quinta-feira, 19 de maio de 2022

No caminho dos Orixás Nem tudo são flores. Quando se fala que Xango É Orixá da justiça, Nem sempre o povo entende O que isso significa de verdade. Saindo da casa de repouso Eu fui caminhando para o ponto De ônibus e repassando toda A história na minha mente.

 No caminho dos Orixás 
Nem tudo são flores.
Quando se fala que Xango
É Orixá da justiça,
Nem sempre o povo entende 
O que isso significa de verdade.
Saindo da casa de repouso 
Eu fui caminhando para o ponto 
De ônibus e repassando toda
A história na minha mente.

No caminho dos Orixás 
Nem tudo são flores.
Quando se fala que Xango
É Orixá da justiça,
Nem sempre o povo entende 
O que isso significa de verdade.
Saindo da casa de repouso 
Eu fui caminhando para o ponto 
De ônibus e repassando toda
A história na minha mente.

Eu sempre tive uma boa relação 
Com minha irmã Dinda,
Nos dois fomos criados em roça
De candomblé,
Família baiana, sabe como é.
Eu segui para a angola e me tornei 
Um Tata Nkisi mas ela
Foi pro Ketu, se tornou
Iyá Dinda de Barú.
Tinha o Xango mais lindo que ja vi,
Quando incorporava parecia mesmo 
Um rei.
Eu sempre estava na casa 
De minha irmã, éramos gémeos,
Então muito ligados.
Um dia estava lá e ela me disse 
Que não poderia sair comigo 
Pois estava esperando um casal
Que queria jogar Búzios. 
Eu decidi esperar e la fiquei.
Quando chegaram fiquei admirado 
Pois ambos eram tão belos que
Pareciam aqueles modelos de 
Capa de revista.
Dinda também reparou, vi seus olhos 
Brilhando na direção do rapaz,
Um descendente de japoneses
Alto e com feições delicadas.
Ela jogou os buzios 
E o casal ficou muito 
Impressionado com o
Axé de minha irmã, 
Ela era de fato uma pessoa de muito Axé,
Então marcaram de fazer uns Ebós.
E umas semanas depois 
Os dois entraram para o terreiro 
Já organizando suas futuras iniciações.
Fui falar com Dinda,
A aconselhei a não fazer aquilo,
Não é bom ter casais como 
Irmãos de santo.
Sabe, nós que somos sacerdotes 
Dizemos que é porque o orixa não gosta,
Mas na verdade o Orixá não 
Proíbe nada disso,
Nos é que preferimos não aceitar 
Pois casal na casa atrai ejó, 
E isso é fato,
Nenhum sacerdote tradicional 
Gosta de casal em seu terreiro,
Para evitar confusão,
Mas minha irmã ouviu meu Conselho 
E respondeu:

🔥— Eu não estou aceitando um casal.

Eu na hora não entendi,
Mas depois percebi que Dinda
Iria fazer com que não existisse mais
Um casal ali.
Os meses correram e o casal
Foi iniciado, a moça para Yemanjá
E o rapaz um Ogan de Oxossi.
O comportamento de minha irmã 
Começou a mudar,
Ela constantemente afastava a moça 
E então arranjava desculpas para 
Levar o rapaz para os candomblés de amigos,
A moça ficava no barracão 
Lavando e limpando,
O rapaz ficava nas festas
Sendo paparicado.
Ninguém é feito de tolo se não quiser
E a moça logo veio me procurar.

👧— Pai Tadeu posso te fazer uma pergunta? — ela veio cabreira.
👳 — Claro Valéria, o que é?
👧 — Uma mãe de Santo pode se tornar amante de um de seus filhos? 

Todos sabemos que não,
E Valéria sabia também.
Estava na cara dela que a 
Verdade ja tinha vindo a tona,
Então a minha resposta foi curta
E Grossa:

👳— Vá embora desta casa, leve seu marido e reconstrua a sua vida em outro lugar. Você antes de pensar em religião tem de pensar na própria felicidade.
👧 — Mas a Mãe Dinda não vai me entregar meu assentamento se eu pedir pra sair da casa.
👳 — Você não precisa levar nada, Yemanjá mora na sua cabeça e não nas louças. Vá em paz.

Valéria sorriu amargamente 
E assentiu.
Enquanto ela arrumava as coisas
Para ir embora 
Eu entrei no quarto dos Ibás
E fui procurar remover os okutas 
Da Yemanjá dela.
Eu fiz isso pois...
Eu conhecia minha irmã 
Muito bem, sabia que ela iria
Buscar vingança, sem o Okuta
Ela não poderia fazer nada de mal
Para aquela moça.
Quando entrei no quarto 
Apanhei o okuta de Valéria 
E quando fui olhar o assentamento
De Oxóssi de seu marido...
Bem... dentro da panela havia 
Uma mecha do cabelo de minha irma
Amarrada como uma gravata
Em torno do pescoço de um bonequinho 
Feito de palha. 
Meu coração acelerou,
Magia negra sendo feita 
Dentro do assentamento de um Orixá
É a coisa mais hedionda que pode
Ocorrer dentro de um terreiro.
Pensei em mexer naquilo,
Em desfazer aquele feitiço,
Mas senti um profundo arrepio 
Nas minhas costas 
E quando me virei 
Vi que o que tinha atrás de mim,
Era o Ibá do Barú de minha irmã.
Meu coração se encheu de medo
Pois o que eu senti vindo daquele ibá
Foi uma energia muito pesada,
E era claro e óbvio que Xango estava
Absolutamente revoltado 
Com aquela situação.
Xango é um Orixa muito correto
E que não tem tolerância,
Ele não costuma perdoar,
E sim julgar.
Podem me chamar de egoísta
Mas naquele momento 
Eu rezei a Xango pedindo
Que perdoasse minha irmã,
Que iria falar com ela e resolver tudo,
Eu estava procupado com Dinda
Pois sabia que era ela que iria
Ter de arcar com as consequências.
Não mexi no Ibá de Oxossi
Apenas saí e levei o Okuta de Valéria 
Para um rio de água limpa,
Atirei no fundo, é assim que se 
Pode devolver o Axé para o Orixá 
Sem despertar nele qualquer ira.
Quando minha irmã chegou em casa
Veio furiosa pois Valéria havia 
Telefonado e dito tudo o que 
Estava engasgado em sua garganta.
Dinda veio correndo, foi a cozinha
E ferveu uma panela de dendé,
Abriu o quarto dos Ibás
E sem pensar duas vezes derramou 
Tudo nas louças da Yemanjá de Valéria.
Tive dois sentimentos,
O primeiro de alívio por não ter Okuta ali
E o segundo de profunda tristeza 
Ao ver que Dinda não tinha mais
O menor amor pelos Orixás.
Entrei no quarto e ela riu
Ao me dizer que havia 
"Queimado" Valéria.
Que triste foi ver aquilo...
Quando Wellington, o Ogan de Oxossi 
Chegou e disse que também iria
Sair do terreiro
Pois não queria perder a esposa,
Bem, minha irmã surtou,
Tentou beijar ele,
O agarrou e declarou todo seu amor
Mas tudo que recebeu de volta
Foi um olhar de Wellington,
Um olhar cheio de nojo. 
Ele se foi
E Dinda começou a endoidar.
Uma noite ela me pediu
Para a acompanhar ao cemitério,
Nós que somos manjados
Sabemos como entrar lá de madrugada.
Fui, mesmo sabendo que
Dali só iria sair coisa ruim,
Mas era minha irmã e eu
Não podia deixar que fosse só.
Havia um túmulo de um
Homem que tinha fama de 
Ter sido bruxo,
Ninguém sabia se era verdade
Mas era lenda.
Dinda varreu o tumulo do homem
E apanhou todo o pó,
Fomos para casa e com aquele pó,
Noz moscada, areia de praia, 
Pimenta moida e farelo de osso de porco 
Ela fez algo que nós chamamos
De "Pó de Zorra", que é usado 
Para fazer o mal. 
Dinda rezou aquele pó por horas
E no dia seguinte quando fui
Em sua casa ela estava alegre,
Disse ter ido ao trabalho de Valéria 
E atirado o pó em cima do carro
No estacionamento sem ela ver,
Que estava no esperando 
A notícia chegar.
Dito e feito
Dias depois Valéria enfiou
O carro em um poste
E ficou entre a vida e a morte 
Na UTI do hospital Mandaqui.
Eu já não podia fazer nada a respeito,
Agora era eu que estava em uma 
Espera triste, aguardando Xango
Pesar a espada sobre Dinda.
No final de semana seguinte
Era festa das águas, dia de rodar 
A panela de Yemanjá.
Dinda fez a festa em sua casa
E eu como sempre estava lá 
Pronto para dar apoio no 
Que ela precisasse.
No meio da festa a chuva 
Começou a cair, e começou 
A engrossar como uma tempestade,
O som dos trovões faziam
Meu coração tremer.
Dali a pouco o estrondo que ouvimos
Foi tão alto que calou os atabaques,
Corremos para ver o que era,
A cena era chocante,
O telhado do quarto dos ibás
Havia despencado,
As telhas de barro cairam como
Mísseis nos assentamentos,
Todos ficaram em pedaços.
Dinda ficou furiosa pois
Viu naquilo nada além de prejuízo,
Mas quando eu vi a gamela de madeira
Do Ibá de Xango Baru despedaçada 
Como se fossem cacos 
Fiquei muito temeroso,
Madeira não quebra daquele jeito,
Ela naturalmente racha 
Mas nunca espatifa.
Examinado com atenção 
Vi o Edun Ará, estava partido ao meio
Como se houvesse sido cortado
Com uma faca. 
Era o início do fim.
Dinda não tomou jeito,
E nos dias que vieram 
Muitas outras coisas aconteceram,
A casa foi inundada por uma enchente,
Foi invadida por ladrões 
Que levaram tudo que tinha de valor
E finalmente, o Ibá de Ogun Meje 
Que ficava na porta 
E era pesado a ponto de dois homens
Terem que se esforçar
Para erguer do chão,
Tombou ao vento como se fosse
Feito de papel. 
Então entendi que Dinda 
Já não era reconhecida pelos Orixás 
Como uma sacerdotisa,
Ela não era mais Iyalorixa
E sim uma pária. 
Eu mesmo sendo
Um Tata Nkisi, fiz em minha casa
Diversas oferendas a Oxalá 
Para que ele tivesse piedade,
Mas não adiantou pois Dinda
Não parou.
Ela ainda estava aficionada
Por Wellington e começou 
A perseguir o rapaz
Em todo lugar que ele ia,
Ele deva-lhe verdadeiros passa-fora
Mas isso só inflava em minha irmã 
A vontade de possuir aquele homem.
Sim, não era amor
E na verdade nem luxúria 
Mas sim uma vontade de se
Provar poderosa,
De mostrar que podia ter
O que quisesse,
Que poderia ser a dona daquele homem.
Uma tarde vi minha irmã 
Saindo de casa arrumada 
Como uma dama, 
Estava belíssima
Em um vestido vermelho
E os cabelos soltos e cheios
Como os de uma Pombagira.
Perguntei onde ia
E ela gargalhando respondeu:

🔥— Aquela vagabunda teve alta do hospital, eu vou lá para dizer a ela quem a colocou na maca!

Tive medo que ela ao fazer 
O escândalo que pretendia
Fosse agredida por Wellington,
Então decidi ir junto para o hospital.
Chegamos lá e esperamos 
No estacionamento 
Por mais de uma hora
Até que eles apareceram, 
Wellington vinha empurrando 
Uma cadeira de rodas, 
Valéria estava com um colar cervical 
Mas contudo parecia bem,
Ele a tratava com muito carinho
E era visível que se amavam.
Ao presenciar aquela cena 
Dinda ficou fora de si,
Correu atrás deles 
E os abordou no meio dos carros.

🔥 —  Sobreviveu foi? Sua desgraçada! Pois saiba que fui eu que lhe coloquei neste hospital! 

Wellington olhou para trás 
E sua expressão se encheu de ódio 
Quando viu Dinda.

🙍 — Deixe minha esposa em paz!
🔥 — Não deixo não, e aproveite enquanto pode pois em breve será um homem viúvo!

Então Valéria se levantou da cadeira 
E caminhou até a minha irmã,
Com toda a calma falou:
👧 — Eu não tenho medo de você, não mais.
🔥 — Eu ainda sou sua mãe, então tenha muito cuidado.
👧 — Minha mãe é Yemanjá, não você. Sabe, essa noite tive um sonho, sonhei com um homem negro que montava em um leão enorme, ele me disse para não ter mais medo pois... 
🔥 — Pois o quê? O que a sua mente louca te disse?
👧 — Disse que a espada que ele mesmo criou, ele mesmo tirou o corte. 
🔥 — Você está querendo dizer o quê? Que Xango me abandonou? Pois escute bem sua desgraçada, eu sou filha do Rei e no nome dele eu te amaldiçoo! Você vai MORRER da pior... da pior...

Então minha irmã ergueu a mão 
E apontou para Valéria,
Esperei que ela fosse dizer mais
Mil atrocidades, rogar 
Pragas e tudo mais,
Mas tudo que saiu da boca 
Foi um gemido.
Vi o rosto de minha irmã 
Se entortar, o lado direito
Ficou flacido como...
Como borracha derretida.
Ela caiu desmaiada
Engasgando com a própria língua.
Eu nem vi Valéria e Wellington 
Irem embora,
Apenas carreguei minha irmã 
Para dentro do hospital.
Com a idade de 42 anos
Ela teve um derrame cerebral.
Foram dois meses internada,
Quando saiu tinha tantas sequelas
Que não podia viver sozinha.
Ela perdeu a capacidade da fala,
Movia o braço esquerdo com dificuldade 
E o direto estava totalmente atrofiado,
Andava com lentidão 
E parecia estar sempre com o
Olhar perdido, 
Geralmente fitando a porta 
Como se alguém fosse entrar.

Eu pago a casa de repouso
E visito minha irmã toda semana.
Sabe, essa história não é para que leiam
E fiquem impressionados dizendo 
"Ah a justiça de Xango nunca falha",
Não, eu quero que saibam 
Que eu perdi minha irmã 
E que isso me dói muito.
Ver Dinda daquele jeito...
Não sei dizer quantas vezes
Chorei até não ter mais lágrimas.
Quando mamãe morreu 
Eu levei Dinda ao velório 
Mas ela nem percebeu o que aconteceu.
Dinda está ali respirando, 
O coração dela bate,
Mas ela mesma já se foi.
Xango teve de parar a minha irmã,
E no fundo do meu coração 
Eu sei que ele não queria fazer isso,
Foi Dinda que o obrigou.
A confirmação e o real motivo 
Do Orixa ter feito isso com minha irmã
Veio um ano atrás quando 
Eu encontrei Valéria e Wellington 
Na fila do caixa 
De um supermercado,
Estavam com um menino gordinho
De uns quatro ou cinco anos de idade,
Quando os cumprimentei
Eles me apresentaram o garoto,
É filho deles, um garoto risonho
De nome Rafael,
Um menino chamado Rafael
Que é... filho de Xango. 
Xango fez o que fez com minha irmã 
Não por ódio ou por 
Simplesmente fazer justiça.
Minha irmã teria sem sombra de dúvida 
Usado todo seu conhecimento 
Para destruir a vida do casal,
Eu sei que ela não teria qualquer 
Receio ou sombra de exitação 
Em usar feitiços ou até
Usar de violência 
Para matar aqueles dois.
Se Valéria e Wellington 
Não mais existissem
Isso significaria que Rafael 
Jamais existiria.
Xango fez o que fez por amor.
Por amor a um filho 
Ele teve de desabilitar outro. 
Eu não imagino a dor de um pai
Ao ter de fazer isso,
É a famosa "escolha de Sofia".
Eu continuarei cuidando de Dinda
Até o fim, eu a amo, é meu sangue.
Mas não posso dizer que Xango
Não é um bom pai,
Não posso dizer que ele
Agiu com frieza.
Só posso dizer que hoje
Eu o respeito acima de qualquer coisa.
Agradeço quem teve a paciência 
De saber dessa minha história.
Agora meu ônibus chegou,
Eu entro, passo a catraca 
E me sento no fundo.
O ônibus segue pela avenida 
E passa novamente em frente 
A casa de repouso 
Onde vejo por um relance 
Uma enfermeira empurrando
A cadeira de rodas de Dinda pelo jardim.
Por um instinto ou um habito
Ergo a mão e aceno.
Dinda está olhando pra mim,
E por um segundo tenho a esperança 
De que ela vá sorrir e acenar de volta,
Mas ela apenas me encara 
Com olhos vazios e uma expressão gélida.
Abaixo a mão e infelizmente 
Choro de novo.
Então sigo meu caminho para casa
Sozinho,
E então sigo a vida
sem ter mais 
Minha Dinda. 
Contos de Terreiro, dramatização: Felipe Caprini 
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