sexta-feira, 25 de novembro de 2022

A MULHER EMPODERADA E O ARQUÉTIPO DA POMBA GIRA

 

A MULHER EMPODERADA E O ARQUÉTIPO DA POMBA GIRA




Eu entendo que empoderamento é nós aceitarmos como somos, olhando para todas as partes do nosso ser e ainda assim ver sagralidade nisso. Empoderamento é autoamor e poder pessoal juntos. 
Se pensarmos na sagralidade da mulher, podemos pensar nessas duas palavras:
Sagrado. Feminino.

Sagrado: relativo à Deus
feminino: relativo à mulher ou fêmea.

Porque é tão difícil relacionar as duas coisas?  Porque há muito tempo o sagrado do feminino foi destruído. Vivemos em uma sociedade patriarcal e aprendemos a também renegar a nossa sagralidade.

A crença que vive no inconsciente coletivo acredita em um Deus pai. E que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Já nós fomos criadas da costela do homem. E mesmo que essa não seja a sua crença precisamos pensar quais as influências que esse mito nos trouxe ainda nos dias de hoje. Essa marca da mulher, da filha de Eva, é uma ferida ainda aberta.

Os historiadores já concordam que nas primeiras civilizações as sociedades eram Matriarcais e o culto era a Deusa. Mas conforme o patriarcado se estabeleceu a figura da Deusa foi sendo destruída.

A figura mais próxima da santidade que temos é a virgem Maria. Mas ela foi destituída da sua sexualidade. Uma mulher que é mãe, porém, que é virgem. O que torna nossa sexualidade pesada e a mulher libidinosa impura.

E por muito tempo nós vimos assim. Foi há pouco que a mulher começou a reivindicar o seu papel na sociedade como um ser completo. E carregar todo esse histórico faz com que ainda existam muitas prisões dentro de nós. Para que a gente conquiste esses lugares que almejamos e batalhamos tanto para conquistar, a maior luta está em acreditarmos no nosso potencial, no nosso poder pessoal e no magnetismo da magia natural que toda mulher é capaz.
 E essa é uma das missões que as giras nos trazem, o arquétipo da Pomba gira se aproxima muito da atuação e dos conceitos da luta feminista.

Elas nos ensinam que amor se vive com intensidade, mas também com a preservação da individualidade. Nos ensinam que a beleza e o poder independem da nossa imagem física e que o empoderamento brota de dentro para fora. Elas nos ensinam a magia do autoamor, o magnetismo pessoal que cada uma possui e que é a arma mais poderosa de toda mulher.

Para quem desconhece sobre esse tema, a palavra Pomba gira, traz um conceito pré concebido de algo ruim, beirando a promiscuidade.
À Pomba gira reservou-se uma imagem pejorativa, ligada a sexualidade desenfreada, libertinagem e trabalhos negativos, como amarrações de amor.
Porém a Pomba gira surge trazendo de volta o empoderamento feminino. Por séculos a mulher era apenas coadjuvante existencial, sem muita importância, e aquelas que tentaram mudar esta realidade foram mortas e ridicularizadas de alguma forma.
 Esta realidade brutal se arrastou por séculos a fio e só começou a mudar nos anos 60 aqui no Brasil, foi na mesma época em que obtiveram as primeiras manifestações das Pombas giras nos terreiros. Quando apareceram nos terreiros eram o retrato de tudo aquilo que as mulheres sonhavam em ser, mas já tinham perdido a esperança. Também eram tudo que os homens gostavam, mas combatiam covardemente.
Até essa época, a vaidade era abafada de todas as formas e sensualidade era algo que muitas vezes nem brotava no âmago da mulher. Um combate cruel contra a natureza.
E surge então elas, mulheres independentes, firmes, alegres, esbanjando sensualidade, sem papas na língua, “afrontando” a covardia machista imperante.           
No momento em que começaram aparecer nos terreiros e tudo isso foi cautelosamente pensado, foi uma “invasão” coletiva e simultânea. A médium que aparecia opaca no terreiro ao estar mediunizada por uma pomba gira ficava linda, pois juntava sua sensualidade escondida com a da gira e aquela mulher virava um furacão.
Mas com a vinda delas também surgiram as perguntas: se eram “prostitutas”, “putas”, “bruxas” a resposta era sempre a mesma: uma sonora gargalhada. Sempre uma boa provocação para mentes machistas, pois pensem o que quiserem, eram apenas livres. Mas ficava ainda melhor quando cantavam que “pomba gira é, mulher de sete maridos”, aí sim a provocação estava feita. Pois era a situação inversa, ou seja, não o homem podendo a poligamia, mas sim a mulher subjugando vários homens sob seu encanto.
E porque não desmistificar sobre as formas pejorativas de descrevê-las? Porque elas representam a mulher que é o que ela quiser ser, mas principalmente é INDEPENDENTE, CAPAZ E LIVRE.
 É certo que existem algumas Pombas Giras que foram prostitutas e marginais? Sim é certo. Pense no contexto histórico e as mulheres livres e libidinosas, como eram vistas? Qual destino elas teriam? Mas isso realmente importa?
Pomba gira vem para ensinar a mulher que sua força não deve ser ridicularizada, minimizada ou vulgarizada. Ela é o encanto e a sensualidade natural da mulher, a essência do feminino. Fogem dos padrões que por muito tempo foram reservados à mulher.
Alexandre Cumino tem uma fala que diz: muitas, muitas e muitas mulheres sentiram na pele a dor de uma sociedade sufocando a sua voz, podando a sua liberdade e tornando-a presa a valores, muitas vezes hipócritas. Essa mulher encontrou em Pomba gira uma força, uma dignidade para caminhar de cabeça erguida, força para vencer, para lutar; por isso Pomba-Gira assusta. Assim como mulheres independentes, mulheres que não tem medo, que assumiram as suas verdades perante essas questões assustam aqueles que ainda são machistas e hipócritas. Se assustam então, com uma mulher que caminha de cabeça erguida

Quando trago o arquétipo da Pomba gira também podemos associá-las a figura de Lilith, ou das Deusas negras.
 Lilith é aquela parte do nosso lado feminino que não é aceito social e culturalmente, que fomos ensinadas a rejeitar para atender a mandatos que não necessariamente serviam aos nossos interesses. 

 O mito de Lilith

Existem algumas histórias mitológicas para Lilith, mas a com que eu mais me identifico fala que ela foi, na verdade, a primeira mulher de Adão, e não Eva. Teria sido assim: quando Deus criou Adão, o fez completo, homem e mulher. Tudo ia bem até que Adão começou a nomear os animais e viu que havia um macho e uma fêmea para cada espécie. Ele então perguntou a Deus porque todos tinham um par, menos ele. Deus explicou que ele não precisava de uma mulher porque ele continha tanto a essência masculina quanto a feminina. Mas mediante sua insistência, Deus teria concordado em dividí-lo em dois, macho e fêmea, ou Adão e Lilith.

No início eles foram muito felizes. Adão adorava ter com quem conversar passar tempo, jogar, comer, fazer amor e compartilhar a vida. Mas Adão insistia em assumir o papel de dominador ante Lilith, inclusive sexualmente. Lilith não aceitava isso. Ela dizia que eles tinham sido feitos do mesmo material e tinham a mesma essência. Portanto, eles eram iguais e deveriam se tratar como tal. Mas Adão não aceitava. Ele dizia que ele tinha sido feito de terra, que era um material puro, e ela de sedimento, que era impuro, indicando sua menor valia. Lilith recusou-se a aceitar esta subjugação e decidiu abandonar Adão para viver sua vida de forma livre. Ela queria ser quem era e viver de acordo com a sua essência. Assim, ela se mudou para uma caverna que ficava às margens do Mar Vermelho, onde viviam os demônios, com quem ela tinha vida social e relações sexuais. Ali, ela conseguiu criar para si um lugar que jamais teria tido com Adão, onde não era dominada por ninguém, se expressava livre e criativamente, e era sexualmente livre. 
 Adão, por outro lado, sentado no Jardim do Éden, rodeado por toda aquela pureza e beleza, mas sem ninguém com quem compartilhá-la, começou a se sentir sozinho. Então, ele pediu a Deus que trouxesse Lilith de volta para lhe fazer companhia. Deus enviou três de seus anjos para entregar uma mensagem a Lilith, que dizia que ela deveria voltar a viver com Adão ou os seus filhos não serão mais imortais, e ela os veria morrer. Ela tentou argumentar sem sucesso. Mesmo assim, ela decidiu não voltar e seus filhos começaram a morrer. Ela ficou, então, possuída por ira, teria se tornado um demônio.
Foi por isso que Deus criou Eva da costela de Adão, para que ela seja sempre inferior e submissa a ele. Porém 
há quem diga que A serpente que induz Eva a comer do fruto proibido era Lilith mostrando para Eva que ela poderia ser livre também.

Que lições nos trazem este mito? Primeiro, que se formos contra Deus, vamos sofrer. Aqui, por si só, já temos uma forte inferência do porque temos que manter a natureza feminina reprimida, “na sombra e bem longe da luz: para evitar o sofrimento. Mas é preciso notar algo mais: o Deus histórico é do sexo masculino, o que cria uma associação (ainda que nebulosa) de que os homens e Deus devem ser obedecidos com a mesma reverência e sem maiores questionamentos. Assim, ir contra o desejo dos homens para atender à nossa natureza e essência femininas seria passível de punições inimagináveis. Afinal, ao fazê-lo, Lilith perdeu seus filhos, seu status e sua capacidade de sobreviver dentro de um contexto social e cultural.

Porém, tanto para as Pombas giras quando na tradição de Lilith, o Deus não é visto nem acima – e tampouco abaixo da Deusa. Lilith é uma Deusa que gosta do Masculino e o aceita como seu igual e parceiro em complemento e cumplicidade. Lilith aprecia muito o masculino independente, capaz de aceitar sua liberdade sem temer o seu amor..
Que Saibamos nos empoderar com elas, que sejamos cada vez mais Pombas giras, que surjam cada vez mais Rainhas, Quitérias, Padilhas por esse mundo!

Patricia Cassariego