Nós não temos como
Escolher como nascer,
Mas podemos decidir
Como morrer.
Marabô era nosso amigo.
Nós não temos como
Escolher como nascer,
Mas podemos decidir
Como morrer.
Marabô era nosso amigo.
Era de manhã bem cedinho,
Nós ja estamos fazendo
O asseio do salão do Cabaré
Quando Zé Brito, que era
Um soldadinho amigo nosso
Chegou todo esbaforido,
Abriu a porta e simplesmente gritou:
— Isabel! Prenderam Marabô! Está na sede da Guarda Real Lisboeta! Vai ser enforcado de manhã! Ele me pediu para avisar a madame que é hora de cumprir a promessa!
Ele só pôde dizer isso
E logo saiu correndo,
E eu por minha vez também
Sai correndo junto com as outras
Moças, subimos a escadaria
E batemos na porta do quarto
De Rosa Vermelha, que era a
Dona da casa.
Contamos rapidamente
O acontecido, ela ligeira
Pediu que Fosse
Correndo até o cais do porto
Encontrar Zé Pelintra
E dizer a ele a frase
"Marabô cobra o comprimento da promessa".
Fomos a cavalo, encontramos
Zé no cais negociando os contrabandos
Com os marinheiros,
Mas so foi dizer a frase que ele
Deixou os marujos falando sozinhos
Subiu no meu cavalo e mandou
Ir direto para o morro de Santo António,
Chegamos lá e enquanto eu dava água
Para o cavalo no cocho público,
Zé subiu o morro correndo com
Aquelas pernas cumpridas.
Dali vinte minutos volta,
Com ele duas figuras, um homem baixinho
De nome Zé Pretinho,
O qual eu ja conhecia
E do outro lado um homem
De terno Branco igual o de Zé,
Mas ao se aproximar percebi
Ser uma mulher em trajes masculinos
e que me foi apresentada como
Maria Navalha.
Deitamos galope rumo ao cabaré
E quando chegamos lá já estava
A velha louca de nome Maria Farrapo,
O tal galã chamado Meia Noite
E dona Rosa Vermelha,
Os três nos esperando.
Durante a noite muita gente
Foi avisada,
Confirmaram dar auxílio
As moças mais velhas da casa,
Os homens da Noite,
Os malandros, e os
Mulatos do morro.
Todos nós iríamos honrar a promessa.
Os que sabiam atirar se armaram,
Os demais empunhando facas, porretes
E pedras se dirigiram até a cadeia
Assim que o sol raiou.
Ficamos perambulando pela cidade
Fingido não ter más intenções,
Porém eu e outras moças
acompanhamos dona Rosa até
O prédio do cárcere, e nos fundos
Fizemos como se fôssemos
Prostitutas de rua, fingindo cantar
Os homens que passavam,
Mas na verdade era tudo para
Distrair a atenção do povo
Para que não vissem
Que Dona Rosa estava
Atrás de nós, deitada
No chão falando com Marabô
Através de uma janelinha rente
A sarjeta ja que a cela era no porão
Do edifício.
Ela chichava mas nós pudemos ouvir.
— Marabô? Está ai? Viemos para cumprir a promessa, vamos te soltar! Zé reuniu os malandros e eu trouxe as meninas...
A voz dele estava alquebrada,
Parecia ferido.
— Não Rosa, você não entendeu. Eu estou cobrando a segunda parte da promessa, não a primeira.
Rosa ficou calada por um momento
E então continuou:
— Mas... mas nós podemos te tirar dai!
— Não podem. Se fosse outros tempos poderiam sim, mas agora é só você e Zé. Mulambo se foi, Capa preta se Foi, Padilha se foi, minha Sete Saias se foi. Até meu Valente Tiriri se foi. Não dá Rosa, se tentar... só o que vai causar é gente nossa morta atoa.
— Mas... mas...
— Se você ainda é uma mulher de palavra, cumpra a promessa.
Rosa se levantou muito vermelha
E um tanto tristonha,
Mas rapidamente bateu a poeira
Do vestido e junto conosco
Entrou no prédio.
Ali, na mesa onde Tranca Ruas
Havia trabalhado tantos anos
Estava o novo coronel,
Um homem dos mais pavorosos
Que se pode imaginar.
Ela tentou convence-lo
A estipular uma fiança,
Deu sua palavra que pagaria
O valor que pedisse,
Mas o homem tinha odio de Marabô
E se recusou terminantemente,
A lei marcial era seu desejo
E nada o faria mudar de ideia.
Rosa voltou para junto de Zé e
De Maria Navalha
E contou a eles que não havia jeito.
Zé então reuniu o nosso bando
E acabou por contar do que
Se tratava a promessa.
— Vinte e cinco anos atrás, alguns de nossos velhos amigos e nós fizemos uma promessa. Prometemos que nunca mais perderiamos nossa liberdade. Somos homens pretos, homens fora da lei, mulheres da vida, todos nós sabemos o que é ser cativo, é a coisa mais horrenda do mundo. A promessa é que mesmo se estivéssemos brigados, independentemente de qualquer coisa, se um de nós perdesse a liberdade nós iríamo juntos liberta-lo. A promessa fala que devemos ou dar a liberdade na vida, ou a liberdade derradeira.
Todos ficaram em silêncio
Compreendendo o que iria acontecer
Em poucos instantes.
Nos organizamos e assim que
O sino da praça tocou
Todos fomos para lá,
O palanque estava armando,
O cadafalso pronto, a forca
Já atada.
A multidão foi se juntando
Para ver o espetáculo da execução.
As pertas do edifício da justiça
Foram abertos e Marabô veio arrastado
Por dois guardas,
Todos nós ficamos horrorizados,
O belo homem que havíamos
Conhecido já não existia,
Marabo fora tão brutalmente espancado
Que não havia parte em seu rosto
Que não fosse ferida exposta.
O chefe da Guarda subiu no palanque
E começou a falar a série de crimes
A qual Marabô era acusado,
E ao final leu o agravante mor,
Disse "crimes cometidos por um preto".
A maioria do povo vaiava Marabô,
Eles nem o conheciam
Mas o ofendiam de coisas horríveis.
O chefe da Guarda para zombar
Ainda mais de nosso amigo,
Perguntou a ele se tinha últimas
Palavras a dizer antes que
Fosse executado,
Perguntou se queria pedir
Perdão a Deus ou a fazer
Uma última prece.
Marabo com a boca cheia
De feridas tentou falar algo,
Mas sem successo.
Empurraram Marabô para cima
do cadafalso e colocaram
A força em seu pescoço.
O chefe falou:
— Negro sem dono, chamado pelo populacho de "Marabô", sabe Deus o que significa esse nome feio, eu em nome da coroa do Rei da União De Portugal, Brasil e Algarves o condeno a ser pendurado pelo pescoço até a morte, e que seu corpo fique exposto até que apodreça para servir de exemplo.
Foi então que Zé Pelinta deu
Um assobio agudo no meio da multidão,
E a algazarra começou.
Todos os que tinham armas de fogo
Começaram a atirar para o alto,
E nos quê não, começamos a atirar
Pedras nas edifícios em volta,
Tudo era para fazer alarde
E confundir os soldados que no
Meio desta balburdia não
Sabiam o que fazer e nem
Tinham foco em ninguém.
Eu vi Marabô sorrir com dificuldade,
Mas era sem dúvida um sorriso.
Olhei para onde ele estava fitando,
Vi no meio multidão
Zé Pelintra e Rosa Vermelha,
Ambos quase abraçados com
O braço esticado,
As mãos dos dois segurando
A mesma pistola.
Puxaram puxaram juntos o gatilho,
O primeiro tiro vazou o peito de Marabô.
O segundo tiro disparado por
Maria Navalha rompeu a corda.
Marabô caiu morto.
Marabô caiu livre.
Não havia mais quem enforcar,
O tumulto parou por um instante
Até que viram uma coluna de fumaça
Se erguendo perto,
Nós ja sabíamos, Zé Pretinho
Havia ateado fogo em alguma casa.
A guarda correu toda para lá
E como Marabô ja estavam Morto,
Ninguém ficou para vigiar o cadáver.
Foi em um milésimo de segundo,
Zé Pelintra e seus amigos surrupiaram
O corpo, e quando a guarda voltou
Não havia mais nada.
Marabô foi enterrado na mata,
Vestido com sua capa vermelha
Que tanto gostava.
Foi enterrado por seus amigos.
Repousou no mesmo
Lugar que a maioria de nós,
E em uma cova cavada entre os amores
De sua vida,
Sua amada Sete Saias
E seu irmão Tiriri.
Marabô era um de Nós.
Olivia, uma das moças da casa,
Uma que tinha fama se ser
Meio amalucada,
Disse muitas vezes que havia visto
Marabo na porta do Cabaré
E que ele estava lá esperando.
"Esperando o quê?"
Eu quis saber.
Perguntei mas sinceramente
Eu ja sabia.
Esperava se reunir com os seus.
O dia que o cabaré pegou fogo,
Antes da casa ruir,
Muitos disseram ter visto
Um grupo de pessoas entre
As chamas,
Homens e mulheres,
E no meio um Negro grandalhão
De capa vermelha.
Há quem diga que eram eles,
Todos os amigos de outrora
E que hoje tenho certeza que
Todos vocês sabem quem são.
Felipe Caprini, Contos dos Maridos da Lua
Espero que tenham gostado!
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