sábado, 14 de maio de 2022

E eles mi batero... Me marraro no tronco Mesmo eu já seno véia por demais, Nem as algema se prendia Nos meu pulso fininho, Tiveram de mi marra cum corda, E o ali tiraram minha camisa E me chibataram.

 E eles mi batero...
Me marraro no tronco
Mesmo eu já seno véia por demais,
Nem as algema se prendia
Nos meu pulso fininho,
Tiveram de mi marra cum corda,
E o ali tiraram minha camisa
E me chibataram.


Nenhuma descrição de foto disponível.E eles mi batero...
Me marraro no tronco
Mesmo eu já seno véia por demais,
Nem as algema se prendia
Nos meu pulso fininho,
Tiveram de mi marra cum corda,
E o ali tiraram minha camisa
E me chibataram.
A cada veis que o açoite
Rasgava a minha carne
Eu ia morrendo aos poucos
E ao mesmo tempo mi lembrano...
Da minha vida.

Ieu num nasci naquela fazenda,
Não sinhô, nasci em otra.
Lembro di minha mãe,
Era de nome Mariana Criola,
Escrava de dona Franscisca.
Minha mãe me amou muito,
Era uma preta forte,
Queixo erguido sabe,
I ela sempre contava as histórias
Di meu pai,
Um valente guerrero
Di nome Manuel
Mas Conhecido como
"Rei do Congo".
Meu pai foi negro reberde,
Armô uma baita duma revorta,
Um bando de mais de trezento
Escravo que o seguia
Fugiram pra mata a fim de funda
Um quilombo.
Mas... no fim dessa grandi aventura
Meu pai foi pego e morto na forca,
E minha mãe levada de volta
Para se mucama de dona Francisca.
Minha mãe por ter sido
Tão guerrera quanto meu pai
Era vítima do ódio do sinhô da Fazenda dela,
I ele não podia batê nela, a sinhá
Não deixava, mas já que não podia
Rela ni minha mãe
Ele se vingou ni mim.
Esse sinhô é que me chamava de "conga"
Pra ninguém se isquece que ieu era
Fia do rei do Congo.
Com sete ano ieu fui vendida
Para essa fazenda, cafezal de
Coroné Teotônio.
Fui levada pra sê cozinhera
Mas no fim fazia de tudo.
Quando completei meus qüatorze ano
Discubri o horror que era
Sê escrava.
A mulhé escrava servia na mesa
E também na cama do patrão.
Num tem humilhação maió meu fio,
Num tem não...
Com quinze ano pari meu primeiro filho,
Samuel eu dei-lhe o nome.
Bem nessa época a sinhá teve também
Um menino então
Tiraro meu filho de mim
E me botaro pra sê ama de leite
Do filho dela.
Quando o período do aleitameto acabô
Me permitiro saí da casa
E i até a senzala vê meu samuel.
Tudo que achei foi uma cruzinha de madera
Fincada no terrero do fundo.
Me dissero que a sinhá Dona Manuela
Mando afoga meu minino porque
Sabia quem era o pai,
O pai era o marido dela.
Com dezessete ano eu tive conheci
O amor de minha vida, João D'angola
Um homi bom, escravo de ofício,
Era marcinero e o sinhô o alugava
Para tudo que é fazenda da região.
Ieu e João nos cazemo, tudo em segredo.
Foi então que o sinhô ficô sabeno,
Mim deu uma sova de chicote
E vendeu João.
Com vinte ano nasceu meu segundo menino,
Jorge, foi o nome que lhe dei.
Jorge era mais preto que branco
Então a sinhá acredito quando ieu jurei
Que ele era fio de um dos escravo,
E assim ela dexo Jorge vivo.
O sinhô sabia que Jorge era fio dele
Então não o judiava tanto como
Fazia cum os otro escravo
Dispois de pari Jorge nunca mais
Ieu tive fio, deu um nó
Na minha barriga e mesmo com
O sinhô me forçano sempre
Ieu nunca mais pari.
Trabaiei muito, e o tempo passô...
Ah como passô...
Me treinaro a sê partera,
Ieu é que fiz trouxe ao mundo
Os fio de tudo que era as escrava da senzala,
E inté fio de os sinhô da região
Ieu era chamada pra fazê nasce.
Foi inton que o sangue quente di meu pai
Afloro nas minhas veia
E ieu numa das viage pra acudi
Muié de parto
Levei meu fio junto e mi escafedi,
Fugi pra mata.
Mas logo me acharo, os cão dos
Capitão de mato me farejaro.
Sinhá num feiz nada cum meu fio
Mas mando queima minha perna esquerda
Pa modi ieu nunca mais corre,
Num podê mais fugi.
Dali por diante ieu mancava
Mas mes mancano ieu trabaiava.
O sinhô e a sinhá morrero de véio
E ieu fiquei pra cuida do sinhozinho,
Sinho António, aquele mesmo minino
Que ieu amamentei quando era de colo.
Meu fio Jorge se caso com uma negra,
Tobia o nome dela.
Sinhô António num gostava de preto
Se casano na senzala então logo vendeu Tobia.
Ela teve duas criança, sim, me deu
Duas netinha, Emilia e Eduarda
E Ieu que criei.
Que assim que crescero
Vieram mim ajuda na lida da cozinha.
Quando Emília tinha lá pros seus doze ano
Ieu percebi os olho do sinhô
Fitano ela di um jeito qui ieu sabia bem
O que era.
Ieu vivi sessenta ano na escravidão,
Sabia tudo o que minhas neta iam vivê
Na cama do sinhozinhoso,
As coisa horriver que iam passa se
Elas fosse levada pras casa de "procria"
Ou se fosse vítima do ciúme
Da futura sinhá que viesse a reina ali.
Então na altura da minha velhice
Me enchi de corage e disse não.

Não! Elas não!

Comecei a assuntá com o povo
Sobre a história de um tal quilombo
Que ficava pra lá da lagoa grande.
Os escravo da fazenda gostava muito di eu
Intonce caçaro de sabe o lugá certo
Donde ficava o quilombo.
Rezei muito a meu pai Oxalá
Pra ele mim da corage,
E inton uma noite
Chamei meu fio e contei o que
Ieu tinha na cabeça.
Jorge fico muito assustado
Mas ieu fiz pé firme
Até ele dizê que ia fazê o que ieu falava.
Peguei um balde,
Enchi de agua cum mastruz
E botei ropas de moio na água.
Passada umas lua
Chego a noite de fugi dalí.
Acordei minhas menina e
Pedi pra elas tira as ropa,
Elas me deram as ropa que usava,
Ieu enfiei numa borsa de páia
E fiz as duas vesti as ropa
Molhada de agua com mastruz,
Meu fio também vestiu as carça
Moiada e mi deu a seca.
Ieu virei o balde daquela água
Na cabeça deles e
Intonce nois quatro cruzemo
O cafezar na calada da noite
E si embrenhamo na mata.
Corremo na direção que
Os otro escravo tinha dito
Que ficava o tar quilombo.
Deu nem meia hora e ouvimo
O estardalhaço, os capitão do mato
Vindo atrais de nois
Com os cachorro de caça.
Foi então que dei um abraço apertado
Nas minha neta e no meu fio,
Ele me olhô com muita dor
Mas sabia que era o único jeito.
As menina choraro por demais
Mas Jorge as impurro e
Correro pra cima do Morro.
Ieu tirei as ropa deles que trazia
Na minha borça de paia
E comecei a corre pro outro lado,
Ieu curria como dava
Já que mancava duma perna,
Mas ieu fiz o que dava
E ia sacudino as ropa e batendo elas
Nas arvore que passava.
Eu sabia que eles cheirano a mastruz
Num iam sê farejado pelos cachorro,
Então com as ropa seca deles
Ieu fui correno pa longe
Deixano os rastro.
Corri até as perna fraqueja,
Ieu já era muito veia, nun guentava.
Corri até que cai deitada na terra
Sem força pa continua.
Logo os cachorro me acharo,
Num me mordero, mas latiro
Avisano que ieu tava lá.
Os capitão do mato chegaro
E com eles o sinhozinho.
Os capitão quando me viro
Ficaro inté assustado
E um, um que ieu ajudei a criá
Inté cochichô "foge dona maria, foge!"
Mas ieu num tinha força pra fugi.
Eu já nunca achei que ia consegui fugi,
Nunca foi o que ieu quis.
O sinhozinho veio por de trás deles
E gritô
"cade eles velha desgraçada?! Ande! Diga!"
Mas ieu num disse nada.
Eles pegaro minha borça e viro
Que ieu tinha engano os cão com
O chero das ropa,
E des de lá o sinhozinho
Já começo e me bate.
Ele exigia que ieu dissesse
O rumo que meu fio e minhas neta
Tinham tomado, mas ieu num disse nada.
Cheguemo na fazenda
E ele chamô os otro escravo
Pra me vê apanha.
Então mi deu uma surra de vara
Na frente deles.
Os escravo, a maioria eram moços
Que eu mesma tinha criado
Chorava e implorava pro sinhozinho
Para de mi judiá,
Mas ele dizia que se eu falasse
Ele parava.
Mas ieu num falei.
Então ele fico muito bravo
E mando o capataz mi rasta
Pro terrero do fundo,
Lá donde ficava o tronco.
Me amarraro, rasgaro minha camisa
E então veio a primera chibatada.
Meus jeolho cedero, doía demais.
Ele disse que se ieu num falasse
Ele ia da outra.
Mas ieu num disse palavra.
Veio a otra chibatada,
E a outra, e a outra, e outra...
A cada veis que o chicote
Me atingia
Meu corpo tremia
E as vista ia escureceno.
Fiquei olhando pro longe,
Pras montanha de mata fechada
Onde minhas neta e meu fio
Iam de sê feliz, iam de sê livre.
E foi ali no tronco que ieu morri.
Mas ieu morri feliz.

Do outro lado, no lugar ondi
As Almas descansa
Ieu tive a chance di fica em paz,
Na companhia de nosso pai Oxalá,
De Zambi e de nosso sinhô Jesus Cristo
Ieu ia pôde tê o descanso dos justo.
Mas... de lá escutei
Meu povo rezano pedino ajuda.
Ieu ainda só vó dessa gente, sim sô.
Ieu voltei de lá
E aqui eu tô, ainda cheia de corage
Para ajuda quem precisá.
Sei que a minha historia é tristi
Mas se ieu conto ela
É pra oces sabe que
Eu só a vovó Maria Conga
E que tenho o peito forte
Pra muita gente ainda podê ajudá.
Ieu num vô imbora não,
E sempre que oceis tivere passando
Pelas maió tristeza dessa vida,
Pode confiá que Vovó vem ajudá.

"A quem Zambi promete tudo dá, é só tê paciência de esperá! Vem curimba cum eu, curimbá! Vem curimba cum eu, curimbá!"

Saravá os Pretos Velhos!
Savará Vovó Maria Conga!
Saravá o povo do cativeiro!
Saravá a Umbanda!

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Contos de Terreiro, dramatização: Felipe Caprini
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Espero que tenham gostado!
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