Tinha dez anos
Quando aquela mulher veio até
A casa de minha avó.
Me Lembro como se fosse hoje
Era bonita de um modo diferente,
Vestido vermelho vivo,
Cabelos negros volumosos.
Tinha dez anos
Quando aquela mulher veio atéA casa de minha avó.
Me Lembro como se fosse hoje
Era bonita de um modo diferente,
Vestido vermelho vivo,
Cabelos negros volumosos.
Minha avó fez cara feia
E perguntou grosseira
"Que diabos faz aqui em plena luz do dia? Não quero que os vizinhos vejam esse tipo de gente aqui."
A mulher respondeu com calma
"Vim buscar o menino."
Vovó ficou ainda mais brava
"Buscar pra quê?"
A mulher sorriu triste
"Para se despedir."
Vovó olhou para ela com receio
"Mas Dona Padilha, ela está..."
"Está. Quer ver o menino. Eu o trarei de volta em breve."
Vovó fez uma malinha
Com algumas roupas minhas
E entregou a mulher,
Depois me disse para ir com ela.
Obedeci e fui, entrei em uma carruagem
A mulher bonita que agora sabia ser
Dona Maria Padilha
Sorria para mim as vezes
Mas não disse nada,
Havia tristeza em seu olhar.
Chegamos em um casarão,
Dentro era lindo como um
Castelo de contos de fada.
Haviam muitas mulheres lá,
Todas lindas.
Dona Padilha pegou a minha mão
E me levou para o andar de cima.
Entramos em um corredor
E ela me pediu para entrar em um dos quartos.
Entrei e vi uma mulher sobre a cama,
Estava pálida e com os lábios arroxeados.
Quando ela sorriu para mim a reconheci,
Era minha mãe.
Fazia uma ano que ela não me visitava
E nem sequer escrevia.
Eu sabia que era ela que pagava
As contas da casa de vovó,
Era ela que comprava minhas roupas
E pagava minha escola.
Mas eu nunca soube que ela morava
Em um Palácio.
Mamãe abriu os braços e corri para ela
Em um abraço apertado.
Logo uma tal de Rosa Vermelha
Entrou no quarto trazendo
Um pedaço de bolo de chocolate para mim
E um copo com remédio para mamãe.
Vovó chamava mamãe pelo nome, Soraya,
Mas as mulheres dali a chamavam de Sete Saias.
Perguntei o motivo
E mamãe contou que era por causa
De seu vestido favorito.
Colocaram uma cama de armar
Ao lado da cama dela
E eu dormi ali.
Mamãe não conseguia levantar
E quando tossia levava o lenço a boca
E ele se tingia de vermelho.
Muitas mulheres vieram ver mamãe
Todas eram deslumbrantes.
Ela sorria e agradecia as visitas.
Um médico careca veio também
Examinou e partiu.
No terceiro dia mamãe piorou
Não conseguia nem sentar na cama
E ardia em febre.
Ela pediu que ficasse abraçado com ela
E fiquei.
Ela dizia repetidas vezes que me amava muito
E constantemente me pedia perdão.
Não entendia porque ela pedia isso,
Nunca havia feito nenhum mal comigo.
De manhã falou aos cochichos
"Nao queria que fosse assim..."
No meio da tarde senti que ela estava gelada
E corri la fora para pedir para alguma
Das mulheres mais um cobertor.
Rosa Vermelha estava no corredor
E quando pedi isso
Ela entrou correndo no quarto
E tocou o pescoço de mamãe,
Depois sorriu para mim e disse
Que iria procurar um cobertor
Mas que eu devia ir para a cozinha
Comer mais bolo.
Fui e dali a pouco dona Padilha
Se sentou ao meu lado
E me disse
"Sua mamãe estava muito doente, sofrendo muito, mas agora ela foi morar no céu, ela infelizmente teve de ir. Você quer ver ela mais uma vez antes que eu te leve de volta para a sua avó?"
Deixei o garfo cair no chão com estrondo
Enquanto encarava Dona Padilha.
"Minha mãe... morreu?"
"Sim... Ela se foi."
Saltei do banco e corri o máximo
Que podia escada acima
Quando cheguei vi o quarto tomado
Por mulheres, todas da casa estavam lá.
Mamãe estava na cama agora mais arrumada
Alguém havia trocado sua roupa
E penteado o cabelo.
Enfiada naquele vestido chique
Com as mãos cruzadas sobre o peito
Ela parecia a bela adormecida
Daquele livro que vovó lia pra mim.
Me aproximei e toquei o rosto pálido,
Estava rígido e frio.
Chamei ela uma vez, duas vezes, três vezes
Mas ela não abriu os olhos.
Então gritei, agarrei ela pelos ombros
E gritei o máximo que pude.
Nada, ela não se mexeu.
Rosa Vermelha me tirou do quarto
Me pegando no colo enquanto
Eu berrava.
Minutos depois estava na carruagem
Com minha malinha e Dona Padilha
Sentada do meu lado.
Ela segurou minha mão
E cantarolou alguma coisa.
Entre os soluços adormeci,
Acordei quando ela me disse
Que havíamos chegado na casa de vovó.
Padilha se abaixou para ficar
Na minha altura e disse que
Assim que me tornasse homem
Era para voltar para aquele casarão
Pois ela iria me dar algo
Que minha mãe tinha deixado pra mim.
Vovó perguntou sobre o dinheiro
E Padilha garantiu que ela mesma
Prosseguiria arcando com as despesas.
O tempo passou e eu cresci
Virei homem estudado
Doutor com diploma na mão.
Assim que pude voltei aquela casa,
Agora adulto tive consciência
De que era um cabaré.
Quando cheguei pedi para falar
Com Dona Padilha,
A principio ela não me reconheceu
Mas quando me apresentei
Ela sorriu e me levou para cima
Para seu quarto.
Sentei na beirada da cama,
Ela abriu o guarda roupas e tirou de lá
Um grande embrulho de papel pardo e me deu,
Em seguida saiu me dando privacidade.
Desatei os barbantes e tirei
A primeira camada de papel,
Dali caiu um envelope do qual abri
E li a carta que continha.
Passei meus olhos sobre ela
E as lagrimas começaram a cair.
A carta era de minha mãe,
Nela havia o relato de sua vida,
Dos motivos de ter ido parar na prostituição,
Das violências que sofreu
E de sempre ter de resolver tudo sozinha.
A carta era grande e ao terminar de ler
Meu corpo se tremia inteiro
Pela dor que me atingia o peito.
Cuspiram em sua cara,
A chamaram de puta para lhe reduzir a nada,
Era vista como um ninguem.
Passou fome e frio, sozinha.
Teve de se vender para não morrer
E quando ficou grávida de mim
Se culpou muito e se recusou
A me largar no orfanato.
Achou vovó, que para minha surpresa
Não era parente e sim uma mulher
Paga por ela para me criar
Longe da vida suja daquele cabaré.
Na última linha da carta
Ela me pedia para nunca contar
Para ninguém quem ela era
Pois ela temia que eu fosse descriminado
Por ser filho de alguém da noite.
Acabei de ler e guardei a carta
No bolso interno de meu paletó,
Então removi a segunda camada
De papel do embrulho
E tirei dali uma saia de corte espanhol,
Tinha sete Barrados em vermelho e Negro.
Estendi a saia sobre a cama e
Passei os dedos sobre as costuras,
Entendi de imediato,
Era a a roupa dela, a que lhe deu
O nome de Sete Saias.
Recolhi aquela peça de roupa
E fui embora viver minha vida.
Nunca contei para ninguém sobre aquela carta
Ou sobre ela.
Me casei e tive minhas filhas e minhas netas.
Um dia quando estava muito velho
E já adoentado
Minha neta mais nova
Encontrou entre as minhas coisas
Aquela saia tão bonita
E perguntou de quem era.
E finalmente eu contei
Que era de minha mãe,
Minha corajosa mãe
Da qual eu desesperadamente
Sentia saudades.
Orientei com firmeza
Que ninguém da família
Sentisse vergonha dela,
Pois ela foi uma valente guerreira
Vítima das maldades do mundo.
A saia ficou para a família
E uma noite quando meu corpo idoso
Parou de resistir,
Tive o imenso prazer
De ver minha mãe novamente
Jovem e bonita ali no meu quarto
Sorridente como sempre foi
Dizendo que tinha vindo me buscar.
Me vi menino de novo
Abandonando o corpo de velho sobre a cama
Saltei dela em forma de moleque
Segurei na mão de minha mãe com força
E então partimos juntos para outro lugar.
.
.
.
.
.
"Contos das muitas Marias", Felipe Caprini.
.
.
Espero que tenham gostado, quem quiser encomendar desenhos pode me chamar no whatsapp 11944833724
Muito obrigado