Eu conheço Maria Mulambo,
conheço ela já faz muitos anos.
Hoje eu vou contar
para vocês uma das conversas
que tive com ela,
e na verdade em todos
esses anos
Eu conheço Maria Mulambo,
conheço ela já faz muitos anos.
Hoje eu vou contar
para vocês uma das conversas
que tive com ela,
e na verdade em todos
esses anos nós conversamos
poucas vezes pois
na realidade Mulambo
gosta muito mais da festa
do que ficar parada
abrindo o coração,
mas tive a sorte de
que ela me contasse coisas
de sua vida mais de uma vez.
Naquela noite havia sido
a festa anual do Exu Caveira,
e Mulambo estava lá
linda como sempre
incorporada em uma de
suas médiuns.
O sol já ia raiando e
as entidades iam embora
uma a uma mas por
uma tradição dela
Maria Mulambo gostava
de ir embora sempre
por último,
Ou pelo menos só ia embora
depois que sua rival
chamada Maria Padilha
já tivesse ido.
Eu fiquei no terreiro
por mais tempo pois
queria que ficasse de dia
para ser mais seguro
eu sair na rua para pegar
o ônibus para casa
então fiquei ali conversando
com Mulambo durante
alguns minutos,
e perguntei a ela sobre
em qual cemitério
ela havia sido enterrada.
Ela gargalhou quando
eu perguntei isso e eu
não entendi o motivo
afinal de contas eu estava
frequentando a umbanda
Fazia pouquíssimo tempo
e não sabia das coisas
mais profundas das entidades.
Dei sorte de naquela noite
ela está de bom humor
Então ela me explicou
a seguinte questão:
— Meus ossos estão largados em baixo de uma casa, ninguém sabe que eu fui enterrada lá. E não pense que a casa é minha, quando eu morri aquele lugar era uma clareira no meio da Mata onde se enterravam as prostitutas, mas com o passar do tempo depois lotearam o lugar e virou um bairro, e como as pessoas enterradas ali eram gente como nós, ninguém fez questão de saber o que tinha ali embaixo, colocaram um concreto em cima de tudo e pronto.
Fiquei surpreso com aquilo
afinal de contas eu mesmo
já tinha ido ao cemitério
deixar uma flor para
Maria Mulambo e eu acreditava
que as pombagiras
estavam enterradas
em túmulos em algum
cemitério da região.
— Garoto você sonha demais, mas não é sua culpa afinal de conta esse povo todo que vem falar com os espíritos geralmente não faz nem a menor ideia de como nós somos ou da nossa história. Quando as pessoas que gostam de nós vão até o cemitério e colocam uma rosa no Cruzeiro das Almas é justamente porque a maioria de nós que somos entidades não temos um lugar digno de descanso. Pouquíssimos entre nós foram enterrados em uma Sepultura de verdade, a maioria quando morreu foi enrolado em um lençol ou em uma coberta e jogado dentro de um buraco, é assim que é. O Cruzeiro das Almas é o local onde os mortos sem paradeiro recebem uma última homenagem. Se fazia muito isso antigamente na minha época para os soldados que morriam em guerra e que seus corpos eram perdidos em campo de batalha, por isso a cruz sobre três ou sete degraus é colocada no Cruzeiro das Almas, para reverenciar os que não tiveram descanso digno. Aquela minha amada amiga não sempre canta aquela cantiga "Maria Padilha das Almas, o cemitério é o seu lugar, é no buraco que a Padilha mora e é na Kalunga que a Padilha vai girar...", você nunca pensou por que que ela canta isso? Na própria cantiga já diz que o lugar dela enquanto um ser humano decente seria ser enterrada no cemitério mas o que aconteceu foi que eles jogaram o corpo num buraco por isso o buraco é o seu lugar, os terrenos baldios e clareiras na mata onde se enterravam os pobres, as prostitutas e os escravos eram chamados de Kalunga que é o nome que os africanos davam para lugares grandes. Toda vez que uma entidade diz que é da Kalunga não é uma coisa bonita e nem uma coisa assustadora, ela está falando que mesmo na morte ela sofreu a humilhação de ser enterrada no meio do nada como se fosse um cão sarnento.
Então eu indaguei a ela
como isso tinha acontecido
de ela ter sido enterrada
em um buraco no meio do mato
sendo que ela mesma disse
muitas vezes que era rica.
— Não é mentira, eu tinha mais dinheiro do que metade dos homens brancos do Rio de Janeiro juntos naquela época. Mas tudo o que se refere as mulheres da noite é considerado imundo e por isso é desvalorizado. Quer um exemplo? O Casarão onde funcionava o cabaré foi construído por Maria Quitéria, e era uma casa enorme, quase um castelo de tão grande pois tinha mais de 40 cômodos sendo alguns deles quartos luxuosos e outros grandes salões de baile, tinha também estabulo, jardim com coreto e tudo mais. Era mais chique que o paço do governador. Quando Quitéria morreu ela a contra gosto teve de passar a casa para Maria Padilha, quando Padilha morreu quem se tornou a dona da casa era eu, só que eu era uma mulher negra. Mesmo que eu fosse uma mulher livre ainda assim estávamos no auge da escravidão então não era comum que pessoas da minha cor fossem donas de propriedades, só que mesmo o governo da região não se importou se eu poderia ficar com a casa ou não porque ninguém queria aquela casa. A mansão de Quitéria era de Puro luxo mas aos olhos do Povo era puro lixo simplesmente porque nós morávamos lá. Você entende? Eu tinha muito dinheiro mas o meu dinheiro não comprava uma boa reputação. Mesmo tendo muito dinheiro eu tinha que evitar circular por algumas áreas da cidade e quando por um acaso uma senhora de família vinha passando pela mesma rua que eu, eu tinha que atravessar a rua de cabeça baixa e se eu não fizesse isso, se eu ousasse enfrentar... no dia seguinte alguém encontraria o meu corpo morto largado no meio do mato. A vida era muito difícil e você não faz ideia. Na mesma joalheria que as damas da corte compravam seus anéis e tiaras, nós que éramos no Cabaré também comprávamos mas a diferença é que elas iam até a joalheria a luz do dia e nós tínhamos que nos esgueirar até lá no meio da noite vestidas em capas pretas para que ninguém nos visse porque se o joalheiro fosse visto vendendo algo para nós ele nunca mais venderia para ninguém na cidade, isso porque o povo nos olhava como pragas e não admitia mistura.
Aquilo me surpreendeu muito,
eu nunca vi imaginado
que era assim pois pelo
que as próprias pombagiras
demonstravam em suas ações
sempre me pareceu que
elas eram puro glamour,
mas pelo visto havia
muito de sofrimento.
— Eu amei muitos homens Mas nenhum deles teve coragem de me amar de volta. Todos tinham vergonha de mim, vergonha porque eu ganhava dinheiro com meu corpo e com ações não recomendadas, e mesmo que todos eles me achassem maravilhosa e belíssima ainda assim tinham vergonha da cor da minha pele. Até mesmo os homens que tinham a cor igual a minha tinham vergonha de mim. E é por isso que eu tenho tanta raiva de Maria Padilha, porque entre todos aqueles pedaços de excremento que se diziam homens houve apenas um que era forte o suficiente para enfrentar o mundo em troca de amor. Quando Tranca Ruas chegou no Cabaré ele chegou por minha causa porque eu o havia conhecido na rua e ele havia gostado muito de mim. Quando ele pisou no cabaré e sorriu para mim de repente passou do meu lado aquela desgraçada que sorriu para ele e pronto, Tranca Ruas imediatamente era dela. E eu sempre quis sair daquela vida para quem sabe ter uma vida pacata em algum lugar, para quem sabe viver em paz, porém para uma mulher sozinha isso era impossível pois para você ter paz era necessário você pertencer a um homem ou que pelo menos fosse confirmadamente viúva de algum. Então me veio o ódio enorme quando ele pediu aquela desgraçada em casamento e ela recusou. Ela era prostituta igual a mim e ele queria casar com ela do mesmo jeito, e ela estava negando. Se ele tivesse me pedido eu teria aceitado sem sombra de dúvida, mas dizem que Deus não dá a cobra não é mesmo?
Fiquei até meio sem jeito
de continuar a conversa
porque naquelas informações
vieram questões que
eu não imaginava.
— Não precisa ficar com essa cara de bobo, eu gosto de conversar. Na verdade eu sou uma das entidades mais famosas que existe mas a coisa mais rara e alguém querer falar comigo. O que eu digo é que sempre tem uma fila sem fim de gente para me pedir coisas, mas depois que eles me fazem um pedido ou imploram por algo eles vão embora sem olhar para trás. No fim eu continuo sendo uma prostituta você percebe? Esse povo todo que diz que me adora só me usa exatamente como os homens e usaram a vida toda, eles agem exatamente como os homens que durante a noite diziam que eu era uma maravilha mas de manhã eles vestiam suas roupas e saíam no quarto sem olhar para trás. E aí fica grande de questionamento, por que eu mereço ter tratada assim? Todo mundo diz que eu sou maravilhosa e tudo mais mas... às vezes eu sinto falta de que as pessoas olhem para mim.
Então eu perguntei a ela
se ela não tinha nenhum amigo,
ninguém que desse a ela
carinho e verdadeira amizade.
— Tenho, é claro que eu tenho, mas meus amigos são geralmente aqueles que são como eu. Assim como era antigamente sabe, eu sempre tive amigos dentro do meio em que eu vivia. Rosa Vermelha é uma grande amiga, e muitas vezes quando eu era viva e ficava doente depois de ter passado semanas praticamente vivendo a base de cachaça eu me deparava um dia com ela sentada na beira da minha cama com um prato de sopa quente, e ela me dava colherada por colherada na boca como se eu fosse uma criança. Maria Quitéria também é uma grande amiga, sempre foi mais velha do que eu mas nunca teve nenhum tipo de preconceito. Para você ter uma ideia mesmo eu sendo da cor que eu era e na época isso sendo um grande demérito ela me ensinou a ler e a escrever e confiou em mim para liderar a casa que ela mesma construiu, ou seja ela sempre foi uma grande mulher. E a primeira vez que mandei uma desgraçado para o inferno foi o momento que eu vi que Marabô era meu amigo de verdade, porque ele me ajudou a levar o corpo do Maldito até uma cachoeira e jogar de lá de cima. Sempre foi muito forte aquele homem e era muito Valente também e até hoje eu sou muito grata. Certa vez quando eu cometi um erro de cálculos as Minhas Finanças e perdi dinheiro demais, Meia-Noite, que era um homem muito rico, me fez um empréstimo de uma quantia enorme sem nem pedir garantias em troca pois foi tudo na base da confiança. Se ele não tivesse me emprestado aquele dinheiro eu teria ficado Em Maus Lençóis. Ou seja você percebe que as pessoas que eram minhas amigas eram simplesmente as que tinham a vida parecida com a minha. Só que hoje eu estou no meio de um monte de gente viva e eu não me sinto amiga do Povo, quando Na verdade eu queria ser.
Eu perguntei a ela Então
o que eu poderia fazer
para ser amigo dela,
pois queria muito.
— É muito fácil, se você quiser ser amigo de qualquer uma de nós que somos mortas, simplesmente nos trate como se estivéssemos vivas. Se você olhar para mim como uma mulher de carne e osso e me tratar da mesma maneira que você trata as outras pessoas do seu convívio eu já me dou por muito satisfeita. Eu só não quero que me trate como uma coisa que vem para trabalhar e depois é jogada fora. E eu sei que eu tenho uma missão para cumprir e dívidas a pagar e por isso eu devo continuar ajudando o povo por mais um longo tempo, mas eu ando muito cansada. Se você não for um desses que me cansa já é o suficiente para eu lhe chamar de amigo. Você sabe porque o meu nome se tornou Maria Mulambo? Mulambo era o jeito que o povo falava na época de pessoas sujas e maltrapilhas, e como eu disse eu era muito rica então eu começava a noite vestida com as melhores roupas e joias mas terminava a noite totalmente acabada, meu vestido sujo e rasgado e minhas jóias perdidas por aí, meu cabelo despenteado e maquiagem borrada, e é por isso que o povo dizia que eu havia virado um Mulambo, e era verdade, só que os únicos que entendiam o porquê aquilo acontecia comigo era meus amigos. Eles entendiam que depois que eu bebia e começava a ficar descontrolada era porque eu tinha muita raiva. Raiva de ter nascido, raiva por existir Naquela vida. Só um amigo entende o outro mesmo na raiva. Se mesmo quando eu estiver fazendo a minhas loucuras você ainda assim me entender, então vai ser o dia em que você será de fato meu amigo.
E assim se encerrou
nossa conversa naquela noite
mas conversamos algumas
outras vezes,
não muitas porque ela
sempre estava ocupada
atendendo muitas pessoas.
Mas um dia eu cheguei
até o terreiro e ela estava lá,
eu levei uma rosa para ela,
porém não fiz aquilo que
Todos Fazem,
tratando ela como se fosse
um espírito apenas
Como o povo todo fazia.
Ela estava atendendo uma senhora
e eu simplesmente
cheguei perto e pedi licença
A aquela senhora e então
nem cumprimentei Mulambo,
eu só quebrei um o
caule de uma Rosa que
eu trazia comigo o deixando
curtinho e coloquei a flor
no cabelo dela,
lhe dei um beijo no rosto
e disse
"faz tempo que não lhe vejo e estava com saudades minha amiga"
Então para minha surpresa
em vez de ela dar aquela
gargalhada espalhafatosa
ou me dizer qualquer absurdo
daqueles que ela costuma dizer,
Ela simplesmente
olhou para mim e seus olhos
brilharam marejados,
Sorriu eu lhe dei um abraço
e fui embora.
Eu fico muito triste de pensar
que Mulambo é conhecida
por milhares de pessoas mas
pouquíssimos entendem
que ela tem coração.
Se eu pudesse dar a ela
todo o carinho que ela precisa
eu daria,
mas é claro que as mágoas
daquela mulher são
grandes demais para que
uma única pessoa possa sanar.
Mas eu torço para que
a minha amiga Maria Mulambo
um dia encontre o povo certo
que a trate com respeito
e principalmente que lhe dê amor,
um povo que simplesmente
não a chame de senhora
ou de guardiã,
um povo que a chame de amiga.
Arte e texto por Felipe Caprini
Espero que tenham gostado!
Não copie o texto ou reposte a arte sem dar os créditos! Seja Honesto!
Quer saber sobre os mistérios da vida? Sobre sobre os seus caminhos?
Ou descobrir quem são suas entidades?
Venha jogar Tarô comigo!
O jogo custa 35,00 e dá direito a 5 perguntas em até uma hora.
Me chame no whatsapp
11944833724
Ou simplesmente clique no link:
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conheço ela já faz muitos anos.
Hoje eu vou contar
para vocês uma das conversas
que tive com ela,
e na verdade em todos
esses anos nós conversamos
poucas vezes pois
na realidade Mulambo
gosta muito mais da festa
do que ficar parada
abrindo o coração,
mas tive a sorte de
que ela me contasse coisas
de sua vida mais de uma vez.
Naquela noite havia sido
a festa anual do Exu Caveira,
e Mulambo estava lá
linda como sempre
incorporada em uma de
suas médiuns.
O sol já ia raiando e
as entidades iam embora
uma a uma mas por
uma tradição dela
Maria Mulambo gostava
de ir embora sempre
por último,
Ou pelo menos só ia embora
depois que sua rival
chamada Maria Padilha
já tivesse ido.
Eu fiquei no terreiro
por mais tempo pois
queria que ficasse de dia
para ser mais seguro
eu sair na rua para pegar
o ônibus para casa
então fiquei ali conversando
com Mulambo durante
alguns minutos,
e perguntei a ela sobre
em qual cemitério
ela havia sido enterrada.
Ela gargalhou quando
eu perguntei isso e eu
não entendi o motivo
afinal de contas eu estava
frequentando a umbanda
Fazia pouquíssimo tempo
e não sabia das coisas
mais profundas das entidades.
Dei sorte de naquela noite
ela está de bom humor
Então ela me explicou
a seguinte questão:
— Meus ossos estão largados em baixo de uma casa, ninguém sabe que eu fui enterrada lá. E não pense que a casa é minha, quando eu morri aquele lugar era uma clareira no meio da Mata onde se enterravam as prostitutas, mas com o passar do tempo depois lotearam o lugar e virou um bairro, e como as pessoas enterradas ali eram gente como nós, ninguém fez questão de saber o que tinha ali embaixo, colocaram um concreto em cima de tudo e pronto.
Fiquei surpreso com aquilo
afinal de contas eu mesmo
já tinha ido ao cemitério
deixar uma flor para
Maria Mulambo e eu acreditava
que as pombagiras
estavam enterradas
em túmulos em algum
cemitério da região.
— Garoto você sonha demais, mas não é sua culpa afinal de conta esse povo todo que vem falar com os espíritos geralmente não faz nem a menor ideia de como nós somos ou da nossa história. Quando as pessoas que gostam de nós vão até o cemitério e colocam uma rosa no Cruzeiro das Almas é justamente porque a maioria de nós que somos entidades não temos um lugar digno de descanso. Pouquíssimos entre nós foram enterrados em uma Sepultura de verdade, a maioria quando morreu foi enrolado em um lençol ou em uma coberta e jogado dentro de um buraco, é assim que é. O Cruzeiro das Almas é o local onde os mortos sem paradeiro recebem uma última homenagem. Se fazia muito isso antigamente na minha época para os soldados que morriam em guerra e que seus corpos eram perdidos em campo de batalha, por isso a cruz sobre três ou sete degraus é colocada no Cruzeiro das Almas, para reverenciar os que não tiveram descanso digno. Aquela minha amada amiga não sempre canta aquela cantiga "Maria Padilha das Almas, o cemitério é o seu lugar, é no buraco que a Padilha mora e é na Kalunga que a Padilha vai girar...", você nunca pensou por que que ela canta isso? Na própria cantiga já diz que o lugar dela enquanto um ser humano decente seria ser enterrada no cemitério mas o que aconteceu foi que eles jogaram o corpo num buraco por isso o buraco é o seu lugar, os terrenos baldios e clareiras na mata onde se enterravam os pobres, as prostitutas e os escravos eram chamados de Kalunga que é o nome que os africanos davam para lugares grandes. Toda vez que uma entidade diz que é da Kalunga não é uma coisa bonita e nem uma coisa assustadora, ela está falando que mesmo na morte ela sofreu a humilhação de ser enterrada no meio do nada como se fosse um cão sarnento.
Então eu indaguei a ela
como isso tinha acontecido
de ela ter sido enterrada
em um buraco no meio do mato
sendo que ela mesma disse
muitas vezes que era rica.
— Não é mentira, eu tinha mais dinheiro do que metade dos homens brancos do Rio de Janeiro juntos naquela época. Mas tudo o que se refere as mulheres da noite é considerado imundo e por isso é desvalorizado. Quer um exemplo? O Casarão onde funcionava o cabaré foi construído por Maria Quitéria, e era uma casa enorme, quase um castelo de tão grande pois tinha mais de 40 cômodos sendo alguns deles quartos luxuosos e outros grandes salões de baile, tinha também estabulo, jardim com coreto e tudo mais. Era mais chique que o paço do governador. Quando Quitéria morreu ela a contra gosto teve de passar a casa para Maria Padilha, quando Padilha morreu quem se tornou a dona da casa era eu, só que eu era uma mulher negra. Mesmo que eu fosse uma mulher livre ainda assim estávamos no auge da escravidão então não era comum que pessoas da minha cor fossem donas de propriedades, só que mesmo o governo da região não se importou se eu poderia ficar com a casa ou não porque ninguém queria aquela casa. A mansão de Quitéria era de Puro luxo mas aos olhos do Povo era puro lixo simplesmente porque nós morávamos lá. Você entende? Eu tinha muito dinheiro mas o meu dinheiro não comprava uma boa reputação. Mesmo tendo muito dinheiro eu tinha que evitar circular por algumas áreas da cidade e quando por um acaso uma senhora de família vinha passando pela mesma rua que eu, eu tinha que atravessar a rua de cabeça baixa e se eu não fizesse isso, se eu ousasse enfrentar... no dia seguinte alguém encontraria o meu corpo morto largado no meio do mato. A vida era muito difícil e você não faz ideia. Na mesma joalheria que as damas da corte compravam seus anéis e tiaras, nós que éramos no Cabaré também comprávamos mas a diferença é que elas iam até a joalheria a luz do dia e nós tínhamos que nos esgueirar até lá no meio da noite vestidas em capas pretas para que ninguém nos visse porque se o joalheiro fosse visto vendendo algo para nós ele nunca mais venderia para ninguém na cidade, isso porque o povo nos olhava como pragas e não admitia mistura.
Aquilo me surpreendeu muito,
eu nunca vi imaginado
que era assim pois pelo
que as próprias pombagiras
demonstravam em suas ações
sempre me pareceu que
elas eram puro glamour,
mas pelo visto havia
muito de sofrimento.
— Eu amei muitos homens Mas nenhum deles teve coragem de me amar de volta. Todos tinham vergonha de mim, vergonha porque eu ganhava dinheiro com meu corpo e com ações não recomendadas, e mesmo que todos eles me achassem maravilhosa e belíssima ainda assim tinham vergonha da cor da minha pele. Até mesmo os homens que tinham a cor igual a minha tinham vergonha de mim. E é por isso que eu tenho tanta raiva de Maria Padilha, porque entre todos aqueles pedaços de excremento que se diziam homens houve apenas um que era forte o suficiente para enfrentar o mundo em troca de amor. Quando Tranca Ruas chegou no Cabaré ele chegou por minha causa porque eu o havia conhecido na rua e ele havia gostado muito de mim. Quando ele pisou no cabaré e sorriu para mim de repente passou do meu lado aquela desgraçada que sorriu para ele e pronto, Tranca Ruas imediatamente era dela. E eu sempre quis sair daquela vida para quem sabe ter uma vida pacata em algum lugar, para quem sabe viver em paz, porém para uma mulher sozinha isso era impossível pois para você ter paz era necessário você pertencer a um homem ou que pelo menos fosse confirmadamente viúva de algum. Então me veio o ódio enorme quando ele pediu aquela desgraçada em casamento e ela recusou. Ela era prostituta igual a mim e ele queria casar com ela do mesmo jeito, e ela estava negando. Se ele tivesse me pedido eu teria aceitado sem sombra de dúvida, mas dizem que Deus não dá a cobra não é mesmo?
Fiquei até meio sem jeito
de continuar a conversa
porque naquelas informações
vieram questões que
eu não imaginava.
— Não precisa ficar com essa cara de bobo, eu gosto de conversar. Na verdade eu sou uma das entidades mais famosas que existe mas a coisa mais rara e alguém querer falar comigo. O que eu digo é que sempre tem uma fila sem fim de gente para me pedir coisas, mas depois que eles me fazem um pedido ou imploram por algo eles vão embora sem olhar para trás. No fim eu continuo sendo uma prostituta você percebe? Esse povo todo que diz que me adora só me usa exatamente como os homens e usaram a vida toda, eles agem exatamente como os homens que durante a noite diziam que eu era uma maravilha mas de manhã eles vestiam suas roupas e saíam no quarto sem olhar para trás. E aí fica grande de questionamento, por que eu mereço ter tratada assim? Todo mundo diz que eu sou maravilhosa e tudo mais mas... às vezes eu sinto falta de que as pessoas olhem para mim.
Então eu perguntei a ela
se ela não tinha nenhum amigo,
ninguém que desse a ela
carinho e verdadeira amizade.
— Tenho, é claro que eu tenho, mas meus amigos são geralmente aqueles que são como eu. Assim como era antigamente sabe, eu sempre tive amigos dentro do meio em que eu vivia. Rosa Vermelha é uma grande amiga, e muitas vezes quando eu era viva e ficava doente depois de ter passado semanas praticamente vivendo a base de cachaça eu me deparava um dia com ela sentada na beira da minha cama com um prato de sopa quente, e ela me dava colherada por colherada na boca como se eu fosse uma criança. Maria Quitéria também é uma grande amiga, sempre foi mais velha do que eu mas nunca teve nenhum tipo de preconceito. Para você ter uma ideia mesmo eu sendo da cor que eu era e na época isso sendo um grande demérito ela me ensinou a ler e a escrever e confiou em mim para liderar a casa que ela mesma construiu, ou seja ela sempre foi uma grande mulher. E a primeira vez que mandei uma desgraçado para o inferno foi o momento que eu vi que Marabô era meu amigo de verdade, porque ele me ajudou a levar o corpo do Maldito até uma cachoeira e jogar de lá de cima. Sempre foi muito forte aquele homem e era muito Valente também e até hoje eu sou muito grata. Certa vez quando eu cometi um erro de cálculos as Minhas Finanças e perdi dinheiro demais, Meia-Noite, que era um homem muito rico, me fez um empréstimo de uma quantia enorme sem nem pedir garantias em troca pois foi tudo na base da confiança. Se ele não tivesse me emprestado aquele dinheiro eu teria ficado Em Maus Lençóis. Ou seja você percebe que as pessoas que eram minhas amigas eram simplesmente as que tinham a vida parecida com a minha. Só que hoje eu estou no meio de um monte de gente viva e eu não me sinto amiga do Povo, quando Na verdade eu queria ser.
Eu perguntei a ela Então
o que eu poderia fazer
para ser amigo dela,
pois queria muito.
— É muito fácil, se você quiser ser amigo de qualquer uma de nós que somos mortas, simplesmente nos trate como se estivéssemos vivas. Se você olhar para mim como uma mulher de carne e osso e me tratar da mesma maneira que você trata as outras pessoas do seu convívio eu já me dou por muito satisfeita. Eu só não quero que me trate como uma coisa que vem para trabalhar e depois é jogada fora. E eu sei que eu tenho uma missão para cumprir e dívidas a pagar e por isso eu devo continuar ajudando o povo por mais um longo tempo, mas eu ando muito cansada. Se você não for um desses que me cansa já é o suficiente para eu lhe chamar de amigo. Você sabe porque o meu nome se tornou Maria Mulambo? Mulambo era o jeito que o povo falava na época de pessoas sujas e maltrapilhas, e como eu disse eu era muito rica então eu começava a noite vestida com as melhores roupas e joias mas terminava a noite totalmente acabada, meu vestido sujo e rasgado e minhas jóias perdidas por aí, meu cabelo despenteado e maquiagem borrada, e é por isso que o povo dizia que eu havia virado um Mulambo, e era verdade, só que os únicos que entendiam o porquê aquilo acontecia comigo era meus amigos. Eles entendiam que depois que eu bebia e começava a ficar descontrolada era porque eu tinha muita raiva. Raiva de ter nascido, raiva por existir Naquela vida. Só um amigo entende o outro mesmo na raiva. Se mesmo quando eu estiver fazendo a minhas loucuras você ainda assim me entender, então vai ser o dia em que você será de fato meu amigo.
E assim se encerrou
nossa conversa naquela noite
mas conversamos algumas
outras vezes,
não muitas porque ela
sempre estava ocupada
atendendo muitas pessoas.
Mas um dia eu cheguei
até o terreiro e ela estava lá,
eu levei uma rosa para ela,
porém não fiz aquilo que
Todos Fazem,
tratando ela como se fosse
um espírito apenas
Como o povo todo fazia.
Ela estava atendendo uma senhora
e eu simplesmente
cheguei perto e pedi licença
A aquela senhora e então
nem cumprimentei Mulambo,
eu só quebrei um o
caule de uma Rosa que
eu trazia comigo o deixando
curtinho e coloquei a flor
no cabelo dela,
lhe dei um beijo no rosto
e disse
"faz tempo que não lhe vejo e estava com saudades minha amiga"
Então para minha surpresa
em vez de ela dar aquela
gargalhada espalhafatosa
ou me dizer qualquer absurdo
daqueles que ela costuma dizer,
Ela simplesmente
olhou para mim e seus olhos
brilharam marejados,
Sorriu eu lhe dei um abraço
e fui embora.
Eu fico muito triste de pensar
que Mulambo é conhecida
por milhares de pessoas mas
pouquíssimos entendem
que ela tem coração.
Se eu pudesse dar a ela
todo o carinho que ela precisa
eu daria,
mas é claro que as mágoas
daquela mulher são
grandes demais para que
uma única pessoa possa sanar.
Mas eu torço para que
a minha amiga Maria Mulambo
um dia encontre o povo certo
que a trate com respeito
e principalmente que lhe dê amor,
um povo que simplesmente
não a chame de senhora
ou de guardiã,
um povo que a chame de amiga.
Arte e texto por Felipe Caprini
Espero que tenham gostado!
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