domingo, 27 de novembro de 2022

A história de Claudia Soares de Castañeda.

 

A história de Claudia Soares de Castañeda.


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Eu prossigo agora com a narrativa do restante de minha história de vida...

Claudia nasceu em solo espanhol, de uma família tradicionalmente católica. Os Soares eram famosos criadores de porcos de diversas raças, oferecidos aos banquetes reais, em comemorações diversas. Soares é um nome que deriva de Soeiro, que significa: "criador de suínos". Quando conheci Claudia ela estava com dez anos e eu já havia completado dezesseis. Apesar de ser uma menina, já era possível ver que se tornaria uma mulher de beleza exuberante.
Nossos pais realizavam troca de produtos e, durante suas negociações, eu e Claudia nos observávamos. Com o passar dos anos, nos tornamos amigos. Nossas famílias se visitavam e fomos aprofundando nossa amizade. Claudia já era uma moça e atraía a cobiça dos homens da região. Um jovem comandante da Coroa Portuguesa estava sempre rondando a família Soeiro, na tentativa de desposar Claudia.
Aqui, porém, houve uma grande reviravolta na história... Nessa época, Portugal e Espanha começaram a guerrear, disputando territórios, coroas e bens. Casamentos entre fidalgos foram desfeitos, gerando mais atrito entre os dois reinos. Quando as disputas começaram a ficar mais intensas, eu e meu pai decidimos evitar a região por um período. Então, fizemos uma última visita aos Soares, para deixar produtos excedentes.
Nós ciganos, somos muito intuitivos e minha mãe nos alertou para que não fizéssemos essa viagem, pois estava com maus pressentimentos. Mas, nós somos também muito persistentes e quando nos decidimos, agimos de qualquer maneira. Dessa forma, chegamos em Toledo, próximo ao Rio Tejo. Quando nos aproximamos de Alcázar de Toledo, percebemos vários frontes de guerra. Então, decidimos seguir durante a noite até a residência do Senhor Soares.
Com a escuridão da noite pudemos nos ocultar e chegamos à residência do Senhor Juarez Soares. Ele e a esposa Eulália estavam acordados e preocupados com a situação. E diante de tudo que estava acontecendo, nos pediram que tirássemos Claudia e seu irmão Ygor às escondidas, pois temiam por uma invasão. Ygor tinha a metade da idade de Claudia, mesmo assim, era esperto e corajoso. Os dois irmãos não queriam deixar a família. Portanto, era compreensível que não quisessem se afastar. Foi difícil convencê-los do perigo que corriam...
Logo que deixamos a fazenda percebemos ao longe uma invasão e labaredas de fogo consumindo a plantação mas, nada podíamos fazer. Os dois choravam muito. E nós, para protegê-los, tentamos nos afastar o mais rapidamente possível. Andando na surdina chegamos ao nosso acampamento. Minha mãe nos aguardava apreensiva, pois sabia que o pior havia acontecido.
Com o passar do tempo, Claudia e Ygor, acostumaram-se a vida local e passaram a conviver com as organizações diárias do acampamento. Porém, não ficávamos na mesma região por muito tempo e passamos a nos mudar mais frequentemente. E nossa vida prosseguia... Após certo período de adaptação, uma cerimônia de iniciação foi realizada para Ygor e Claudia, onde os dois passaram a fazer parte de nossa família cigana.
Assim, transcorreram sete anos, Ygor tornou-se um rapazote e Claudia era uma linda mulher. Em uma dança com punhais, joguei meu punhal ao chão, aos pés de Claudia. Ela o apanhou e guardou no meio dos seios. Depois dançou com uma flor na boca e a lançou para mim. Era um pedido de casamento. Ela aceitou e eu aceitei.
Dissemos sim em outra cerimônia realizada pelo Chefe de nossa Tribo, onde enchemos nossa taça de vinho e bebemos juntos. Fizemos o pacto de sangue e amarramos nossas mãos. Éramos um só. Dançamos e festejamos e todos comemoraram... Claudia era amada por todos. Quando nos recolhemos todos silenciaram e esperaram, como era costume. Mostrei o lenço e todos gritaram: Optchá!
Nove meses depois nasceu um menino lindo que se chamou Enrico, mas todos só sabiam dizer "Rico". Esses anos foram muito felizes mas, passaram rápidos. Até me esqueci das guerras e dos perigos... Então, Claudia ficou grávida mais uma vez. Uma menina, que não nasceu. Porém, descobrimos que foi melhor assim, porque as perseguições ao Povo Cigano (e aos demais povos) estavam se tornando cada vez mais efetivas. E nós começamos a nos esconder cada vez mais.
Chegou um momento em que a Europa ficou tão preenchida de soldados e Inquisidores, que seria impossível contar seu número. Muitas famílias Ciganas e de outras origens estrangeiras começaram a fugir da Europa para as Américas, por ser o mais longínquo de todos os lugares. Quando conseguimos preparar todo o acampamento e armar nossa fuga, fomos presos no Cais do Porto de Marselha. Alguns, ainda, conseguiram embarcar rumo ao Novo Continente. Eu e todos os meus familiares, fomos presos e levados ao calabouço.
Sem privilégios, sem água, sem comida e sem direito a julgamento. Fomos torturados por dias... Mas, de todos quem mais sofreu foi Claudia, ao ver Enrico acorrentado em um canto do calabouço, definhando aos poucos. Se ao menos ela pudesse abraçá-lo e confortá-lo... Uma criança pouco resiste em meio a tanto sofrimento, mas Enrico suportou olhando para a mãe. E Claudia cantou para ele uma canção de ninar e o viu partir...
Cada um de nós entregou-se aos poucos nos braços da Morte... Evitarei narrar os pormenores porque são fatos muito doloridos, para nós e para vocês que leem essa narrativa. Basta dizer que, quando fechei os olhos, Claudia ainda agonizava chorando por Enrico. Aqui preciso dizer que Ygor, irmão de Claudia, conseguiu escapar no momento de nossa captura. Mas, a história dele será contada em outro momento.

Pablo Juan de Castañeda

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