História de uma Malandra Maria do Cais e uma dirigente espiritual:
Certa vez uma médium começa a sentir uma vibração diferente da que estava habituada, era uma noite fria de uma segunda feira, em pleno no terreiro de umbanda, faziam gira para exus, pombagiras e malandros, todos juntos.
A médium sente uma energia muito intensa e forte, mas aquela entidade que se aproxima, ainda não incorpora totalmente na menina, mas já demonstra sua irradiação.
Nos meses seguintes ocorre a mesma coisa, até que um dia, a entidade já firme, pede para chamarem a dirigente, a dirigente se aproxima e lhe diz:
“Boa noite meu senhor.”
E a entidade retruca -
"É senhora.
Sou Malandra, não sou homem.
Meu nome é Maria do Cais."
A zeladora muito contrariada diz que é um absurdo uma médium que era tão dedicada “mentir” assim. Já que Malandras não existem. Apenas falangeiros de Zé existem.
A entidade responde:
“Não sou mentira, sou caminho.
Vim ajudar a minha, ”Menina”. Eu trabalho tão bem quanto um homem."
A dirigente fica com raiva, manda a médium parar de fazer “graça”.
Que aquela entidade poderia ser uma Pomba-gira Maria do Cais, fingimento da médium ou até um Malandro.
Mas Malandra era um termo inaceitável.
“Não existem Malandras.
Mulheres desse tipo devem ser cabrochas do samba, mulher de Malandro, e elas que fiquem na noite, não no templo espiritual.
Na hierarquia espiritual não existem, ela repetia. Só Pomba-gira Maria do Cais.”
A entidade após muita discussão desincorpora. A médium recobra a consciência um pouco atordoada após a nefasta experiência.
Na gira de exu seguinte, tenta a todo o custo evitar incorporar aquela que tinha firmado o nome de Maria do Cais. Porém, não obtendo sucesso, a Malandra mediúniza.
Pede um chapéu a um Cambone, o qual maravilhado dá sem pestanejar.
De longe a dirigente acompanha o movimento se aproxima da entidade, repete tudo mais uma vez.
E diz que naquela casa apenas Malandros trabalham, já que Malandras não existem.
Pede para não usar o chapéu, colocar uma flor vermelha no cabelo e assumir que é uma Pomba-gira. Pois só assim ficaria comprovado que não era uma “farsa”.
A entidade dessa vez fica ainda mais ofendida, mas se retira com respeito.
A médium vai pra casa e dúvida muito de si, adormece com angústia e temor.
No dia seguinte acorda cedo, como faz todos os dias, abre sua nova padaria e vai atender os clientes com amor.
Os meses passam e não sente mais a energia de Maria do Cais.
As vendas caem muito, não obtém sucesso com o negócio, tem dificuldades com fornecedores, clientes, produtores, tudo anda mal.
A zeladora manda manter sua fé, ela tenta não “duvidar” da espiritualidade, continua mais ainda presente nas giras, mas a vida material anda bem truncada.
No final do ano, uma amiga a convida para ir numa gira de praia, iam fazer homenagens a Iemanjá, chamar marujos e depois alguns guardiões.
Ela pela primeira vez na vida como umbandista sente no coração para ir.
Apesar de a sua zeladora sempre proibir os médiuns de irem em outros terreiros, ela tem uma vontade incontrolável de ir. Ela decide infringir a regra da mãe de santo, com coragem coloca um vestido branco, chapéu de palha amarela na cabeça, compra rosas brancas pra Iemanjá e vai de encontro a amiga.
A Gira corre com tranquilidade, mas na hora da gira de marujos sente se mal, cambaleia para os lados, cambones amparam, o atabaque toca forte, firma lindamente com sua Malandra. Começa a sambar na areia intensamente, todos ficam animados, sambam junto, marujada manda dar cigarro e cerveja.
Se apresenta a amiga da médium.
“Me chamo Malandra Maria do Cais.
Não sou homem, nem marinheira, mas eles me conhecem de outra época.
Não sou bem-vinda por aí, mas aqui quem manda é minha senhora e ela disse que eu podia vir.”
A amiga gosta bastante de Maria, conversam por um tempo, que pareceram horas. O pai de santo continua com os guardiões, Maria ainda está ali. Ninguém a manda embora.
O pai de santo diz que já ouviu falar de Malandras e ela era muito bem vinda.
Maria retribui com um sorriso.
Manda a amiga dar recado para sua médium, consagra algumas conchas que um marinheiro lhe ofereceu. Se despede, agradece e vai embora.
Nas semanas seguintes a médium começa a vender pão como quem vende água, tudo começa a melhorar.
Ela não quer tomar uma importante decisão, evita a todo custo.
Mas chega o dia da gira no terreiro, fala com a mãe de santo que quer seguir outros caminhos.
Mas a senhora não lhe deixa nem pôr o branco, é escorraçada, humilhada na frente de todos.
É chamada de ingrata, mentirosa, trapaceira e farsante.
Se sente a pior das pessoas, chega em casa chorando copiosamente.
Abraça o chapéu que Maria usou. Aperta as conchas que ganhou com força. Ora pra Iemanjá e pede uma direção.
Após algumas semanas procura o zelador.
Ele fala que não conhece Malandras.
Mas está muito feliz e disposto a aprender com Malandra Maria do Cais.
Sente alívio, agradece e segue em frente.
Como quem tira o barco da areia e vai embora navegar...
Espero que vocês tenham gostado!
Salve a Malandragem! Salve a Malandra Maria do Cais!
Autoria: Priscila de Iemanjá e intuição de algumas Malandras.
Axé