sábado, 14 de maio de 2022

Do alto da terra sagrada Onde os homens não podem entrar, Estava lá Obá sentada as Margens de seu rio sagrado. Ela é bonita, ela sabe que é. Obá perdeu a orelha, todo Mundo sabe disto.

 

 Do alto da terra sagrada
Onde os homens não podem entrar,
Estava lá Obá sentada as
Margens de seu rio sagrado.
Ela é bonita, ela sabe que é.
Obá perdeu a orelha, todo
Mundo sabe disto.

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Quem é bela mulher
Que vem da casa de Oxalá?
Ela é Obá, filha de Olufon,
Ela é a senhora das águas bravias!
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Do alto da terra sagrada
Onde os homens não podem entrar,
Estava lá Obá sentada as
Margens de seu rio sagrado.
Ela é bonita, ela sabe que é.
Obá perdeu a orelha, todo
Mundo sabe disto.
Mas mesmo sem a orelha
Ela ouve muito bem.
E ela ouve a voz da menina,
Uma molecota brava feito
Um siri na lata.

"AI QUE CHATO MÃE! EU VOU PERDER MEU SÁBADO AQUI? CREDO!"

Obá ainda não a conhece,
Mas sente no peito aquele
Sentimento forte de que...
Aquela voz é de filha.
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A menina briga com
A mãe de sangue na
Porta do terreiro.
Queria ter ficado em casa,
Acha o terreiro muito chato.
Acha isso porque não se sente
Ligada a nada ali.
Todo o povo é boa gente,
Isso ela sabe, mas preferia
Ter ficado em casa para ver a novela.
Mas a mãe não podia
Deixar criança sozinha em casa,
É perigoso.
E a mãe ali é filha de santo,
Tinha de ir, então a criança
Foi levada junto.
A mãe queria que a menina
Gostasse de estar lá,
E para isso vestia ela com
As roupas de baiana
E a coloca para dançar na roda.
Botavam em seu pescoço
Uns colares de miçanga laranja
E diziam "Você é de Obá".
A menina ouvia isso e para
Ela era um "tanto faz",
Não é porque disseram algo
Que ela vai acreditar.
Começa a festa, e fazem a roda,
Todos dançando.
Dançaram para Ogun, que chato.
Dançaram para Oxossi, ai que preguiça.
A mãe olha para a filha
E se entristece ao ver que
A menina dança de má vontade.
Não é respeitoso ficar de
Frescura na roda dos Orixás,
Mas a mãe sabe que os Deuses
Não vão se inkizilar pelas frescuras
De uma adolescente.
E ai a menina vai dançando
Com cara de poucos amigos.
E ai chega a hora que o pai de
Santo grita lá de sua cadeira:

"OBÁ! XIRÊ!"

A mãe olha pra filha com
Os olhos arregalados,
A menina então bufa, marrenta,
Mas faz aquilo que a mãe
Quer que ela faça,
Abaixa e põe a cabeça no chão.
E ai se lavanta e começa
A dançar, o Ogan canta
"Oba Eleko Ajaosi, Asabó Eleko Ajaosi..."
E o som do tambor forte
Faz um "tum tum tum" ritimado
Que treme tudo dentro do peito.
A menina busca com o olhar
A mãe, mas quando olha
Para a parte da roda que ela estava,
Nao a vê.
Ali no lugar da mãe ela
Não a vê, e não a vê
porque a visão de uma hora
Para outra ficou confusa,
Embaçada.
Mas a menina repira fundo
E pensa

"isso é tontura de fome, que hoje não jantei."

Mas no fundo
ela sabe que ninguem fica
Tonto por ficar três horinhas
De barriga vazia.
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A Orixá lá de sua terra sagrada
Ouve as cantigas em sua
Homenagem,
E sente que tem de ir
Até lá para ver.
Salta para dentro do próprio
Rio, mas não se molha,
Pois seu mergulho a faz cair
Bem ali no meio
De um terreiro.
Obá olha em volta,
E acha engraçado a cantiga,
A língua está distorcida,
Mas ainda assim ela entende
A intenção do que é cantado.
Ela é divindade, é espírito,
Está ali no meio do povo mas
ninguém a vê.
Então Obá sente vontade
de se fazer visível as pessoas.
Seu olhar bate imediatamente
em uma criança, uma menina
De seus treze ou quatorze anos
Ali dançando na roda.
Obá olha e sabe, é ela,
É a filha.
Obá vai ao lado dela e começa
A dançar.
A criança esfrega o braço
esquerdo com a mão,
Não entende porque
Todo o lado esquerdo de seu
Corpo ficou arrepiado assim do nada.
A Orixa sabe trabalhar com
Suas filhas, sabe que são cheias
De vontades, que são bravias como ela.
Quando o Alujá começa a ser
Tocado e muitas pessoas incorporam
seus Orixás,
Obá se inclina e fala no
Ouvido da menina.

"Já é hora de me receber em sua vida, filha. Você me aceita?"

Obá sabe muito bem
Que aquela criança
Teve a cabeça raspada
quando era ainda bebê
de colo, sabe que as pessoas
Daquela casa fizeram
Todos aqueles ritos que
Acreditam ser necessários.
Mas esses ritos não valhem
De nada sem a permissão
daquele ser humano.
Nenhum bebê pode dizer
O que quer e o que não quer,
Então ali naquela hora
Que a menina já podia falar
Por si mesma, Obá vem
E faz a pergunta mais importante.
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A menina ouve, mas o que
ouve não são palavras,
Ela sente é um negócio
estranho, um aperto no peito,
Uma dormência na nuca.
E sem falar palavra,
a alma da menina ressoa
Para a Orixa um alto e sonoro
SIM.

A menina dá um salto para trás
esbarrando em que estava
Dançando ali na retaguarda,
Então o corpo se inclina para
Frente e os ombros tremem
Enquanto ela berra com uma
Voz muito mais alta e grave
que a sua propria.
O pai de Santo, mesmo velho
e meio murcho, salta da cadeira
e vem correndo ver,
Ele cuidou da menina desde
Que havia nascido.
Ele gesticula para a mãe
da menina, que sai da roda
E Volta correndo
trazendo um pequeno ofá
De cobre, um capacete de guerreira
E um pano da costa bem bonito.
Eles põem as coisas ali na menina
Enquanto saúdam e bendizem
O nome de Obá.
A menina tem os olhos
Fechados e uma expressão
ameaçadora no rosto
Com os lábios torcidos para baixo.
O pai de Santo vai até o Xango da casa
Que está ali já paramentado,
Pronto para dançar,
E pede ao Orixá rei a permissão
para a menina dançar primeiro,
Pois é a primeira vez que Obá
Vem nela.
Xango balança a cabeça,
A festa é dele mas não lhe custa
Nada dar um mimo a Obá.
O povo da espaço,
Tocam o Alujá novamente
e dessa vez mais forte.
Xango dança, da uma volta
Na roda e quando passa em frente
a menina, ela se move,
Ela o segue.
É engraçado de ver, o filho
de Xango ali incorporado
É um homem enorme,
Mas a menina mesmo sendo
Um pitoco, na dança parece
mais ameaçadora que ele.
A festa segue, Obá passa boa parte
De noite ali dentro de sua filha.
No fim, quando chega a hora
De tocar para Oxalá,
A mãe carnal da menina
Vira no santo.
Obá vai até Oxalufan
E junto com ele dança bem
devagarinho.
Os Orixas são levados
para o quarto de santo,
Lá Obá deita na esteira,
Se deixa cobrir com o pano
Branco, e com um suspiro
profundo abandona o corpo
Da menina.
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Ela acorda cansada mas serelepe,
Olha para o lado e diz animada

"mãe eu tive um sonho tão bonito. Eu era um bebê e uma mulher muito linda me segurava e me ninava nas margens de um rio de água clara."

A mãe sorri e diz
"Não foi sonho não meu bem."
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Obá do alto, de volta a sua
Terra sagrada, olha para baixo
para dentro da agua do rio
E no reflexo límpido vê
a imagem da menina se erguendo
animada na esteira.
Então Oxalá toca a Orixa
no ombro, ela se vira e sorri para
O pai.
Ele diz

"Mais uma guerreira para seu bando?"

E Obá abre mais o sorriso e responde:

"Mais uma."

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Louvação aos Orixás, Arte e texto por Felipe Caprini
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Espero que tenham gostado
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