Aqueles dias foram muito difíceis.
Ela amava Xango, amava muito,
Mas não podia fazer nada além
De observar tudo desmoronar.
Ela caminhou pelas cinzas,
Metade da cidade havia sido
Tomada por um incêndio dias antes,
E ela não pôde fazer nada também.
Aqueles dias foram muito difíceis.
Ela amava Xango, amava muito,Mas não podia fazer nada além
De observar tudo desmoronar.
Ela caminhou pelas cinzas,
Metade da cidade havia sido
Tomada por um incêndio dias antes,
E ela não pôde fazer nada também.
Arrumou suas coisas,
Juntou os baús e cestos com os pertences
E junto com Obá e Oxum
Elas saíram da cidade.
Um dia foram rainhas ali,
Sobernas com o queixo erguido.
Agora saiam como exiladas.
Xango não era Rei legítimo,
Na verdade o Rei era
Dadá Ajaka, o irmão mais velho.
Após o incêndio o povo da cidade
Se revoltou e o culpou.
O povo gritava
"Onde está Timi? Onde está Gbonka? Quem começou o fogo?"
E Xango não sabia o que dizer.
A coroa foi retirada da cabeça
E o Obá Xango já não era mais Obá.
Oyá segurou a mão do marido
E o puxou para fora dos portões.
— Vamos, temos que ir antes que Dadá retorne.
Xango se deixou guiar para
Fora dos portões da cidade.
Obá, a primeira esposa,
Tomou um rumo,
Oxum, a segunda esposa,
Tomou outro,
Mas Oyá não soltou a mão de Xango.
Mas para onde ir?
De Reis eles foram convertidos
Desabrigados? Sim.
De mãos dadas com o marido
Eles foram andando rumo a Nupê,
Que era a cidade do avô materno de ambos.
Xango ia desiludido, o olhar vazio,
Ela tentava animar o máximo que podia
Mas nada adiantava,
A tristeza do marido era gigantesca.
Caminharam até cansar,
Então Oyá deixou Xango descansar
Na beira da estrada
E entrou na floresta atrás de água.
Quando voltou Xango não estava lá,
Havia desaparecido.
Oyá correu de um lado a outro
Tentando encontrar o marido, mas nada,
Ele não estava em lugar nenhum.
Então acabou chegando perto
De um pequeno grupo de homens
Que descansavam também sentados
A margem da estrada.
Todos fizeram refevência ao reconhecer
A rainha diante de si.
— Algum de vocês viram meu marido? Viram Xango?
Os homens se entreolharam
— Senhora nós vimos, falamos com ele.
— Onde ele está? Ele está bem?
— Ele não parecia bem. Pediu uma corda, nós tínhamos, ele apanhou a corda e entrou na floresta.
Uma corda?
Ele levou uma corda para a floresta?
Oyá girou e correu para dentro da mata,
Ela sabia o que aquele gesto significava,
Mas quem sabe se corresse rápido,
Se fosse veloz ela impediria,
Ela podia ter sorte e não deixar acontecer.
Oyá correu entre as árvores,
Correu o máximo que pode
E então chegou até a cena.
Um pé de Obí, grande árvore,
Um ponta da corda amarrada
Em um galho,
A outra ponta enlaçada
Em volta do pescoço de Xango,
Os pés centímetros acima do chão,
O corpo balançando ao vento
Como um pêndulo.
Xango está morto.
Xango se matou.
Ela vê a cena sem acreditar,
Não podia ser verdade,
Não podia! Não!
Então se aproxima
E toca o corpo do marido,
Antes quente como uma brasa,
Agora frio e rígido.
A vontade é de chorar,
É de berrar, de gritar até
O peito explodir,
Mas se ela fizer isso todos vão saber,
E ninguém pode saber.
O suicídio é uma desonra,
E ela amava damais o marido
Para deixar que fosse desonrado.
É hora de Oyá ser forte,
E ela é.
Sozinha e em silêncio
Ela remove o corpo do marido da forca,
Abraça aquele homem
Da a ele o último beijo,
Em seguida garante ao corpo
Um destino digno.
Ela não chora,
Ela se mantem calma,
Sem escandalos, sem chamar a atenção.
Sai da floresta calmamente,
Trás a corda nas mãos.
Então os homens que estavam na estrada
E que viram Xango entrar na floresta
Recebem a corda de volta e perguntam:
— Obá so? (O Rei se enforcou?)
Oyá franze a testa e ri,
Então responde como
Se a pergunta feita fosse ridícula:
— Ko, Oba ko so. (Não, o rei não se enforcou)
Ela sorri e vai embora,
Segue o caminho andando,
Os homens ficam para trás
E ela continua caminhando,
Os punhos apertados
E o olhar fixo no horizonte,
Por dentro repetindo para si mesma
"Seja forte, seja forte."
E ela foi forte,
Ninguém soube,
Ninguém percebeu.
Ela não desonrou Xango.
Mas logo a força começou a esmorecer.
Oyá sentia uma dor imensa no coração,
Uma saudade incontrolável,
Um sofrimento sem par.
Ela era Orixá, e sabia o que
O único que tem controle
Sobre os caminhos das almas
É Deus, o grande senhor Olodumare.
Oyá queria ver Xango uma última vez
Era só o que ela queria, mais nada,
Porém como poderia?
Ela pensou em um modo
De conseguir a atenção de Olodumare,
E assim fez.
O maior símbolo de Oyá
É o Akarajé, o bolinho de feijão
Frito em azeite de dendê,
E foi isso que ela fez
Para agradar Olodumare,
Mas invés de usar dendê
Ela fritou os bolinhos em azeite branco
Pois sabia que o Branco é a cor
Que mais agrada o altíssimo.
Colocou tudo em um tacho,
Com ele nas mãos ela subiu
Até o topo de uma colina
E ali ajoelhada colocou o tacho
Diante de de si
E começou a clamar pela presença
De Olodumare.
Não demorou muito
E a figura luminosa se materializou.
— Diga Oyá, diga o que quer de mim?
Oyá olhou para cima e ergueu
O tacho nas mãos,
Mas não conseguiu responder aquela pergunta.
A força acabou ali
E ela apenas chorou e soluçou
Enquanto balbuciava silabas
Tentando explicar.
Olodumare é sábio
E mesmo sem compreender
Uma só palavra ele entendeu a intenção.
— Você está querendo oferecer sua própria divindade em troca de ver aquele homem mais uma vez?
Oyá assentiu ainda sem
Conseguir falar.
Olodumare ficou extremamente surpreso,
Nem ele que é o grande Deus
Achava que alguém poderia
Amar tanto assim.
Surpreender Deus é uma tarefa
Quase impossível
Mas Oyá fez.
Olodumare viu força nela,
Viu dignidade nela,
Ele mesmo sendo magnífico
Teve de admirar Oyá.
Olodumare não tomou a divindade dela,
Não fez nenhum tipo de troca.
Invés de deixar que ela visse o marido
Ele decidiu trazer Xango de volta a vida
E ele agora seria como Oyá,
Xango seria Orixá.
Oyá encontrou Xango
O abraçou com toda a força que tinha.
Milênios se passaram
E até os dias de hoje
Eles dançam juntos dentro
Das nuvens de tempestade.
Quem neste mundo ama mais que Oyá?
Aqui no Brasil a religião Candomblé
Tem uma cantiga que conta essa história,
Abaixo com tradução aproximada:
"OYA BA MI S'ORO MI S'ORO E
(É Oya quem guarda os segredos)
AKARA FUNFUN EBÓ EMI A RE
(O bolinho branco foi a oferenda para me abençoar)
TOKAN TOKAN
(Do fundo de seu coração)
ELENU Ê
(Ela disse, ela proclamou)
O JE MAA NLA O JE A RÊ
(Ele é grande, ele é bom)
TOKAN TOKAN
(Do fundo de seu coração)
OBA KO SO NI ITA WA SE ARÊ"
(O Rei nao se enforcou, ele está la fora e nós o observamos ressoar em benignidade)
Eepa heyi!
Mito Afro-brasileiro, dramatização: Felipe Caprini
Espero que tenham gostado!
Para ver,a imagem em alta qualidade visitem meu BLOG no Link:
https://felipecaprini.blogspot.com/2020/04/oya-kara.html
Quem quiser encomendar desenhos, brasões e artes em geral pode me chamar no whatsapp 11944833724
Muito obrigado!