Eu era militar, servia na
Fortaleza de Santa Cruz da Barra.
Era madrugada, e eu estava
Regendo os cabos, e estava
Muito irritado pois fazer vigilha
Com os baixa patente era coisa
Para um tenente, não para mim.
Eu era militar, servia na
Fortaleza de Santa Cruz da Barra.
Era madrugada, e eu estava
Regendo os cabos, e estava
Muito irritado pois fazer vigilha
Com os baixa patente era coisa
Para um tenente, não para mim.
Mas que tenente? Portugal
Estava era uma zona e nós
Aqui da colónia é que padeciamos
Sem contingente.
Fiquei então na vigilha.
Nunca ninguém
Sabia se um maldito navio
Francês, Holandês ou Espanhol
viria descer o balaço na tentativa
De invadir a cidade do
Rio de Janeiro, ja haviam
Tentado varias vezes
então ficávamos ali
Sempre de guarda, sempre
Com os canhões prontos.
As três e quinze da madruga
Era meu horário
De descanso, teria um hora e meia
Para comer e dar um breve cochilo.
Fui caminhando para fora da
Fortaleza, mas de repente me vi
Diante da capela da fortaleza,
Quando olhei para dentro vi que
a porta estava aberta e todas
As velas do altar de Santa Bárbara
Haviam sido acesas.
Senti o cheiro de rosas.
Sabe, no fundo da minha alma
Eu sabia que aquele dia iria chegar,
O dia de pagar minha divida.
Entrei na capela e fechei
A porta, tirei o pente do bolso
e dei uma arrumada no bigode,
Queria fazer presença.
Lá na primeira fileira
Estava sentada uma mulher
De vestido vermelho.
Sentei-me ao lado dela.
Ela sorriu para mim,
Tinha um sorriso lindo
Com dentes bem certinhos.
Joguei meu quepe em cima do banco.
Ela ficou em pé e me estendeu
o braço.
Me levantei e segurei em seu braço,
Senti um tranco forte e então
quando dei por mim estava
em uma clareira em uma mata,
A lua brilhando forte sobre nós
E os pinheiros altos fechando
o círculo a nossa volta.
No meio da clareira havia uma mesa
De pedra, um tipo de granito cortado
Precisamente.
Sobre ela duas caixas
de madeira,
Ambas do tamanho
de estojos de violino.
So de olha-las senti
um mal estar horrendo.
Eu era o que se chama
De médium de transporte,
Podia absorver energias,
Identificar, compreender.
Mas eu não nasci assim
Com este dom, na verdade
Fui amaldiçoado com ele.
Não hei de contar a minha história,
Ela não importa em nada,
So o que posso dizer é que
Uma vez, por influência de
Espíritos malignos eu quase
Tirei a vida de minhas duas filhas,
Pois a minha mediunidade é
Tão forte que eu não consegui
Controlar e acabei sendo
fantoche na mão de uns diabos.
Foi Rosa Vermelha quem salvou
As minhas meninas, foi ela
Quem me livrou daquele tormento,
E em nome desta gratidão eu
Prometi sempre ajuda-la no que
Fosse preciso.
Me aproximei da mesa
De pedra e com alguma
Dificuldade li a inscrição
dourada que se repetia
nas duas caixas.
Ela se aproximou e examinou
As caixas.
Rosa ficou pensativa,
Passou as mãos pelos cabelos
Penteando sem necessidade.
Coloquei as palmas das mãos
abertas sobre as caixas
e fechei meus olhos,
Enviava meu espírito para
Dentro delas afim de sondar
O conteúdo.
Abri os olhos assustado.
Senti um tranco forte nos
Meus braços, as palmas
Nas minhas mãos foram
Pressionadas contra a tampa
das caixas.
Rosa tentou me afastar das caixas
Mas não conseguiu, eu estava
literalmente colado nelas.
Então senti a queimação,
Era como se a madeira das
Caixas houvesse se convertido
em ferro quente,
Rosa olhou para as caixas
Muito assustada.
senti a pele das minhas
mãos fritando como se
Estivessem sobre o fundo
De uma frigideira.
Ela não pôde fazer nada,
Eu senti algo quente como
Chumbo derretido subindo
pelos meus braços, pelas
Minha veias, então meu corpo
Estremeceu e algo passou
A controla-lo.
Senti minhas costas inclinando
para trás e a minha boca
Abrindo, escancarando a ponto
De doer nos cantos, e então
Um som de gargalhada irrompeu
De minha boca, uma voz
Que não era minha pois
Aquilo era a estridente gargalhada
De uma mulher.
Aquela coisa monstruosa
Falou através de minha boca.
Senti as mãos de Rosa agarrando
meu rosto com força.
Ela gargalhou de novo,
Senti meus pulmões doerem
pelos trancos do ar saindo
Com violência.
Rosa arregalou os olhos.
Senti meus olhos se arregalarem.
Um risinho cínico saiu
De minha garganta.
Rosa mudou a expressão
Do rosto, a seriedade deu
Lugar a medo, vi o
Queixo dela tremer de pavor.
Senti as mãos de Rosa
Descendo até meu pescoço
E então ela começou a apertar.
Com o pouco de ar que ainda
Dispunha, a rainha falou
Através de minha boca:
Então senti meus lábios esticando
Em um sorriso gélido,
E o ar me faltou.
Rosa estava me inforcando.
Minhas mãos finalmente
Soltaram as caixas,
Eu podia me controlar novamente,
Mas estava tão fraco que
cai no chão, Rosa
Acompanhou minha queda
Sem tirar as mãos de meu pescoço.
O aperto era tão forte que
eu sentia as veias da testa
Pulsando desesperadas,
Meu rosto devia estar vermelho,
Eu não sei, mas via
Na expressão de rosa o
Mais profundo horror
eu tentei empurrar ela,
Tirar as mãos dela de
Minha garganta mas
Ela era uma alma maldita
E eu somente um
Humano idoso,
O aperto daqueles dedos
Delicados eram tal qual
um laço de cabo aço,
Eu não tinha chances
contra isso.
E ela que sempre foi
Forte e até mesmo seca,
Começou a chorar ali em
Cima de mim. Senti as lágrimas
dela caindo e batendo em
Minhas bochechas.
Não eram lagrimas de agua
e sim algo do outro mundo,
Não sei dizer.
Não durou muito tempo,
Nem mesmo um minuto
Inteiro.
Logo eu estava em pé
Observando aquela bela
mulher enforcando um
Corpo idoso e ressequido.
Olhei para minhas mãos,
Meio translúcidas, e entendi
Que agora o fanstama era eu.
Me agachei ao lado dela e
Toquei seu ombro.
Ela soltou as mãos
do pescoço do cadáver
com movimentos bruscos,
Então as levou ao rosto
E cobriu a boca.
Todo o corpo dela tremia
Em espamos.
Ela ficou em pé lentamente
E então me olhou ainda
Mais assustada.
Sorri achando a pergunta tola,
Afinal eu era
Agnaldo Sezefredo de Mendonça
Ela sabia muito bem disso,
Mas então no intimo do meu
Ser eu percebi que agora
enquanto morto eu não tinha
Mais este nome, havia outro
Nome se formando dentro de mim.
Ficamos em silêncio por
Um longo tempo.
Depois Rosa me ajudou a
Levar meu cadaver para
A Fortaleza de Santa Cruz,
Os cabos o encontram boiando
na maré pela manhã,
Acharam que eu tido um
Passamento e caído
Na agua, me afogado.
Eu quis ficar junto com Rosa,
Mas ela não deixou,
Disse que a partir dali
ela iria se expor a grande perigo
E que não queria me expor
Também.
Então me levou para as margens
do Rio São Francisco,
Esperamos em uma prainha.
Lá ficamos juntos vendo o sol
Nascer, e como era lindo
O sol nascendo no céu alaranjado
E refletindo a cor nas aguas.
Foi a primeira e única vez que
Vi Rosa Vermelha a luz do dia,
O sol iluminando aqueles cabelos
Tao negros, os olhos verdes
Brilhando.
Ela apontou para o rio e
Ao longe vi vindo, navegando
na correnteza uma Galé
De duas velas que se movia
Pelas aguas mesmo sem os remos.
O barco estava cheio de marinheiros
Debruçando no gradil,
Assobiaram para Rosa Vermelha,
Um deles chegou a uivar feito
Um lobo, ela piscou para eles
E balançou os ombros
fazendo o busto chacoalhar,
Então os marinheiros foram
A loucura, um até fez menção
de se jogar do barco gritando
Que ia se casar com ela,
Mas os outros o seguraram
Bem a tempo.
Eles vestiam uniformes de
Diferentes modelos,
De diferentes marinhas
Pois haviam desencarnado
Em diferentes épocas e em
Diferentes lugares.
Lançaram a tábua na praia
E o capitão do barco
Desceu por ela,
Era um homem preto
Que se vestia de modo simples,
Barba ja grisalha,
Descalço, mas vinha com
um canecão de cerveja na
Mão e parecia bem humorado.
Rosa deu-lhe dois beijos,
Uma em cada face.
Eu bati continência ao homem,
Pois era o certo,
Ele riu e bateu uma continência
desajeitada.
Olhei para o barco
E de repente me senti
garoto de novo,
Não só por dentro mas
Minha aparência mudou,
Eu voltei a ser aquele jovem
Que um dia se alistou
Na marinha por ser apaixonado
Pela navegação, pelo cheiro
da maresia, pela aventura.
Rosa sorriu para mim,
Senti que estava ainda triste
Mas sorria para me animar.
Abracei Rosa
E ousei dar-lhe um
Beijo nos labios,
Ela sabia que era apenas
Uma despedida então não
fez caso disso.
Subi na barca, recolheram a tábua
E o barco começou a se mover rumo
A Alagoas, onde ia desaguar
no mar.
Corri para a popa e fiquei lá
Acenando para Rosa,
E ela acenando para mim
Da praia até que aquela figura
Vermelha de mulher sumiu
No horizonte.
Felipe Caprini, Contos das Muitas Marias
Segunda Temporada — Conto 9
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