção na segunda pessoa – como se estivéssemos diretamente perante D'us – mas a terminamos na terceira pessoa – pois D'us é Onipresente e Invisível, Santo e além da compreensão. Todas as bênçãos apresentam esta mesma estrutura.
Em hebraico a palavra Lishmoa ("ouvir" ou "escutar") da mesma raiz de Shemá, possui vários significados, entre eles, escutar ou ouvir com os nossos próprios ouvidos; além de entender e obedecer.
Deste modo, quando o Baal Tokêa (aquele que toca o shofar) faz a bênção por todos nós, espera-se que não só o som do shofar seja ouvido, como também compreendida e obedecida sua mensagem.
Os toques
O Shofar emite três sons característicos: Tekiá – um som contínuo, como um longo suspiro; Shevarim – três sons interrompidos, como soluços; Teruá – nove (ou mais) sons curtís-si-mos como suspiros entrecortados em prantos.
Estes sons do shofar evocam e expressam sentimentos de profundo pesar pelas más ações que cometemos no passado. É também uma conclamação às armas, como um tambor de guerra. O shofar nos convoca a lutar contra tudo que impeça a pratica do judaísmo em sua plenitude: paixões, preguiça e negligência; contra a influência de maus amigos, etc., afirmando que todos os preceitos são dignos para que lutemos por eles. E mesmo se no passado não os tenhamos observado cuidadosamente, o shofar diz que nunca é demasiado tarde para começar. D'us sempre perdoa o passado ao tomarmos boas
decisões para o futuro.
Esta é a mensagem final do shofar, aquela do perdão Divino. Por isso, o último som do shofar é um toque longo, a Tekiá Guedolá (grande toque). Este som não representa soluço, nem suspiro ou lamento, mas um grito de triunfo e alegria; pois estamos confiantes de que
D'us aceitou o nosso arrependimento.
Podemos notar esta expressão de alegria na melodia dos versos recitados logo após os toques. Enquanto os versos recitados antes são solenes, os que os seguem falam da alegria, que brota após um arrependimento sincero. Este é o real significado de ouvir, compreender e obedecer a voz do shofar.
Esta é a ordem dos toques do shofar:
1. Tekiá – Shevarim – Teruá – Tekiá
2. Tekiá – Shevarim – Tekiá
3. Tekiá – Teruá – Tekiá
O som de cada grupo é repetido três vezes, totalizando trinta toques. No total, durante o serviço matinal de Rosh Hashaná, o Shofar é tocado cem vezes (cada um dos sons acima mencionados é tocado três vezes e isto é repetido três vezes durante o serviço, somando noventa toques; no final, toca-se mais uma vez o grupo de dez, perfazendo os cem toques).
Os sons quebrados de Shevarim e Teruá lembram estes suspiros e gemidos abafados que penetram no co-ração, e servem para despertar a pessoa ao arrependimento e ao retorno. A Tekiá Guedolá – o último toque longo do shofar – soa como uma nota mais alegre e lembra o grande dia, quando o grande shofar será tocado para reunir do exílio todo o povo de Israel, com a chegada de Mashiach.
Qual é o significado do toque do shofar?
O shofar nos chama para acordarmos de nossa letargia mental pelas coisas terrenas e clama para que possamos despertar e nos envolver com as necessidades de nossa alma. É como um alerta: nos inspira temor lembrando que este é o Dia de nosso julgamento.
A mensagem do shofar, segundo Maimônides, é:
"Acordai de vosso sono e ponderai sobre os vossos feitos; lembrai-vos do Criador e voltai a Ele em penitência. Não sejais daqueles que per-dem a realidade de vista ao perseguirem sombras ou esbanjam anos buscando coisas vãs que não lhes trazem proveito. Olhai bem vossas almas e considerai vossos atos; abandonai os caminhos errados e os maus pensamentos e voltai a D'us, para que Ele tenha misericórdia para convosco!"
Esta é a função mais importante dos sons do shofar: inspirar a alma e provocar vibrações extraordinárias no coração, ativando o sentimento do arrependimento e humildade.
O despertar de nosso sono
O som do shofar é como o chamado de uma trombeta, despertando-nos de nosso sono. Estamos tão atarefados com os interesses do dia a dia – escola, trabalho, diversão – que tendemos a ficar indiferentes ao nosso verdadeiro objetivo na vida, como se estivéssemos imersos em sono profundo. Rosh Hashaná, o ano novo ano judaico, nos desperta para planejarmos o cumprimento de mitsvot e o estudo de Torá para o ano que se inicia.
Rabi Saadyá Gaon nos ensina aqui dez diferentes maneiras do shofar nos inspirar a viver uma vida melhor o ano inteiro:
Um
Quando um novo rei começa a governar, é expedida uma proclamação, acompanhada por toques de trombeta. A cada ano naquele dia, seu governo é novamente proclamado, também com o som da trombeta.
A Criação do Mundo foi completada em Rosh Hashaná, e o reinado de D'us começou no mundo. A cada ano neste dia, proclamamos novamente Seu governo com o toque do shofar.
Dois
Quando um rei emite um decreto, o chifre soa e um sinal de aviso é anunciado.
Os Dez Dias de Teshuvá (Penitência) começam com Rosh Hashaná. "Aperfeiçoe-se!" – somos advertidos, e quando este decreto é emitido, o shofar ecoa.
Três
Quando recebemos a Torá nas encostas do Monte Sinai, o som do shofar enchia os ares.
Neste dia de Rosh Hashaná nós nos dedicamos à vida de Torá novamente, e o som do shofar enche o ar.
Quatro
As palavras de nossos profetas de antigamente soam como um toque do shofar.
Lembramo-nos de suas palavras corretivas, quando ouvimos o toque do shofar.
Cinco
Nossos inimigos tocaram suas trombetas quando destruíram nosso Sagrado Templo – o Bet Hamicdash.
Quando tocamos o shofar em Rosh Hashaná, rezamos para que o novo ano traga a
reconstrução do Bet Hamicdash, para que nossos pecados sejam perdoados.
Seis
Yitschac (Isaac) de boa vontade se ofereceu em sacrifício, como D'us ordenou, mas no último instante foi substituído por um carneiro.
Em Rosh Hashaná tocamos um chifre de carneiro para lembrar-nos – e a D'us – da devoção de nossos antepassados.
Sete
"Poderá o shofar soar na cidade e o povo não tremer de medo?"
O shofar nos faz estremecer no temor do julgamento de D'us.
Oito
"Próximo está o dia do (julgamento) de D'us: perto, muito rápido, o dia do shofar."
O shofar de Rosh Hashaná nos recorda do dia do Julgamento Final.
Nove
"E será naquele dia, soará o Grande Shofar, e os desgarrados virão da Terra de Ashur, e os rejeitados da terra do Egito."
O toque do shofar nos lembra do grande chifre de Mashiach – esperamos e rezamos para que soe este ano, para reunir todos os judeus dispersos pelo mundo afora.
Dez
"Os habitantes do pó… quando o shofar será ouvido."
O shofar nos lembra do dia da Ressurreição dos Mortos, quando estes se levantarão de seu sono.
Uma lição de humildade
Rosh Hashaná chama-se também Yom Teruá (Dia do Toque). Neste dia, é obrigação de cada judeu ouvir o shofar. Por ser finalidade do shofar inspirar-nos humildade e sentimentos de arrependimento, podemos compreender o porquê do shofar não ser ricamente decorado.
Os ornamentos não o tornam inadequado, desde que fiquem apenas do lado externo sem que suas paredes sejam perfuradas. Isto nos serve como lição da importância da simplicidade e humildade. Como o shofar que se torna inadequado se qualquer ornamento de ouro ou prata atravessar o osso do qual é feito, assim também nos tornamos seres humanos insignificantes se permitirmos que o ouro e prata sejam tão importantes na vida a ponto de "perfurar o osso" e se apossar da mente e da alma.
O livro da vida
Em Rosh Hashaná, após a prece da noite, cumprimentamos todos falando: Leshaná Tová Ticatêv Vetechatêm (que sejas inscrito e selado para um ano bom). Ao proferir isto, é como se pudéssemos ver os três grandes Livros Divinos abertos perante D'us: o Livro dos Justos; o Livro dos Perversos e o Livro dos Medianos - onde é provável que nos encontremos, com nossas boas e más ações quase se equiparando. Apenas uma mitsvá a mais e a balança penderá a nosso favor.
http://www.chabad.org.br/