sexta-feira, 13 de maio de 2022

Quando minha mãe morreu Meu pai se tornou outra pessoa. Ela faleceu em 2011 devido a Complicações de uma cirurgia, Então pela primeira vez em Trinta e dois anos de casamento Meu pai se viu sozinho.

 Quando minha mãe morreu
Meu pai se tornou outra pessoa.
Ela faleceu em 2011 devido a
Complicações de uma cirurgia,
Então pela primeira vez em
Trinta e dois anos de casamento
Meu pai se viu sozinho.


Pode ser um desenho animado de 1 pessoa e texto que diz "FELIPE CAPRINI"Quando minha mãe morreu
Meu pai se tornou outra pessoa.
Ela faleceu em 2011 devido a
Complicações de uma cirurgia,
Então pela primeira vez em
Trinta e dois anos de casamento
Meu pai se viu sozinho.
Eu apesar de amar muito
A minha mãe não senti tanto
A sua morte, isso porque ela
Era uma mulher muito forte
E fazia já três anos que nos preparava
Anunciando sua partida e dizendo
Que seria breve, estava doente
Fazia muito tempo e já pressentia
Que seu tempo na terra estava
Chegando ao fim,
Tanto que deixou tudo organizado,
Inventário e a divisão dos bens,
Até as cartas de despedidas
Todas já escritas.
Quando minha mãe morreu
Todos nós da família já esperávamos
A sua morte, mas surpreendentemente
Percebi que o meu pai não.
Em toda minha vida eu nunca
Havia visto meu pai chorar
Mas no dia em que me ligaram
Para ir para o hospital
Cheguei lá e a primeira notícia
Que tive dos médicos foi que a
Minha mãe estava morta
E achei muito estranho pois
Eles me deram a notícia como
Se isso não fosse o mais grave
No momento,
Quando subir o elevador
Descobrir que de fato não era,
Haviam quatro seguranças e
Duas enfermeiras tentando
Conter o meu pai, ele éra um homem
Grande estava quebrando tudo
Que tinha no corredor e na
Sala de espera enquanto gritava
A plenos pulmões o nome
De minha mãe.
Hoje eu entendo aqueles berros
Ensurdecedores onde ele
Gritava "Sandra" eram como
Se fosse a explosão de todo o
Sentimento que ele jamais
Havia manifestado.
Meu pai foi criado para ser
Um homem duro,
Um homem que falava pouco,
Um homem agressivo.
Ele nunca bateu na minha mãe
Mas existem coisas que doem
Mais de um tapa.
Ela sempre foi da Umbanda,
A vida inteira se orgulhou de
Ser filha de Iansã, mas nunca
Pôde professar a sua fé dentro
De casa.
Lembro quando eu era criança,
Nós íamos a um terreiro do
Outro lado da cidade e eu
Perguntava a minha mãe
Porque nós tínhamos de ir
De ônibus sendo que meu pai
Tinha um carro parado na garagem,
Minha mãe sempre respondia
Que ir de ônibus era melhor
Mas quando eu cresci descobri
Que ele não permitia que ela
Usasse o carro para ir lá.
Ela podia ir com carro a
Qualquer lugar menos lá.
Me lembro de um dia quando
Cheguei em casa da escola e vi
Minha mãe ajoelhada no chão
Chorando muito e recolhendo
Cacos de louça e colocando
Em cima de um lenço,
Quando cheguei mais perto
Para ver percebi que aqueles
Cacos eram da estátua de
Santa Bárbara que ficava em
Cima do armário da cozinha,
Meu pai havia pego a estátua
E quebrado pois descobriu
Que aquilo era sincretismo,
Ele antes não sabia mas assim
Que percebeu que na figura
Daquela Santa minha mãe
Cultuava em Iansã ele estourou a
Estátua no chão.
Era uma estátua muito bonita
Mas que acabou se tornando
Apenas um monte de cacos.
Por muitas vezes ele a proibiu
De ir ao terreiro,
Dizia que era coisa do diabo,
Dizia que não admitia aquela "nojeira",
Mas minha mãe sempre o enfrentou
Nesse aspecto,
Chegou o cúmulo de uma vez
Ela ter de pedir dinheiro emprestado
Para pagar a condução
Pois meu pai não permitia que ela
Usasse o carro, negava dar dinheiro
E também não permitia que ela
Trabalhasse para ganhar o próprio.
Era outro tempo, outros costumes,
Época em que as mulheres obedeciam
Seus maridos cegamente,
Mas mesmo que ela obedecesse ele
Em todos os demais sentidos, neste não,
Ela nunca abandonou em Iansã.
Como dentro de casa ela não
Podia ter nenhuma estátua ou
Nada que remetessem a fé,
Minha mãe passou a cultuar
A santa dela em um vaso de flores,
Ela colocava muitas rosas vermelhas
Amarelas e rosadas em um vaso e
Acendia uma vela ao lado,
Ali ela rezava para Iansã,
Tinha de fazer suas preces diante
De um vaso de flores pois dentro
De casa se qualquer coisa
Lembrasse um Orixá meu pai quebrava.
O tempo foi passando e me tornei
Uma mulher adulta,
Comprei meu carro e com ele
Levava a minha mãe no terreiro,
A ajudei a fazer um curso de corte e costura,
Paguei para ela as mensalidades e
Ela começou a trabalhar como
Costureira no bairro,
Finalmente tinha seu próprio dinheiro e
Assim consegui às vezes até ir táxi para
O terreiro quando eu não podia levar,
Conseguia também pagar a mensalidade
De lá em dia.
Quando ela começou a ficar doente
Pedia que eu levasse no terreiro,
Eu sempre levei antes mas
Nunca tinha ficado para ver o que
Acontecia lá,
Me arrependi muito de nunca ter
Entrado pois aquilo era algo muito bonito,
Me lembro de ver minha mãe
Recebendo Iansã em seu corpo,
Ela girava com o braço para cima e
Seus cabelos soltos cobriam seu rosto
Enquanto ela dava giros sem parar
Recebendo ali aquela energia divina.
Toda quarta-feira nós íamos para gira
Mas uma quarta-feira ela não
Conseguiu levantar da cama.
Eu sozinha não tinha como colocar
A minha mãe no carro então
Me enchi de coragem e pedi
Que meu pai ajudasse.
Ele muito a contragosto ajudou e
Acabou indo comigo até o terreiro.
Ficou lá fora nos esperando mas no
Meio da gira quando olhei para o vitrô
Da casa vi o rosto dele entre as frestas
Do vidro, ele tentava espiar para ver
O que tanto a minha mãe fazia ali,
Lembro da cara de espanto dele
Diante coisas que aconteceram lá.
O tempo foi passando e minha mãe
Acabou internada no hospital,
Ela já não tinha mais como ir na gira
Mas toda quarta-feira no horário de
Visita todo o povo do terreiro ia visitá-la,
Cantavam para ela os pontos de Iansã
E ela sorria muito,
Contente ali deitada na maca.
Meu pai nunca participava dessas
Coisas ficava no batente da porta
De braços cruzados olhando feio
Para todo mundo.
Então chegou o dia da cirurgia,
Estive com minha mãe de manhã e
Ela se despediu de mim
Já imaginando que não voltaria,
Se despediu também do meu pai
Mas ele não levou muito a sério,
Pelo modo que ele agia dava para
Ver que ele tinha certeza que a tarde
Iria ver sua esposa de novo.
Mas quando a tarde chegou a
Notícia que veio é que ela
Não havia resistido.
Fizemos o enterro e meu pai totalmente
Descontrolado chorava muito,
Toda aquela vida de cara amarrada e
Comportamento sério caiu por terra,
Tudo se tornou um gigantesco remorso.
Tivemos até que imobilizá-lo pois
Tentou abrir o caixão no momento
Em que já estava descendo a Sepultura,
Ele estava tão descontrolado que
Acabou tendo que ser sedado.
De manhã no dia seguinte ele
Acordou bem e começou arrumar
As coisas da minha mãe,
Me chamou para ajudar e nós
Começamos a mexer no guarda-roupas
Dela pois era seu desejo que tudo o
Que nós não fossemos usar fosse doado,
E.eu iria levar tudo ao terreiro para
Que fizessem as doações aos carentes.
Mexendo na sapateira dela
Ele apanhou uma caixa de sapato
E abriu para ver o que tinha dentro,
Para ver se o sapato ali podia ser doado.
Não havia sapato lá, o que tinha era uma
Quantidade gigantesca de
Pétalas de rosas secas,
Todas aquelas rosas que minha mãe
Colocava no vaso para rezar para Iansã.
Ele me mostrou aquilo e quando eu
Mexi a caixa senti um corte no meu dedo,
Ele então virou o conteúdo da caixa
Sobre a cama e ali estavam
Misturados as pétalas de rosa
Todos os cacos daquela estátua
De Santa Bárbara
Quebrada há muitos anos atrás
Meu pai recolheu novamente os cacos e
As pétalas e saiu do quarto sem
Dizer nada, foi para garagem e ficou
Lá a tarde toda.
Quando chegou quarta-feira nós
Enchemos tanto o porta-malas quanto
O banco de trás do carro com muitas sacolas
Com todas as roupas e sapatos da
Minha mãe, as roupas boas pois as
Velhas ela não doaria,
Ela gostava de dar para os outros
Aquilo que fosse o melhor.
Quando chegamos no terreiro a
Mãe de santo nos recebeu com
Muita tristeza, havia sido mãe de
Santo na minha mãe por mais de
Querenta anos, então nós entregamos
Para aquela senhora tudo referente
As doações e eu já estava pronta
Para ir embora quando meu pai
Perguntou se podia ficar para assistir.
A mãe de santo ficou muito surpresa
Pois minha mãe sempre tinha dito
Que meu pai de testava a umbanda,
Porém contudo ela permitiu que ele
Entrasse na casa.
Antes de entrar meu pai apanhou no
Banco de trás do carro embrulho de
Jornal que eu não havia dado conta
Que estava lá.
A gira começou de modo tradicional,
Eles pararam um instante para fazer
Uma oração em memória a minha mãe
E depois tudo ocorreu como sempre.
Então chegou o momento que
Começaram a cantar para Iansã e
Uma médium incorporou a Orixá,
Muito bonito de ver aquilo,
O mesmo gestual de quando
Minha mãe incorporava,
A mão para cima balançando no ritmo
Do vendaval e o corpo girando
Como um redemoinho de vento.
Foi então que meu pai levantou e
De maneira rápida pulou a correntinha
Que separava público dos médiuns,
Ele foi caminhando com os ombros
Encolhidos como se tivesse receio,
Todo o povo do terreiro parou para ver o
Que ele ia fazer,
Então quando chegou perto da
Médium de Iansã ele se ajoelhou
Na frente dela e ergueu o embrulho.
Iansã parou de dançar e foi diante dele,
Então apanhou um pacote nas mãos.
Uma moça que ajudava na casa correu até ela e desfez o embrulho de jornal,
Para meu espanto que tinha ali
Era estátua de Santa Bárbara,
Meu pai havia colado todos os cacos
E preenchido os buracos com massa,
Havia pintado novamente então
Ela mesmo dando sinais que havia
Sido remendada estava muito bonita.
Lá de onde eu estava percebi que ele
Dizia algo então também pulei a correntinha
Para trazer ele de volta,
Pensei que ele podia estar passando mal
Ou algo assim mas quando me aproximei
Ouvi que ele repetia sem parar

"Fala para ela me perdoar, por favor, fala para ela me perdoar, eu sei que a senhora é a única que pode falar com ela agora, por favor fala para ela... eu não sei viver sem ela..."

Iansã apegou a estátua já
Desembrulhada e colocou no Altar,
Colocou ali no centro do Conga,
Depois foi até o meu pai ele deu
Um beijo na testa.
Nós fomos embora para casa e
Daquele dia em diante meu pai
Começou a morrer.
Havia tanto remorso dentro de si
Que ele não comia mais e não tomava
Os remédios, não fazia mais nada além
De ficar dentro do quarto deitado e.agarrado
A um velho vestido de minha mãe.
Um dia entrei no quarto para forçar ele
A descer e tomar o café da manhã conosco,
Abrir as janelas e chamei ele várias vezes
Mas ele só abriu os olhos e depois
Fechou sem me dizer nada.
Havia um sorriso em seus lábios
Então sentei na cama e perguntei
Porque ele estava com aquela cara tão boa,
E foi assim que ele me disse:

"Eu pedi para ela dizer e ela disse, você acredita? "

Falei para ele que não estava entendendo,
Ela quem? disse o quê?
Então ele me contou que naquela noite
Havia tido um sonho, disse que viu a porta
Do quarto se abrir e minha mãe entrar,
Minha mãe sentou na cama e conversou
Com ele o perdoando de todas as coisas
Havia feito.
Disse também que no corredor
Ficou uma pessoa esperando minha mãe,
Falou que era uma mulher negra muito
Alta e que usava uma roupa toda vermelha,
E que minha mãe disse para ele
Que ela era a mãe dela,
E meu pai disse que no sonho falava
Para minha mãe que aquela não
Era a mãe dela pois ele conhecia
A sua própria sogra e
Sabia que não era uma mulher
Negra jovem,
Mas neste sonho minha mãe dizer
Para ele que aquela era a sua
Mãe de verdade.
Quando meu pai acabou de contar
Isso ele deu um suspiro bem fundo,
Então um vento frio entrou por uma das
Janelas, ali na escrivaninha junto à ela
A caixa de sapato se abriu e uma
Quantidade enorme de pétalas de
Rosas secas voaram por todo o quarto.
Meu pai fechou os olhos e
Nunca mais os abriu.
Eu comecei a frequentar aquele
Terreiro que minha mãe ia,
Descobri que sou filha de Iemanjá
Porém de toda forma sempre que
Tem gira de Iansã eu fico muito mexida
Pois no ar eu sempre sinto tanto a energia
Daquela orixá quanto o cheiro de
Perfume, e esse perfume é
O da minha mãe.

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Relatos de Fé, Arte e texto dramatizado por Felipe Caprini
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Espero que tenham gostado!
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