Eu corria pela mata com Zangão
E com Tentém.
Tentém é menina mas corre
Rapido quinem a gente.
A gente é gente morta, espírito.
Éramos vinte e um,
Doze meninos e nove meninas.
Todos nós eramos crianças,
E Tata dizia que a gente era Mirim.
É nome que indio dá
Pra criança, sabe.
Eu corria pela mata com ZangãoTentém é menina mas corre
Rapido quinem a gente.
A gente é gente morta, espírito.
Éramos vinte e um,
Doze meninos e nove meninas.
Todos nós eramos crianças,
E Tata dizia que a gente era Mirim.
É nome que indio dá
Pra criança, sabe.
Tata é quem cuidava da gente,
Ela que foi atrás de cada um.
Ah eu falei de Zangão e de Tentém,
Mas não falei de eu, e eu sou
Bicho-de-Pé.
Sabe, a gente que é espírito criança
Fica muito perdido.
É porque a gente não sabe como
Ou quando, ou onde morreu.
A gente nunca sabe.
Tata diz que é porque foi morte
Muito feia, e que por isso
A gente esquece.
Esquece pra não ficar melindroso
O tempo todo.
A gente corria na mata,
Porque Saúva, que era uma
Molecota muito chata,
Ficava mexendo com a gente,
Então a gente corria dela.
Mas ja era quase de dia, o céu
Ja ia laranjando, e Tata
Disse que não era pra ficar
Solto no mato de dia.
Então a gente voltou pra gruta.
Era na gruta atrás da cascata
Do Sete-Quedas que Tata Morava,
E a gente morava com ela.
Tata era bonita sabe,
Tinha a cara de boneca
e o cabelo branquinho feito algodão.
Corremos prá lá, mas quando
chegamos na beira da agua,
Ziquizira veio e disse que Tata
Mandou todos nós voltar pro mato
E ficar bem quietinho.
Eu nem perguntei o motivo,
Ziquizira era uma boba, nunca
Que ela sabia das coisas.
A meninada correu de volta
Pro mato, mas eu não.
Eu fui curiar.
É, eu sou fofoqueiro sim,
E sou futriqueiro assumido.
Trepei na parede de pedra da gruta
e fui miudinho pra ver
O que Tata tava fazendo.
Então me joguei de trás de
Um pedrão e espiei,
Lá na parte grande da gruta
Tava a Tata Sentada naquela
Cadeira de Rainha dela,
Sim pois não era porque era gruta
Que era lugar pobre,
Não, tava fez da joça um
Verdadeiro palácio.
Tinha tapete no chão e tudo mais.
Espiei queitinho e vi que na frente
De Tata tinha uma moça baixinha
De vestido de laço e fita,
Ela era bonita mas... tinha uma
Cara de quem comeu e não gostou...
Tata riu de alguma coisa que
A moça falou e depois disse:
A tal Menina suspirou aborrecida.
Eu não aguentei,
Achei demasiado engraçado
Ela chamar a fulaninha
Daquele nome, ai um risinho
Me escapou da garganta.
O chato foi que elas ouviram.
Tata arregalou os olhos quando
Me viu.
Eu dei meia volta ja saindo,
Mas senti um calafrio na espinha
E quando olhei para elas
A tal Menina tava me encarando,
E os olhos dela tavam dourados
Como bolas de ouro.
Me encarou uns segundos,
Depois se virou para Tata.
Tata ficou muito nervosa,
Pulou do trono e avançou na Menina.
Então a Menina rodopiou
Fazendo a saia girar no ar,
E assim ela desapareceu dali.
Tata caiu pra cima de mim,
Ficou tão brava que berrou
E até esquentou meu traseiro
Com uma sova de tapa.
Eu não entendi o motivo
de ela ter ficado tao brava,
Ficava dizendo que tinha
mandado eu me esconder,
Que a minha desobediência
Ia arruinar tudo,
Mas não disse que tudo era esse.
Tata ficou nervosas por dias,
Apreensiva,
Juntou todas as crianças na gruta
E não deixou a gente sair por mais
De um mês.
Foi uma chatice sabe,
A gruta era grande mas a gente
Gostava mais era do mato.
Esse aparreio acabou
porque a meninada começou
a chorar muito pedindo pra sair,
E eu que não sou de choro
Acabei forçando um pra ver
Se ela deixava.
No fim deixou.
Tudo voltou ao normal,
Tata na gruta fazendo aquelas
coisas de diabo que ela gostava
com vela preta, cabeça de bode
E uns trecos feios lá,
E a gente no mato brincando.
O tempo passou, uma noite
O sol se pôs e nós começamos
A sair da gruta, mas quando
chegamos na frente da cachoeira
Tomamos um susto,
Tinha lá quatro mulheres
Ali paradas, uma delas
Era aquela Menina.
Nós ficamos com medo,
Muito medo de verdade.
Sabe, a gente não lembra
Como morreu, mas sabe que
O nome "Bruxa" teve haver
Com a nossa morte.
Ali eram quatro bruxas,
Eu podia sentir dentro de mim
Que eram.
Azulão correu pra chamar Tata,
Mas antes que ela pudesse vir
Uma das mulheres me agarrou pelo
Pescoço e me levou para junto
das outras.
Eu gritava muito, tinha
Muito medo de sentir dor.
Dentro de mim eu sabia que
Um dia tinha sentido muita dor
Por causa de uma bruxa,
E mesmo sem lembrar o que
Tinha acontecido eu sentia
Tanto medo que só gritava.
A mulher tampou minha boca
com a mão pra acabar
com o escândalo.
Tata veio até a entrada,
Olhou para mim com uma
Cara de assustada,
Depois falou com uma delas.
Uma das mulheres, aquela
Com uma cara de maléfica
Deu um passo a frente.
Saúva choramingou lá
dentro da gruta:
Tata acenou pra ela ir se esconder.
A mulher de pele escura,
A que tava mais distante de nós
falou:
Todas as mulheres
inclusive Tata, olharam
Para Menina.
Então Quitéria me olhou,
Me olhava apertando os olhos.
De repente os arregalou e
Deu uma gargalhada.
Achei estranho,
Meu nome era Bicho-de-Pé,
Não Delfim.
Tata deu um passo a frente,
Os punhos cerrados.
que daria sim a beleza, mas em troca ela deveria dar a coisa mais preciosa que tivesse. Lezinska era uma tola, aceitou, levou para o demónio uma tiara de esmeraldas que era a coisa mais cara que tinha, mas... não era disso que ele estava falando. O demónio riu quando Lezinska lhe mostrou a tiara, ela não entendeu a princípio mas... o processo rejuvenescimento se iniciou, a pele dela se tornou lisa, o corpo torneado. Ela agradeceu o demónio e ofereceu novamente aquela tiara, mas o demonio riu dela. Então ela entendeu, a coisa preciosa não era a tiara. Lezinska correu para casa, la encontrou Delfim, o menino. Ele gritava, berrava caido no chão do quarto, a carne dele estava se esfarelando. A cada instante que ele definhava Lezinska ficava mais bela, a juventude que a preenchia estava sendo sugada dele, do filho dela. Ela estava linda, a unica parte de seu corpo que não rejuvenesceu foram os cabelos, possivelmente a vitalidade da criança não foi o suficiente para torna-los louros como antes, então ficou assim grisalha. Ela ficou lá, linda como uma ninfa, segurando o menino no colo, segurando ele até que aquele corpinho fragil virou pó. Então o menino se tornou um espírito, alguém como nós, preso neste mundo. É esse menino ai que Padilha esta segurando, ele é Delfim.
A tal Padilha acabou por me soltar.
Então olhei pra Tata,
E ela... ela tava olhando
pra mim, ela tava chorando.
Eu ja não sabia o que pensar,
Mas antes que pudesse fazer
Qualquer coisa eu tive um
Choque, foi algo tão forte que
Cai de joelhos, e então me lembrei
da dor, era uma dor tão forte
Que cai no chão e me encolhi.
Eu lembrei quem eu era,
E eu era Delfim.
Lembrei da dor de morrer,
Do corpo queimando.
Eu so conseguia gritar.
Não sei o que aconteceu,
Houve uma gritaria da parte
Das moças, ouvi barulhos altos,
Pedra quebrando, som da água,
Pareciam que estavam lutando.
Senti as mãos de alguém me
Puxando para trás, e depois
as mãos de outra pessoa
Me agarrando pelas pernas,
Tata gritava palavras em uma
Língua que não sei qual é,
Minha visão tava turva
Mas eu vi raios passando por
Cima de mim, algum
Animal rugiu, uma arvore
Tombou bem do meu lado.
E então veio o silencio.
Senti que alguém me
Pegava no colo, eu ainda
Sentia muita dor.
Era Tata que me segurava,
Ela tava ali abaixada na beira
Da água, me segurava do mesmo
Modo que fez no dia que morri.
Tata me encostou no peito,
Fazia carinho em meu cabelo,
A voz tela era tremula?
Minha vista escureceu,
Eu senti que meu corpo mudava.
Eu sabia o que era, me lembrei
que isso ja tinha acontecido antes,
Longe a caixa eu ia virar uma coisa,
Um bicho, um diabo.
Tata cantarolava uma cantiga
de ninar baixinho, cantava
E chorava.
Meu corpo se tremia
Em espasmos.
Então eu senti várias mãos
Tocando em mim, mãos pequeninas.
Abri os olhos e com dificuldade
Enxerguei a meninada, eles
Vieram pra junto de nós
e tocavam meu corpo.
E ai a dor passou.
As crianças brilhavam,
O corpo delas brilhava
com a luz branca igual
A da lua.
Zangão cochichou pra ela:
As mãozinhas me apertavam
No braços, nas pernas,
Nas costas, no peito,
E eu sentia que ia
Ficando menino de novo.
No fim fiquei bem.
Senti que era gente
Outra vez.
A meninada me fez ser livre
Da caixa, com a luz que eles
Tinham por dentro.
Eu era livre finalmente.
Tata tinha uma expressão
de muita surpresa no rosto
Quando eu fiquei em pé
Na frente dela.
Então todos nós abraçamos ela,
E abraçou a gente de volta.
Eu fiquei bem,
E continuei minha vida
De espírito junto com todo
O resto da meninada.
Mas Tata... bom, belaficou
Muito feliz por eu ser Delfim
De novo, ficou muito grata
A toda a meninada por ter feito
aquilo por mim.
Mas ela queria vingança.
Me disse várias vezes que
Se a meninada não tivesse lá,
Se não tivessem usado a luz
Das almas pra me ajudar,
Eu tinha virado um bicho,
Uma diabo do mato, uma
Coisa que ela chamava de
"Espírito obsessor".
Então ela foi atras da outra,
A tal Sete Catacumbas.
Eu disse pra Tata não fazer isso,
A gente tava bem ali
Vivendo na paz,
Mas ela era bruxa
E bruxa de verdade
Não consegue sossegar,
O coração não se apazigua,
Ela amaldiçoava Quitéria
dia e noite, e so teve paz
Quando finalmente,
Do modo mais cruel
Ela se vingou.
Felipe Caprini, Contos das Muitas Marias
Segunda Temporada — Conto 8
Espero que tenham gostado!
Não copie sem dar os créditos! Seja Honesto!
11944833724
Muito obrigado!