Eu me chamo Antônia,
Sou filha de Oyá, toda vida
Fui filha de Oyá pois
Meu pai é Babalorixá
E me iniciou bem criancinha.
Eu me chamo Antônia,
Sou filha de Oyá, toda vida
Fui filha de Oyá pois
Meu pai é Babalorixá
E me iniciou bem criancinha.
O maior sonho de minha vida
Era ser mãe, mas quando era criança
Sofri uma acidente de ônibus
Que me causou feridas internas
No baixo abdômen, isso feriu
Meu útero e o fez cicatrizar de um
Modo que impedia que eu fosse
Capaz de segurar uma gestação.
Toda vida eu via as mãe grávidas
Ou com os filhos no colo e ficava
Cheia de inveja.
Era ano de 2003 uma amiga
Ficou doente, Samara era e sempre
Será minha melhor amiga.
Era viúva e não tinha família,
E conforme o câncer se espalhava
Ela ficou com medo de seu único
Filho, Rafael de 3 anos,
Acabar em um orfanato ou coisa
Assim, então me pediu para
Cuidar dele se algo acontecesse.
Eu obviamente aceitei,
Mas aceitei meio que só de boca
Já que acreditava mesmo
Que ela ia ficar bem,
E mesmo com ela tendo
Feito toda a documentação
Me dando a Guarda do menino,
Ainda assim eu não acreditava
Que ele realmente ficaria comigo.
Levei Rafael para minha casa
E quase todos os dias nós
Íamos visitar Samara.
Um dia quando chegamos
Não pudemos visitar,
Samara estava desacordada,
Estava em coma induzido.
Duas semanas depois ela faleceu.
Fiquei então mãe de Rafael,
E ali descobri que ser mãe
Não era tão fácil e simples
O quanto tinha imaginado
Nos meus sonhos,
Tinha dia que me sentia
Tão cansada que parecia
Que o menino dava mais trabalho
Que pastorear um rebanho inteiro.
Quando Rafael passou o luto
Da perda de Samara, começou
A me chamar de mãe,
Eu era "Mãe Tonia" pra ele.
Ao me acompanhar no terreiro
Nas muitas funções e festividade
Ele manifestou a vontade
De ser iniciado, pois já era
Confirmado ser filho do Orixá
Logun Edé.
Eu a princípio não quis muito
Isso pois ele estava em época de
Escola e eu não queria que sofresse
Nenhum preconceito.
Mas o moleque era insistente
E de tanto amolar eu concordei,
Nas ferias de Dezembro de 2008
Ele foi iniciado filho de Logun Edé
Pelas mãos do meu pai, o qual
Era ágora ao mesmo tempo seu
Babalorixa e avô.
Rafael amava muito os Orixás,
Aquele amor que só a inocência
De uma criança é capaz de gerar.
Nos dias de festa as vezes pedia
Para ir pro terreiro antes mesmo
Que eu pudesse ir, meu pai
Vinha e o levava e quando eu chegava lá
O menino já tinha ajudado
(e as vezes atrapalhado) todo mundo.
Os anos passaram e certa vez
De tarde recebi uma ligação da escola
Dizendo que Rafael estava
Passando mal e se eu podia ir
Até lá buscar ele.
Quando cheguei lá
A cena que vi me deixou
Muito mal,
Ele estava deitadinho nos
Bancos em frente a sala da diretora,
Muito palido e com um pouco
De sangue saindo do nariz.
A diretora me tranquilizou
Dizendo que era muito comum
Sangramento nasal em crianças
Durante a época do calor,
Mas o que me deixou desassossegada
Foi que Samara havia começado
A ficar doente daquele jeito.
Achei que era bobagem minha
Ja que no dia seguinte Rafael
Estava ótimo e foi pra escola
Sem nenhum problema.
Mas na semana seguinte
Aconteceu de novo.
Levei ele ao médico
E expliquei que tinha histórico
De câncer na família,
Mas o Médico me tratou como
Uma mãe desesperada atoa
E disse que Rafael so tinha desidratação.
Levei ele para meu pai
Para jogar os búzios e
Saber o que estava acontecendo.
Meu pai, um perfeito filho de Ogun
Não era bom com as palavras,
E quando perguntei ali na mesa
De jogo se meu menino estava doente
Ele tentou disfarçar a própria tristeza
Ao encarar aquelas conchinhas
E só me respondeu
"Seja o que for, não perca a fé".
Ali eu soube.
Voltei ao hospital com Rafael
E insisti que o médico fizesse
Exames para saber o que estava
Acontecendo com meu filho,
E tive bem que fazer um barraco
Para que o médico levasse a sério.
Eles fizeram os exames iniciais
E em trinta dias sairiam os resultados.
Foram dias de agonia.
Finalmente ligaram marcando
A consulta, nós fomos.
A cara do médico quando lia
Os papéis era séria. Lembro
Exatamente quando falou que
Meu menino poderia estar
Com alguma anomalia referente
Ao sangue, mas que outros exames
Mais elaborados iriam confirmar.
Os exames foram feitos
E três meses depois veio o diagnóstico
De Leucemia Linfoide Crónica,
Algo que raramente atinge crianças
Mas que atingiu meu menino.
Os médicos me tranquilizaram
Que ia ficar tudo bem,
Que ia ser tratado e que tinha sim
Muitas chances de ter uma vida normal.
Mas eu vi meu menino definhar
Diante de meus olhos.
Ele tinha só 11 anos.
Foram anos de luta
E a maior parte desse tempo
Ele ficava internado fazendo
Os inúmeros tratamentos
Os quais não davam efeito algum.
Eu ja sabia que ia perder meu filho.
Rafael completou 14 anos pesando
Menos de 30 quilos.
Foi nessa época que fui tomada
De uma fúria e aramada com um
Martelo entrei no terreiro
E quebrei os assentamentos de
Minha mãe Oyá e do Logun de meu filho,
Eu estava transtornada
E acusava os Orixás de terem nos
Abandonado,
Senti ódio deles,
Ódio por não curarem meu filho,
Ódio por não fazerem nada por nós.
Meu pai mesmo sendo
Meio grosseiro não fez nada,
Me deixou ir sem fazer alarde.
Prossegui com meu filho no hospital,
O quadro de Rafael piorou muito
E ele ja sabendo o que iria acontecer
Pediu aos médicos para deixar
Que fosse pra casa.
Os médicos analisaram a situação
Mas por fim liberaram Rafael,
Pois não havia o que fazer,
Era só questão de tempo.
Fomos pra casa
E Rafael pediu para ir
Para o terreiro.
Não tive como recusar,
Aluguei uma cadeira de rodas
E levei ele para ver meu pai.
Chegando lá ele perguntou
Quando meu pai faria
A próxima festa
Pois ele queria muito participar.
A festa das Iyagbas ja tinha
Acontecido naquela semana
Mas meu pai sentiu no coração
Que devia dizer a Rafael
Que a festa era no dia seguinte.
Fomos pra casa enquanto meu pai
Foi dar os telefonemas pedindo ajuda
A todos os filhos de Santo e amigos
Que tinham comparecido na festa
Para voltarem, e explicando que
Era para Rafael.
A festa tinha acontecido no sabado
E está outra ia ter que ser feita
Na terça-feira.
Todo mundo veio de novo, e até
Veio mais gente que da outra vez,
Mesmo que alguns estivessem ainda
Cansados, fizeram o esforço de vir.
A festa foi linda, Rafael ficou
Sentado na cadeira de Rodas bem
Do lado da cadeira de meu pai.
Em um determinado momento
Durante o rum da Oyá de minha irmã
Rafael me chamou e perguntou
Quem era o rapaz que estava
Incorporado com Logun Edé
E que dançava atrás de Oyá.
Eu olhei para o meio do Barracão
E não havia nenhum Logun Edé lá,
Rafael era o único Logun da casa
E nenhum dos visitantes estava
Incorporado com este Orixá,
Porém Rafael insistiu em dizer
Que aquele Logun Edé que estava
Vendo era o mais bonito que ja
Tinha visto.
No fim da festa ele pediu
A meu pai que o ajudasse
A fazer uma oferenda a Logun
Pois durante o tempo de internação
Ele não havia feito nada.
Meu pai como se tivesse previsto
Ja tinha pronto na cozinha
O alguidar que sempre fazia,
Era metade de Axoxô
E metade de Omolokun,
E deu aquilo nas mãos de meu filho
Perguntando se queria arriar
Lá no quarto dos assentamentos
Ou na árvore na Praça
Que ele costumava arriar.
Rafael pediu para ir na Praça.
Já de madrugada
Quando a festa acabou e todo
Mundo foi embora,
Fomos para a praça no fim da rua,
Eu empurrando a cadeira de rodas
E meu pai segurando a mão de Rafael.
Todo o caminho ele foi cantando
Baixinho cantigas de Logun Edé,
Cantava tão baixinho que nem
Percebi quando parou.
Alguns metros Antes de chegar
A árvore meu pai me disse para parar
Um pouco de empurrar a cadeira,
E então segurou o pulso de Rafael,
Olhou pra mim e simplesmente disse
"Acabou".
Meu menino não respirava mais,
O coração não batia mais.
Eu soltei a cadeira de rodas
E comecei a chorar vendo
Meu menino ali sem vida diante de mim,
Mas meu pai mandou eu voltar
A empurrar a cadeira,
O alguidar ainda estava
No colo de rafael,
E se ele não podia mais completar
E entrega da oferenda,
Então eu tinha de fazer
Pois eu era a mãe.
Não sei como tive forças
Pra continuar empurrando
Aquela cadeira,
Cheguei até a arvore,
Tirei o alguidar do colo dele
E depositei ali
A última oferenda de Rafael.
Na volta meu pai veio
Empurrando a cadeira,
E me falou
"Sei que você ficou com raiva por ele não ter sido curado, mas os Orixás tem caminhos que não cabe a nós compreender. Rafael precisava de uma mãe, e você precisava de um filho, e isso os Orixás proveram, deram a vocês dois a felicidade da companhia um do outro mesmo que por pouco tempo. Todo o resto que não entendemos é porque não nos cabe entender, apenas aceitar."
Faz seis anos que perdi meu Rafael.
E por mais que tenha sido
Muito sofrido,
Que os sonhos de ver meu filho
Adulto, forte e construindo
A vida que queria ter,
Ainda assim sou muito grata por ter
Tido a chance de ser mãe
Deste menino maravilhoso.
Logun Edé trouxe a meu menino
Uma felicidade enorme,
E me lembro com muito carinho
O orgulho que ele tinha
De ser filho deste Orixá.
Toda vez que vejo alguem
Incorporada com Logun
Dançando nas festas,
Vejo ali um pouco de meu Rafael.
Felipe Caprini, Memórias de Terreiro
Espero que tenham gostado!
Não copie sem dar os créditos! Seja Honesto!
Quem quiser encomendar desenhos, brasões e artes em geral pode me chamar no whatsapp 11944833724
Muito obrigado!
Sou filha de Oyá, toda vida
Fui filha de Oyá pois
Meu pai é Babalorixá
E me iniciou bem criancinha.
O maior sonho de minha vida
Era ser mãe, mas quando era criança
Sofri uma acidente de ônibus
Que me causou feridas internas
No baixo abdômen, isso feriu
Meu útero e o fez cicatrizar de um
Modo que impedia que eu fosse
Capaz de segurar uma gestação.
Toda vida eu via as mãe grávidas
Ou com os filhos no colo e ficava
Cheia de inveja.
Era ano de 2003 uma amiga
Ficou doente, Samara era e sempre
Será minha melhor amiga.
Era viúva e não tinha família,
E conforme o câncer se espalhava
Ela ficou com medo de seu único
Filho, Rafael de 3 anos,
Acabar em um orfanato ou coisa
Assim, então me pediu para
Cuidar dele se algo acontecesse.
Eu obviamente aceitei,
Mas aceitei meio que só de boca
Já que acreditava mesmo
Que ela ia ficar bem,
E mesmo com ela tendo
Feito toda a documentação
Me dando a Guarda do menino,
Ainda assim eu não acreditava
Que ele realmente ficaria comigo.
Levei Rafael para minha casa
E quase todos os dias nós
Íamos visitar Samara.
Um dia quando chegamos
Não pudemos visitar,
Samara estava desacordada,
Estava em coma induzido.
Duas semanas depois ela faleceu.
Fiquei então mãe de Rafael,
E ali descobri que ser mãe
Não era tão fácil e simples
O quanto tinha imaginado
Nos meus sonhos,
Tinha dia que me sentia
Tão cansada que parecia
Que o menino dava mais trabalho
Que pastorear um rebanho inteiro.
Quando Rafael passou o luto
Da perda de Samara, começou
A me chamar de mãe,
Eu era "Mãe Tonia" pra ele.
Ao me acompanhar no terreiro
Nas muitas funções e festividade
Ele manifestou a vontade
De ser iniciado, pois já era
Confirmado ser filho do Orixá
Logun Edé.
Eu a princípio não quis muito
Isso pois ele estava em época de
Escola e eu não queria que sofresse
Nenhum preconceito.
Mas o moleque era insistente
E de tanto amolar eu concordei,
Nas ferias de Dezembro de 2008
Ele foi iniciado filho de Logun Edé
Pelas mãos do meu pai, o qual
Era ágora ao mesmo tempo seu
Babalorixa e avô.
Rafael amava muito os Orixás,
Aquele amor que só a inocência
De uma criança é capaz de gerar.
Nos dias de festa as vezes pedia
Para ir pro terreiro antes mesmo
Que eu pudesse ir, meu pai
Vinha e o levava e quando eu chegava lá
O menino já tinha ajudado
(e as vezes atrapalhado) todo mundo.
Os anos passaram e certa vez
De tarde recebi uma ligação da escola
Dizendo que Rafael estava
Passando mal e se eu podia ir
Até lá buscar ele.
Quando cheguei lá
A cena que vi me deixou
Muito mal,
Ele estava deitadinho nos
Bancos em frente a sala da diretora,
Muito palido e com um pouco
De sangue saindo do nariz.
A diretora me tranquilizou
Dizendo que era muito comum
Sangramento nasal em crianças
Durante a época do calor,
Mas o que me deixou desassossegada
Foi que Samara havia começado
A ficar doente daquele jeito.
Achei que era bobagem minha
Ja que no dia seguinte Rafael
Estava ótimo e foi pra escola
Sem nenhum problema.
Mas na semana seguinte
Aconteceu de novo.
Levei ele ao médico
E expliquei que tinha histórico
De câncer na família,
Mas o Médico me tratou como
Uma mãe desesperada atoa
E disse que Rafael so tinha desidratação.
Levei ele para meu pai
Para jogar os búzios e
Saber o que estava acontecendo.
Meu pai, um perfeito filho de Ogun
Não era bom com as palavras,
E quando perguntei ali na mesa
De jogo se meu menino estava doente
Ele tentou disfarçar a própria tristeza
Ao encarar aquelas conchinhas
E só me respondeu
"Seja o que for, não perca a fé".
Ali eu soube.
Voltei ao hospital com Rafael
E insisti que o médico fizesse
Exames para saber o que estava
Acontecendo com meu filho,
E tive bem que fazer um barraco
Para que o médico levasse a sério.
Eles fizeram os exames iniciais
E em trinta dias sairiam os resultados.
Foram dias de agonia.
Finalmente ligaram marcando
A consulta, nós fomos.
A cara do médico quando lia
Os papéis era séria. Lembro
Exatamente quando falou que
Meu menino poderia estar
Com alguma anomalia referente
Ao sangue, mas que outros exames
Mais elaborados iriam confirmar.
Os exames foram feitos
E três meses depois veio o diagnóstico
De Leucemia Linfoide Crónica,
Algo que raramente atinge crianças
Mas que atingiu meu menino.
Os médicos me tranquilizaram
Que ia ficar tudo bem,
Que ia ser tratado e que tinha sim
Muitas chances de ter uma vida normal.
Mas eu vi meu menino definhar
Diante de meus olhos.
Ele tinha só 11 anos.
Foram anos de luta
E a maior parte desse tempo
Ele ficava internado fazendo
Os inúmeros tratamentos
Os quais não davam efeito algum.
Eu ja sabia que ia perder meu filho.
Rafael completou 14 anos pesando
Menos de 30 quilos.
Foi nessa época que fui tomada
De uma fúria e aramada com um
Martelo entrei no terreiro
E quebrei os assentamentos de
Minha mãe Oyá e do Logun de meu filho,
Eu estava transtornada
E acusava os Orixás de terem nos
Abandonado,
Senti ódio deles,
Ódio por não curarem meu filho,
Ódio por não fazerem nada por nós.
Meu pai mesmo sendo
Meio grosseiro não fez nada,
Me deixou ir sem fazer alarde.
Prossegui com meu filho no hospital,
O quadro de Rafael piorou muito
E ele ja sabendo o que iria acontecer
Pediu aos médicos para deixar
Que fosse pra casa.
Os médicos analisaram a situação
Mas por fim liberaram Rafael,
Pois não havia o que fazer,
Era só questão de tempo.
Fomos pra casa
E Rafael pediu para ir
Para o terreiro.
Não tive como recusar,
Aluguei uma cadeira de rodas
E levei ele para ver meu pai.
Chegando lá ele perguntou
Quando meu pai faria
A próxima festa
Pois ele queria muito participar.
A festa das Iyagbas ja tinha
Acontecido naquela semana
Mas meu pai sentiu no coração
Que devia dizer a Rafael
Que a festa era no dia seguinte.
Fomos pra casa enquanto meu pai
Foi dar os telefonemas pedindo ajuda
A todos os filhos de Santo e amigos
Que tinham comparecido na festa
Para voltarem, e explicando que
Era para Rafael.
A festa tinha acontecido no sabado
E está outra ia ter que ser feita
Na terça-feira.
Todo mundo veio de novo, e até
Veio mais gente que da outra vez,
Mesmo que alguns estivessem ainda
Cansados, fizeram o esforço de vir.
A festa foi linda, Rafael ficou
Sentado na cadeira de Rodas bem
Do lado da cadeira de meu pai.
Em um determinado momento
Durante o rum da Oyá de minha irmã
Rafael me chamou e perguntou
Quem era o rapaz que estava
Incorporado com Logun Edé
E que dançava atrás de Oyá.
Eu olhei para o meio do Barracão
E não havia nenhum Logun Edé lá,
Rafael era o único Logun da casa
E nenhum dos visitantes estava
Incorporado com este Orixá,
Porém Rafael insistiu em dizer
Que aquele Logun Edé que estava
Vendo era o mais bonito que ja
Tinha visto.
No fim da festa ele pediu
A meu pai que o ajudasse
A fazer uma oferenda a Logun
Pois durante o tempo de internação
Ele não havia feito nada.
Meu pai como se tivesse previsto
Ja tinha pronto na cozinha
O alguidar que sempre fazia,
Era metade de Axoxô
E metade de Omolokun,
E deu aquilo nas mãos de meu filho
Perguntando se queria arriar
Lá no quarto dos assentamentos
Ou na árvore na Praça
Que ele costumava arriar.
Rafael pediu para ir na Praça.
Já de madrugada
Quando a festa acabou e todo
Mundo foi embora,
Fomos para a praça no fim da rua,
Eu empurrando a cadeira de rodas
E meu pai segurando a mão de Rafael.
Todo o caminho ele foi cantando
Baixinho cantigas de Logun Edé,
Cantava tão baixinho que nem
Percebi quando parou.
Alguns metros Antes de chegar
A árvore meu pai me disse para parar
Um pouco de empurrar a cadeira,
E então segurou o pulso de Rafael,
Olhou pra mim e simplesmente disse
"Acabou".
Meu menino não respirava mais,
O coração não batia mais.
Eu soltei a cadeira de rodas
E comecei a chorar vendo
Meu menino ali sem vida diante de mim,
Mas meu pai mandou eu voltar
A empurrar a cadeira,
O alguidar ainda estava
No colo de rafael,
E se ele não podia mais completar
E entrega da oferenda,
Então eu tinha de fazer
Pois eu era a mãe.
Não sei como tive forças
Pra continuar empurrando
Aquela cadeira,
Cheguei até a arvore,
Tirei o alguidar do colo dele
E depositei ali
A última oferenda de Rafael.
Na volta meu pai veio
Empurrando a cadeira,
E me falou
"Sei que você ficou com raiva por ele não ter sido curado, mas os Orixás tem caminhos que não cabe a nós compreender. Rafael precisava de uma mãe, e você precisava de um filho, e isso os Orixás proveram, deram a vocês dois a felicidade da companhia um do outro mesmo que por pouco tempo. Todo o resto que não entendemos é porque não nos cabe entender, apenas aceitar."
Faz seis anos que perdi meu Rafael.
E por mais que tenha sido
Muito sofrido,
Que os sonhos de ver meu filho
Adulto, forte e construindo
A vida que queria ter,
Ainda assim sou muito grata por ter
Tido a chance de ser mãe
Deste menino maravilhoso.
Logun Edé trouxe a meu menino
Uma felicidade enorme,
E me lembro com muito carinho
O orgulho que ele tinha
De ser filho deste Orixá.
Toda vez que vejo alguem
Incorporada com Logun
Dançando nas festas,
Vejo ali um pouco de meu Rafael.
Felipe Caprini, Memórias de Terreiro
Espero que tenham gostado!
Não copie sem dar os créditos! Seja Honesto!
Quem quiser encomendar desenhos, brasões e artes em geral pode me chamar no whatsapp 11944833724
Muito obrigado!