O nome dele ele mesmo
Jamais soube,
conta que na fazenda o chamavam
Apena Zé.
Sua mãe era uma escrava
E ele nasceu muito antes da
Lei do Ventre Livre, nasceu de escrava
Para ser escravo.
Essa história que vocês vão ler abaixo eu recebi há muitos anos atrás da própria entidade incorporada, no caso ela se refere a um Exu Mirim chamado "Kalunguinha", e o motivo de eu nunca ter contado essa história antes é porque em Exu Mirim não fazia parte do meu trabalho até então, porém chegou a hora e trazer a história e a arte dele.
Algumas ramificações da Umbanda pregam que Exu Mirim nunca foi gente, nunca foi alguém de carne e osso, e calunguinha me explicou que o motivo de dizerem isso é que não querem que as pessoas fiquem assustadas ou muito comovidas com motivo de existir essa categoria que nós chamamos de Exu Mirim, isso porque eles foram sim crianças de carne e osso e o motivo de terem se tornado entidades presas imagem infantil é que morreram muito jovens e de forma hedionda.Então aqui fica o aviso para as pessoas mais sensíveis de que o conto abaixo é um tanto quanto cruel.
O nome dele ele mesmo
Jamais soube,
conta que na fazenda o chamavam
Apena Zé.
Sua mãe era uma escrava
E ele nasceu muito antes da
Lei do Ventre Livre, nasceu de escrava
Para ser escravo.
Como era ainda muito pequeno
Suas funções eram de trabalhar
Dentro de casa grande,
Afinal de contas uma criança de
Menos de 7 anos de idade não
Tinha como ir para a lida no roçado
Porém podia muito bem ajudar
Na cozinha e servir de pajem
Para a sinhazinha.
Não há muito motivo para se
Falar da Fazenda, ele mesmo não
Se lembra tanto assim pois viveu lá
Pouquíssimos anos e destes anos
Apenas dois ou três foi uma criança
Completamente consciente.
Tinha acabado de completar
Sete anos de idade quando
Aquela velha chegou.
Ele não entendeu direito quem
Era a velha porém soube
Imediatamente que não era coisa boa,
Os donos da fazenda por mais
Que fossem católicos tinham crenças
Em coisas sombrias, crenças essas que
Não eram divulgadas,
Tudo era muito secreto.
A velha chegou na Fazenda
Apoiando-se em uma bengala,
Vinha com suas roupas pretas
De viúva, já era de madrugada
Quando a porta da Senzala foi aberta
E o Capataz entrou seguido dela.
A velha vinha com uma vela na mão
E passou a iluminar o rosto de
Cada um dos escravos jovens,
Eles sentados ou deitados em suas
Esteiras olhavam para ela assustados
Pois era uma figura muito macabra.
A velha foi examinando um por um
Até que parou na frente de Zé.
— É esse aqui vai servir. — disse ela com a voz rouca.
O Capataz pegou o Zé pelo braço,
E ele se lembra muito bem
De sua mãe choramingando e
Pedindo que não o levassem,
Mas o que ela podia fazer?
Zé foi levado para fora e então
A senzala foi trancada novamente.
A senhora de uma maneira até
Gentil estendeu a mão para Zé e
Tirou da bolsa um caramelo,
O menino pegou muito satisfeito
Pois nunca antes havia provado
Doce na vida.
O dono da fazenda se aproximou
Portando uma tocha que deixava
Tudo fingido a luz vermelha
A.sua volta.
— Dona Moura, precisa ser esse? Ele tem jeito de quem vai crescer e ganhar corpo, vai valer uma bagatela no mercado, não tem como ser aquela menina das ancas tortas?
— não meu querido, quando se faz aquilo que eu faço sempre é necessário oferecer o que há de melhor, e esse menino é perfeito.
O que acontecia ali era que
Aquela velhinha era simplesmente
Uma bruxa, e não uma bruxa
Como essas inofensivas dos
Contos infantis,
Essa era algo que as pessoas chamam
De necromante, Feiticeiras que
Trabalham de um modo horrendo.
O dono da fazenda estava com
Um filho preso, mesmo sendo
Alguém muito rico ele não estava
Conseguindo liberar o seu filho
Pois o rapaz havia se metido com
Coisa graúda, algum tipo de revolta
Contra o vice-rei, alguma besteira
De adolescente que acha que pode
Mudar o mundo.
O que acontece é que o filho do
Sinhôzinho havia cometido um crime
Chamado de "lesa-Majestade",
Que quando alguém difama
O nome do rei, e a punição para
Este crime era morte por enforcamento,
Mas a bruxa ali garantia que através
De um de seus trabalhos de feitiçaria
Conseguiria salvar a vida do rapaz.
Zé foi colocado em uma carroça
Sentado ao lado da velha,
Assim um outro escravo subiu na
Direção e foram embora pela estrada
Noite a dentro.
Era quase de manhã quando
Chegaram em uma casa no
Meio do mato, numa casa que
Parecia muito bem um mausoléu
Ou coisa assim, então a velha
Segurando todo o tempo
A mão de Zé o guiou para dentro,
E com gestos até carinhosos
Lhe deu banho, vestiu e alimentou
Com muitas guloseimas,
E ele mesmo Parou até de ter medo
Pois acreditava que havia sido
Vendido para ser escravo
Daquela gentil senhora.
Coitada da ingênua criança.
Quando anoiteceu ele ouviu o
Som de muitos cavalos e o
Ranger das rodas de muitas carruagens,
Então a casa foi se enchendo de
Outras mulheres, todas vestindo Preto
Em seus vestidos de saia-balão.
Todas faziam carícias na cabeça
De Zé quando passavam por ele,
Alguma delas eram inclusive
Muito bonitas, já outras
Extremamente assustadoras.
Quando bateu as onze horas
Da noite Zé foi levado para o porão,
Despido e colocado deitado sobre u
Uma mesa de pedra.
As mulheres se uniram em volta
Dele e seguraram seus braços e pernas,
Então ele viu aquela velha entrar
No quarto com uma faca muito
Grande em suas mãos.
E aqui eu dou uma pausa, calunguinha me contou exatamente o que aconteceu dentro daquele quarto no porão, mas eu não tenho coragem de lhes dizer. Apenas o que posso falar é que mesmo com uma mão tampando-lhe a boca, os gritos dele ecoaram por toda a residência.
Passado o momento da angústia
Ele estava então em pé logo
Atrás de todas as mulheres,
E elas começavam a se mover
Dançando em círculos em volta
Da mesa de pedra,
Moviam os braços para cima
E para baixo enquanto diziam
Coisas as quais ele não compreendia.
Em um momento, por uma fresta de
Espaço entre elas ele conseguiu ver
A carnificina em cima da mesa.
Zé agora era uma alma pois
O que havia em cima da mesa
Era o que havia restado de seu corpinho.
Ele estava muito assustado mas
Não conseguia se mover,
Tentou muito sair dali
Mas mesmo que soubesse que
Aquele cômodo tinha uma porta
Ele não conseguia encontrar,
Então seu medo aumentou quando
Por de baixo da mesa ele viu surgir
A enorme serpente.
Não era uma cobra deste mundo,
Ela parecia muito uma jiboia dos rios,
Mas era era muito maior.
Cobras grandes não eram raras
Por aquelas terras,
Porém os olhos eram diferentes,
Quando ela passou por Zé ele
Viu os olhos dela se virarem para
Ele e aquilo era sem dúvida
Olhos de gente.
Ele nunca soube que tipo de ser
Era aquele mas até hoje quando
Conta a história calunguinha
Ainda treme quando pensa
Naquela coisa,
Naquele espírito imundo.
As bruxas passaram as mãos
Pelo sangue da carne na mesa
Então colocaram as mãos nos
Próprios rostos os tingindo de vermelho,
Zé viu a serpente subir até a mesa então lamber o que havia restado de seu corpo,
mas ela não lambia o sangue
Ou a carne e sim ela parecia lamber
Uma coisa preta que estava subindo
Como um tipo de vapor se espalhando
Por cima daqueles restos mortais.
O nome daquilo é sofrimento
E era disso que a cobra se alimentava.
Passado alguns momentos a cobra
Deu um bote e atacou a velha,
Mas quando a cabeça da cobra
Atingiu o rosto da velha ela não picou,
Pelo contrário, a velha se estremeceu
E a cobra desapareceu para dentro dela,
Então a velha ali incorporada com
Aquele espírito começava a gritar e
A dizer coisas em uma língua a qual
Zé também não compreendia.
Mas o que importa é que um
Determinado momento aquela
Senhora incorporada com aquele
Espírito foi até a porta do cômodo
E a abriu, então olhou para Zé e
Apontou o dedo para fora e ele
Soube que podia fugir,
E assim saiu correndo em disparada,
E mesmo quando chegou lá em
Cima no piso superior ele correu
Para a porta e de um modo misterioso
Ele conseguiu atravessar a madeira
E quando viu estava no meio da floresta.
Ficou vagando por dias,
Não sabia para onde ir,
Quando encontrava pessoas na estrada
Elas não conseguiram vê-lo,
Ele estava completamente invisível
Para os olhos humanos.
Então depois de mais de uma
Semana vagando a esmo ele se
Lembrou da Capela da Fazenda,
lembrou que algumas vezes um padre
Ia até lá e fazia um sermão dizendo
Que Deus salva todas as almas,
E ele mesmo sendo muito pequeno
Já tinha consciência de que era
Uma alma que precisava de salvação.
Meio desnorteado ele demorou até
Encontrar o rumo da fazenda,
Quando chegou lá antes de qualquer
Coisa ele correu para a Capela e
Quando entrou nela ele logo se ajoelhou
Diante do altar e com os olhinhos
Bem fechados rezou para que Deus
Viesse ajudar.
Por mais que muita gente não acredite,
Deus ainda existe, e Kalunguinha conta
Que viu uma luz brilhante muito
Forte e que dela saiu um moço
Ou uma moça, era gente que ele
Não conseguia distinguir o sexo,
Mas ficou muito impressionado
Pelas grandes asas que trazia nas costas.
Era um anjo de fato, esse anjo se abaixou
Ao lado de Kalunguinha e o farejou
Como um cão fareja o rastro de o
Outro bicho. Kalunguinha pediu
Para este anjo que o ajudasse,
Ele mesmo não sabia nem de qual forma
Ou de qual maneira devia ser ajudado
Mas qualquer ajuda era com certeza
Muito bem-vinda,
Porém um anjo nada disse,
Apenas olhou o menino nos olhos e
De uma maneira fria moveu a cabeça
Para os lados indicando-se não.
O menino ficou ali sem saber o
Que fazer enquanto via a figura
Do anjo desvanecer e desaparecer.
E assim calunguinha ficou sozinho,
Uma criança que não podia mais
Crescer pois estava presa na
Idade que havia morrido,
Uma criança que ninguém podia ver,
Uma criança que permaneceu sozinha
Durante muitos e muitos anos.
Um dia passeando pela beira do rio
Ele encontrou uma coisa muito diferente,
Era uma energia, só que ele mesmo não
Entendia o que era energia
Então identificou aquilo como
Uma comichão, era uma coisa
Que trazia ele para perto,
Então ele foi se aproximando do Rio
E correndo pelas suas margens até q
Que encontrou um trio de mulheres
Negras fazendo algo que hoje ele
Sabe que era uma oferenda.
Ficou ali olhando muito curioso
Pois a energia que sentia vinha
Daquele troço que elas colocavam
Bem perto da água,
As observou rezar e depois as viu partir.
Ele ficou ali pois não tinha muito o
Que fazer e com certeza não se arrependeu
De ter ficado ali, isso porque alguns
Minutos depois veio um homem,
Um que também era preto como ele,
Mas este homem era muito alto e
Seu corpo era tão perfeito que até
Incomodava as vistas de quem o via,
Afinal de contas nenhum ser humano
É perfeito daquela forma, e
Logo Kalunguinha entendeu que
Aquilo não era um ser humano.
Aquele homem olhou para oferenda então erguendo a cabeça deu um berro,
Um berro tão alto que o coração de
Kalunguinha dentro do peito tremeu.
O homem já estava de partida mas
Antes de sair o olhar dele encontrou
Kalunguinha ali na margem.
A princípio o rosto do homem
Era sempre de riso, um rosto com
Um certo deboche, mas quando o olhar
Dele encontrou de Kalunguinha
Lentamente o sorriso do homem
Perdeu força e o que ele viu ali foi
O homem o encarando com uma
Expressão de profunda pena.
— O que foi que fizeram com você criança?
Kalunguinha ficou muito surpreso
Ao perceber que o homem o via,
Afinal de contas fazia muito tempo
Que ninguém lhe via.
Aquele homem Kalunguinha soube
Que se chamava Exu,
Que era uma coisa muito diferente
De todas as coisas que ele já havia
Visto ou ouvido falar,
Esse exu era um Deus.
Exu foi até Kalunguinha e se abaixou
Ao lado dele, então o menino muito
Afoito por finalmente ter alguém
Que podia ouvir sua voz e ver seu rosto
Acabou fazendo ali e numeras
Perguntas sobre o que estava
Acontecendo e sobre o que
Poderia acontecer,
Isso porque ele claramente
Não sabia nada de nada.
Aquela divindade com muita paciência
Explicou para Kalunguinha que ele
Havia sido vítima de uma
Crueldade muito grande,
Usado como sacrifício em uma
Coisa muito ruim,
Uma coisa que contraria a natureza.
Então calunguinha perguntou
A Exu se ele podia levá-lo junto
Com ele mas Exu da mesma forma
Que o Anjo havia feito muitos anos
Antes apenas olhou nos olhos de
Kalunguinha e moveu a cabeça de
Um lado para o outro dizendo que não.
Ele explicou que não podia pois ele vinha
De um lugar muito sagrado onde só
Aquilo que é sagrado ou que é natural
Pode entrar e que mesmo que ele
Soubesse que Kalunguinha era só
Uma criança, naquela coisa que tinha
Acontecido na hora de sua morte
Fazia com que a sua alma fosse como
Algo quebrado, algo que não podia
Nem subir nem descer.
Não haveria nem Paraíso
Nem inferno, não haveria nada
De outros mundos para uma alma
Quebrada pois quando a alma
Se quebra ela não passa por
Nenhuma porta.
Kalunguinha chorou muito naquele dia,
Porque quando o homem se levantou
Ele logo imaginou que ia ficar sozinho
Mais uma vez.
Mas pelo contrário,
Aquele homem tão bonito
Estendeu a mão para o menino
E quando Kalunguinha tocou em
Sua mão ele rapidamente
Puxou o menino para cima e o
Pegou no colo,
Então saiu andando pelo Mato.
Kalunguinha conta que o peito
Do homem era muito quente e
Que depois de tantos e tantos anos
Acordado ali como uma alma ele por
Um breve momento conseguiu dormir,
E disse que só conseguiu dormir
Naquele momento pois desde então
Nunca mais dormiu.
Não se sabe quanto tempo passou
Mas acordou sendo sacudido,
Exu o sacodia para que acordasse.
Já era noite, o menino
Foi para o chão ainda limpando os
Olhos pelo bom sono que havia tido,
Então ele olhou para aquele homem
E perguntou onde estava,
Exu se abaixou ao lado dele
E apontou para uma luz que
Vinha de pouca distância,
Era uma casa com luminárias
Vermelhas colocadas na varanda.
— Dentro daquela casa tem gente que morreu e que também se quebrou, gente que é igual a você. Vá até lá menino, não fique mais sozinho e não tenha medo, não há muito que eu possa fazer por você agora, vá lá e nunca mais fique sozinho.
Exu lhe deu um beijo estalado na bochecha
Então se levantou deu meia volta
E enquanto caminhava para longe...
Sumiu.
Kalunguinha tomou coragem e
Foi até aquela casa,
Tinha muita música lá,
Quando entrou viu umas mulheres
Com os espartilhos muito apertados
E os peitos quase pulando para fora
Do decote,
Homens sentados as mesas bebendo
Cerveja e uísque,
Ele ficou ali olhando em volta
Totalmente atordoado pois nunca
Tinha visto algo na como aquilo,
E distraído foi andando pelo salão
Até que de repente bateu contra
Alguma coisa.
Ele ficou muito surpreso pois
Geralmente o seu corpinho fantasmagórico
Atravessava qualquer matéria,
Mas quando ele bateu em algo
Sólido ficou ainda mais surpreso
pois olhou para cima e viu foi
Uma mulher com os olhos muito verdes
Usando um vestido vermelho vivo
E com os cabelos negros encaracolados,
Ela olhou para baixo com ar de muita
Surpresa quando viu o menino ali.
Aquela mulher se chamava Maria Padilha
E assim como ele, ela era uma alma.
E a história que se segue daí é
Muito longa mas não vale a pena
Ser contada, a única coisa que vocês
Podem ter certeza é que mesmo
Essas entidades de esquerda as quais
Muitos acreditam que são ruins,
Na verdade acolheram Kalunguinha
E cuidaram dele, secaram suas lágrimas
E deram a ele uma família.
Aquelas entidades o apresentaram
A muitas outras e houve até
O momento em que levaram
Kalunguinha até um grupo de
Outras crianças como ele,
Outras crianças que tinham morrido
De forma parecida e que andavam
Sendo cuidados por espíritos de idosos
Os quais eles soube que se chamavam
"Pretos-velhos", aquelas crianças
Na crença do povo africano eram
Chamadas de erê, e foi oferecido
Para Kalunguinha um lugar
No meio deles,
Mas ele segurou forte na Barra
Da Saia de Maria Padilha,
Segurou forte na mão de seu Tranca Ruas
E pediu que não deixasse que ele
Fosse levado, pois ele queria ficar
Ali com eles e ser um deles,
E até hoje ele é um deles.
Essa é a história de Exu Mirim Kalunguinha, mas existem muitos outros Exus Mirins, qualquer dia eu trago para vocês algo sobre o nosso querido amigo Caveirinha, o arteiro Brasinha, ou sobre tantos outros que até hoje estão por aí e que mesmo sendo espíritos já muito antigos ainda são simplesmente crianças.
Saravá Exu Mirim!
Conto das Entidades, Arte e texto dramatizado por Felipe Caprini
Espero que tenham gostado!
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