quarta-feira, 6 de março de 2024

UMA HISTÓRIA REAL** A HISTÓRIA DO OMULÚ DE WANDERCLÉIA

 UMA HISTÓRIA REAL**
A HISTÓRIA DO OMULÚ DE WANDERCLÉIA


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PARTE I

Wandercléia veio do Maranhão com onze anos, trazida por sua tia Inajara, irmã de sua mãe, que lhe prometeu uma vida melhor na cidade grande, inclusive a chance de estudar, se formar e ser alguém na vida. Mas na verdade, quando aqui chegou, Wandercléia logo percebeu que tudo não passava de promessas. Ainda menina, em vez de brincar, estudar e viver sua infância como todas da sua idade, sua tia transformou Wandercléia em empregada doméstica, obrigando-a a cuidar da casa, lavar, passar e cozinhar para ela, o marido e dois filhos. A menina acordava todo dia muito cedo e dormia sempre depois da meia noite. Pela janela, via as crianças da sua idade brincando na rua, indo e voltando da escola, enquanto ela, trancada naquela casa, via o tempo passar e sua infância se perder.

PARTE II

A única alegria de Wandercléia era quando a Tia Inajara ia para a Casa de Mãe Dorinha e a levava para as funções do Candomblé. Foi assim durante 4 anos, de quinze em quinze dias, até que, fulminada por um enfarto, Tia Inajara veio a falecer. Viúvo, em menos de dois meses, seu tio arrumou uma nova companheira para morar com ele. Com ciúme doentio de Wandercléia, que se transformara numa linda mulher, a nova companheira do tio tanto fez que, finalmente, conseguiu tira-la de casa. Sem ter para onde ir, Wandercléia procurou o único lugar que poderia lhe servir de abrigo: a casa de Candomblé de Mãe Dorinha.

PARTE III

Na casa de Candomblé de mãe Dorinha a vida de Wandercléia não era muito diferente, pelo contrário, era ainda mais dura e difícil, pois, além de cuidar das coisas domésticas da casa de Mãe Dorinha, ela também fazia todo o serviço na Casa de Candomblé. A única novidade é que, depois de dois anos, ela agora era feita de Santo, para o Orixá Omulú.
Wandercléia fazia de tudo para agradar Mãe Dorinha, mas tinha alguma coisa entre as duas que ela não conseguia entender. Mãe Dorinha tratava todo mundo muito bem, sempre alegre e sorridente, mas com Wandercléia era diferente, ela só lhe dirigia a palavra com rispidez e aos berros. Isto a magoava muito.

PARTE IV

Wandercléia já perdera as contas de quantas vezes passou a noite acordada, chorando, querendo entender por que sua vida era tão difícil e tão sofrida. Ela não saia, vivia o tempo todo dentro de casa, trabalhando de domingo a domingo. Sua única companhia eram os Orixás, de quem cuidava com muito amor e carinho. Nas suas horas vazias e para espantar a solidão, Wandercléia tinha o hábito de ficar deitada na frente dos quartos de Santo e ali passava horas “conversando” com os Orixás, principalmente com Omulú, de quem seria a próxima festa, o Olubajé, daqui a uma semana. Wandercléia estava a quase um ano preparando a roupa do seu Santo. Fez tudo com muito carinho, costurou, engomou tudo e ela mesmo bordou os búzios na roupa e fez o aze. A roupa era simples, porém, tudo feito com muito amor e capricho.

PARTE V

No dia da festa a casa estava lotada. Mães e Pais de Santo vieram prestigiar o Olubajé de Mãe Dorinha, que a todos tratava com grande carinho e com um largo sorriso no rosto.
Antes dos Santos saírem para o salão, Mãe Dorinha resolveu ir até onde eles estavam para inspecionar e verificar se tudo estava perfeito e como ela queria. Todos os Santos estavam luxuosamente vestidos, com tecidos cintilantes e ferramentas reluzentes. Porém, ao ver a roupa do Omulú de Wandercléia, Mãe Dorinha quase surtou! “ Onde já se viu na minha casa Santo vestir uma roupa tão pobre como esta! Esta menina está querendo colocar meu nome na praça e na lama! O que meus convidados vão pensar? Vão sair daqui dizendo que eu estou passando fome! Sai todos os Santos, menos o Omulú de Wandercléia! Aliás, coloque este Omulú dentro do quarto de Santo, que eu quero ter uma conversa com ele e com a filha dele depois do candomblé! Eu não suporto este menina!” E saiu esbravejando em direção ao salão e à sua cadeira de Yalorixá, enquanto uma ekedi levava Omulu até o quarto de Santo.

PARTE VI

A festa foi linda, as pessoas ficaram encantadas com tudo o que viram. Comeram e beberam à vontade. Já bem tarde da noite, e quando todos foram embora, completamente realizada, Mãe Dorinha foi se deitar. Estava feliz por fazer seu candomblé e mais do que isto, por ter conseguido mostrar para todo mundo que era uma yalorixá poderosa! Em poucos minutos pegou no sono e se esqueceu de Omulú de Wandercléia, que continuava dentro do quarto de Santo, sentado no banquinho, conforme a ekedi o tinha colocado por determinação de Mãe Dorinha.

PARTE VII

No dia seguinte, Mãe Dorinha acordou, se levantou e ao se olhar no espelho, deu um grito de espanto! Seu rosto estava transfigurado e seu corpo completamente tomado por bolhas, que coçavam demais! Desesperada, Mãe Dorinha gritou por Wandercléia, mas ela não apareceu. Tomada pela ira, saiu do quarto chamando por ela aos gritos, quando se deparou com a ekedi da casa, que vendo seu estado exclamou: “ Valha-me Deus, o que houve com a senhora, minha mãe?”. Desesperada, Mãe Dorinha perguntou por Wandercléia mais uma vez , quando a ekedi lhe falou: “ Minha Mãe, ela esta virada, sentada no banco, conforme a senhora pediu ontem. Como a senhora não falou para desvirar, deixamos ela lá ”.
Lembrando-se do que tinha feito no dia anterior, Mãe Dorinha vai até o quarto de Santo, abre a porta, e lá se depara com Omulu sentado. Sem conter as lágrimas e percebendo a maldade que havia feito, Mãe Dorinha se joga aos pés de Omulu, pedindo perdão! O Orixá se levanta, abraça a yalorixá, pega algumas pipocas e passam-lhe lentamente pelo corpo. Em pouco tempo as bolhas d´água vão desaparecendo e o rosto de Mãe Dorinha começa a desinchar.

PARTE VIII

Os filhos de Santo da casa vendo aquela cena começaram a chorar e a gritar: ATOTÔ! Enquanto isto, os ogans sobem no atabaque e começam a tocar o opanijé. Nesta hora, Omulú sai do quarto, vai para o salão e inicia a sua dança. Foi quando Mãe Dorinha colocou mais uma vez a cabeça no chão e ali aprendeu a maior lição de sua vida: nada e nem ninguém é maior do que o Orixá! ..

Família 7 espadas

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