Na época eu era dono de uma
Taberna, a única ainda aberta
Na estrada do Ouro a caminho
da Capital da colônia.
Era conhecido então por
Joaquim Taberneiro.
Na época eu era dono de umaNa estrada do Ouro a caminho
da Capital da colônia.
Era conhecido então por
Joaquim Taberneiro.
Era mulato, então ter
Um negócio próprio era
O ápice, o maximo que
Alguém como eu poderia chegar.
Mas tudo que consegui na vida
Foi graças ao esforço conjunto
Com minha falecida esposa.
Porém é de outra mulher que
Vou falar agora.
Me lembro como se fosse hoje,
A taberna era pequena,
Só tinha oito mesas,
Mas o movimento era bom,
Então contratei uma dupla
De trovadores para cantar
Uma zuelas nas noites de
Sábado.
Foi em uma noite dessas
Que a vi pela primeira vez.
O lugar estava bem iluminado,
Acendi o dobro das velas habituais,
O povo todo aplaudia no
Ritmo da viola do trovador
Enquanto ele e o outro
Cantavam algo sobre
Uma mulher que tinha matado
O marido porque ele não
gostava do gato dela,
Cantigas malucas
Que fazem o povo rir.
Eu estava no balcão secando
Algumas canecas quando
A vi parada no fundo do salão.
Era linda, parecia muito
Uma dama dessas que se vê
Em pinturas,
Usava um vestido preto
E joias de prata,
Parecia ser rica e nobre,
Então estranhei, afinal
o que uma dama estaria
Fazendo naquela espelunca?
Eu era o dono, eu sei, mas
Tinha de admitir que
O lugar era mesmo uma
Espelunca.
Ela passou boas horas
Ali parada, encostada
Na parede olhando os
Trovadores com ar de sonhadora.
Não percebi quando foi embora,
Ela simplesmente se foi
Antes do sol raiar.
A semana passou tranquila,
E no sabado seguinte
Assim que os trovadores
Começaram a cantar
ela apareceu lá de novo.
Dessa vez fiquei de olho nela
E no fim da noite
Fui me apresentar,
De mansinho cheguei até
Ela e me curvei de modo galante.
Ela me ignorou completamente.
A olhei estranhando a pergunta.
Olhei para ela desconcertado,
Achei que aquelas palavras
eram nada além de um
Passa-fora de uma dama
Que não queria ser importunada,
mas quando olhei
em volta percebi que muitos
dos clientes riam e cochichavam
Olhando pra mim.
Então percebi que aquilo
Tinha voltado a acontecer.
Aquilo que me refiro era
A questão de eu ver coisas
Que não deviam ser vistas.
Quando era menino
Via os espiritos dos escravos
Mortos vagando pelas ruas
Em torno das fazendas.
Mamãe havia me levado
Na benzedeira e após um
Longo periodo de trabalhos
Feitos na minha cabeça
Eu parei de ver tais coisas
E tive paz,
Mas agora estava acontecendo
De novo.
Virei as costas e fingi cambalear,
Mantive o olhar desfocado
Ate voltar para o balcão
e de propósito dei o troco errado
A alguns clientes,
Era melhor que pensassem
Que eu estava bêbado
A acharam que eu era louco.
No sábado seguinte a mulher
Apareceu lá de novo,
E no outro sábado, e depois
No outro, até que meses
Já haviam se passado.
Na vida eu tinha um único
sonho, uma coisa que queria
Mais do que tudo,
E como era coisa espiritual
Achei que um espírito
Podia ajudar.
Então eu decido falar com
Ela novamente.
Passei entre os clientes
Com a bandeja cheia
De canecos de cerveja na mão,
As canecas batiam umas nas
outras de tanto que eu tremia.
Quando estava bem perto
Dela cochichei:
Ela me olhou como se eu
Fosse um pedaço de
Estrume de vaca, mas fez
Isso, ficou até o fim.
La pelas quatro da matina
Fechei a casa, servi duas
Taças de vinho na melhor
mesa, apaguei todas velas
De sebo, elas fediam a toucinho,
Acendi na mesa a vela de
Cera de abelha que eu tinha,
Convidei aquela a dama a sentar
Ali comigo.
Ela sentou encarou as taças
Com deboche.
Ela passou os dedos pela taça,
Os finos dedos enfeitados com unhas
Longas pintadas de púrpura
Atravessaram o vidro
Completamente intangível.
Ela sorriu novamente
com deboche na feição,
Apanhou a taça e bebeu
um gole do vinho
Exatamente como uma mulher
Viva faria.
Suspirei fundo,
Sabia que podia ser
Um erro.
Mamãe sempre dizia
Que o diabo dá com a
Mão direita e depois
Tira com a esquerda,
Mas fazia anos que eu
Estava desesperado.
Conversamos mais um pouco
Mas ela não quis me dizer
Mais nada sobre aquele assunto.
Porem me contou de outros,
Me falou que vagava sozinha
Porque era odiada pelas suas iguais,
Que em vida havia sido muito má
E por isso na morte só o que havia
Era a solidão.
Vagava pelas estradas, pela floresta,
Pelos bares e bordeis,
Mas que eu era a primeira pessoa
Que em decadas lhe dirigia
A palavra de forma amistosa.
Sei que vai parece bizarrice
Mas eu me afeiçoei a ela,
Fiz amizade com o fanstasma.
Todos os sábados ela vinha
Ver os trovadores e depois ficava
Para batermos papo ate o sol
Raiar.
Isso durou anos.
Um sábado, após eu fechar
A taberna, sentei com ela
Na mesa, mas antes que
Pudéssemos começar a conversar,
Duas mulheres apareceram,
E quando eu digo apareceram
Eu me refiro a que em um
Piscar de olhos a mesa
de quatro cadeiras estava lotada,
Eu diante de dona Quiteria
E as duas moças nos
Outros assentos.
A da direta tinha parte do
Rosto oculto por uma franja
E a da esquerda parecia
meio que bêbada,
Ambas vindas do nada.
As duas mulheres
Me ignoraram completamente.
Dona Quitéria lançou
A cabeça para trás e
Gargalhou.
Em um piscar de olhos
Estávamos só nós dois
Na mesa novamente.
Todos os dias seguintes
Eu fiquei perturbado,
Eu havia crescido na terra
Dos Xakriabá, e eu conhecia
Uma painera rosa, a maior
Árvore da mata.
Me lembrei de quando
Ela disse que só uma magia
Perversa e imunda poderia
Me fazer ver minha esposa
Novamente, e era a coisa
Que eu mais queria na vida.
Era sexta feira e eu acordei
Decidido,
Me muni de facão e machado,
Montei no cavalo e enfrentei
Seis horas de viagem,
Enfim me vi diante da árvore,
Era a rainha da floresta.
A paineira tinha mais de dez
Metros de altura e um tronco
Que seria necessário cinco
Homens para abraçar,
Isso era muito anormal
Pois essas árvores não
Crescem tanto.
Mirei no tronco e dei
A primeira machadada,
Depois a segunda,
Trabalhei a tarde toda
Até que o buraco
era grande o suficiente,
E assim entrei.
O tronco era mesmo ouco,
Dentro achei as caixas,
Mas não eram oito e sim
Apenas seis caixas
De mogno,
Quatro eram cupridas como
estojos de violino,
Uma grande e retangular
como um baú, e então
Uma pequena do tamanho
de um livro.
Tentei abrir as caixas mas
Não consegui de modo algum,
Mesmo batendo com machado
Elas não abriam.
Carreguei o cavalo com elas
E fui saindo da mata,
Mas assim que cheguei na
Estrada ouvi uma gargalhada
Estridente, voz de mulher.
Sai na carreira e cheguei
Em casa já quase
Meia noite.
No sábado seguinte
Dona Quiteria veio de novo
E no fim da noite
A chamei para ir até meu
Quarto.
Quando ela entrou e viu
As caixas sobre a minha cama
Ficou paralisada,
Olhava para elas sem se mover
E por muitos minutos
Se manteve assim.
Então de repente senti
uma dor lancinante no peito
E cai deitado no chão,
A camisa vermelha de sangue.
Olhei pra ela,
Dona Quitéria tinha o braço
Erguido e entendi que havia
Rasgado meu peito com as unhas.
Ela não me respondeu,
Apenas ficou olhando para
As caixas por quase
Meia hora.
Tentei levantar várias vezes
mas não consegui.
Ela então começou a murmurar
Nomes de mulheres,
Entendi Padilha, Rosa Vermelha
e Sete Saias, mas os outros nomes
Não captei.
Moças foram aparecendo no
Quarto, era muitas mas por
Alguma arte diabólica o lugar
Parecia ficar maior assim
mais mais uma chegava.
Uma mocinha pequenina
Deu um gritinho de susto quando
viu as caixas.
Uma das mulheres,
A que tinha a franja
Cobrindo metade do rosto,
Percebeu que eu ouvia tudo,
Então olhou para mim,
Eu vi a meia face dela,
Era lindíssima,
Mas então ela escancarou
A boca em um esgar de pavor
E o seu cabelo da franja
Se ergueu no ar
Revelando a outra metade
Do rosto.
Era osso, a outra metade era
Uma caveira!
Gritei de horror ao encarar
aquilo, era pavoroso, repugnante!
Algo nela me malejou,
Minha cabeça bateu contra
O piso, desfaleci.
Nao sei quanto tempo fiquei
Desacordado, mas quando
Recobrei a consciência
Cinco caixas haviam desaparecido,
Apenas a menor estava sobre
A cama.
As moças tambem haviam partido,
Sobrando apenas dona Quitéria.
Tentei me sentar mas o
Talho no peito doia demais
Então permaneci deitado.
Ela olhava para a caixa,
A face mergulhada em tristeza.
Então ouvimos alguém
gritar la fora, era a voz
Daquela moça mais jovem.
Quitéria olhou para a parede
Como se pudesse ver através
Dela, depois voltou a olhar para
A caixa, estava indecisa,
Mas se atirou na parede
e a atrevessou me deixando
sozinho no quarto.
Ouvi estalos, o teto estalava,
Olhei para as vigas do telhado
e rápida como um raio
Uma coisa branca desceu de lá,
Uma pessoa, ela desceu com
Tudo pisando no meu peito ferido,
Era uma negra vestida de noiva,
A saia esvoaçando na queda.
A mulher fincou o salto
de sua sandália no meu
Ferimento e pressionou.
Ela apertou mais forte,
Girou o calcanhar até
Me fazer urrar de dor.
Ela saiu de cima de mim
E apanhou a caixa sobre a cama,
Então veio perto e pisou
Na minha garganta.
Então ela apertou o pé,
Meu rosto ficou vermelho,
O sapato sobre o meu pescoço
não me permitia respirar.
O quarto tremeu, os móveis
sairam do lugar com o impacto.
A tal Sete Catacumbas gritou:
Minha visão ficou vermelha,
Via tudo avermelhado,
E daí apaguei.
Quando acordei, me sentei no
Chão, não havia dor em meu
Peito.
Dona Quiteria estava sentada
em minha cama.
Ela tampou a boca abafando
Uma risada e apontou para o
Meu lado.
Olhei para onde ela apontava.
O corpo morto de um homem
Estava ali, a pele cinza, devia
Ter morrido a pelo menos duas
Ou tres horas.
O rosto dele era o meu.
Aquele corpo era o meu.
Não tive reação aquelas
palavras, apenas a encarei
Com o rosto inerte de emoção.
Ela olhou novamente
Para meu rosto e dessa
Vez não segurou o riso,
Lançou a cabeça para trás
e gargalhou.
Felipe Caprini, Contos das Muitas Marias
Segunda Temporada — Conto 3
Espero que tenham gostado!
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Muito obrigado!