domingo, 15 de outubro de 2023

Aos sete anos de idade eu tomei ciência do que era O amor de uma mãe. É um amor incondicional. Foi em um dia em que aquele homem que infelizmente era Meu pai Me viu na porta de casa

 Aos sete anos de idade
eu tomei ciência do que era
O amor de uma mãe.
É um amor incondicional.
Foi em um dia em que aquele
homem que infelizmente era
Meu pai
Me viu na porta de casa


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Naquele dia eu surtei
E dentro do terreiro eu gritei
Descontrolado,
Berrava feito um louco
Diante daquele orixá.

Aos sete anos de idade
eu tomei ciência do que era
O amor de uma mãe.
É um amor incondicional.
Foi em um dia em que aquele
homem que infelizmente era
Meu pai
Me viu na porta de casa
Brincando com bonecas.
O desgraçado já não morava mais lá,
Mãe já era separada,
Mas naquele dia ele já bêbado
foi até lá incomodar de novo.
Mal ergui a cabeça
pra ver quem era que estava ali
e senti o primeiro chute.
Um chute de um homem enorme
Em um menininho minúsculo.
Ele jogou as bonecas longe
e começou a me chutar na barriga e
Nas costas, eu gritando aterrorizado.
E lá veio ela enxugando as mãos
na saia, veio correndo e enfrentou ele,
Empurrou ele,
Mas o homem era grande demais.
Me lembro de ele dar empurrão nela
E vir na minha direção com
o punho fechado pronto pra me esmurrar,
Então senti o abraço.
Minha mãe me abraçou ali no chão,
Eu encolhido em baixo dela
e ela me protegendo com o corpo.
Eu olhava pro rosto dela pertinho do meu,
Ela de olhos fechados,
Então os sons de pancada e os trancos
Dos socos e chutes que ele desferia
sobre ela,
Mas ela não se mexia,
Ela me abraçava e me protegia.
Minha mãe era Dona Leonor, filha de Oxum.

Mudamos daquele lugar,
Fomos morar no Paraná
E ela arrumou trabalho de diarista lá.
Muito simpática ela era querida
Por todo mundo.
Mulher bonita de sorriso meigo.
Então eu lembro de ficar doente,
E de dar muito gasto com remédio.
Já tinha uns dez anos nessa época.
Tempo difícil.
Ela gastou muito mais do que ganhava,
Mas em casa não faltou nada.
Então de repente a situação melhorou,
O dinheiro voltou a entrar
E com base em um tratamento em
Clínica particular eu me curei.
Então lembro do dia que chegamos
em casa e no muro de fora
Estava pichado "vagabunda"
De fora a fora com tinta vermelha.
Naquele mesmo dia veio em
Casa um homem velho e deu
Na mão dela um envelope de dinheiro
e disse "some".
E então na mesma semana
Estávamos em um caminhão
de mudança voltando pra São Paulo.
E na nova casa que ela alugou
Lembro da minha tia ir fazer visita
E elas achando que eu lá da sala
Vendo TV não entendia então
Conversavam, e eu ouvi minha tia
Perguntar
"Como você teve coragem Leonor?"
E minha mãe responder
"Foi pelo meu filho."
Mais tarde eu entendi
que minha mãe era muito assediada
E que em uma das casas que fazia faxina
O patrão ofereceu um dinheiro
Pra levar ela pra cama.
O filho doente, os armários vazios,
Sem dinheiro pra pagar o aluguel
Ou para comprar comida
Ela aceitou.
Ela aceitou porque era sozinha.
Então eu fui crescendo, e todos
Me elogiavam, tinha roupas baratas
Mas bem cuidadas,
Tudo meu era caprichado,
Eu sabia falar bem, tinha boa educação.
Então arranjei emprego em um banco,
E ela contava pra todo mundo que
Tinha um filho bancário, na época
era um orgulho.
E então um dia eu com meus
Vinte e poucos anos arranjei um
Namoradinho no bairro.
E toda a vizinhança já sabia de nós dois
E a fofoca corria solta.
Então certa tarde eu cheguei
em casa e lá estava minha mãe
Sentada com as vizinhas na calçada,
Era coisa da época por as cadeiras
na rua no fim de tarde
E o povo ficar de prosa.
Então pedi a bênção a ela e já
ia entrando em casa quando ela disse
"Rafael, no seu aniversário você já disse que não quer festa, então vamos na pizzaria pelo menos?"
Eu disse que estava ótimo irmos comer pizza,
Então ela disse alto pra todas as vizinhas
ouvirem
"Leva seu amigo também, vamos nós três."
Eu sorri pra ela e entrei
enquanto as mulheres lá foram
Cairam em um silêncio total.
Nunca precisei assumir nada pra ela,
Minha mãe sabia, sempre soube
E nunca disse nada que não fosse
Pra me defender.
E esse meu namorado era do candomblé
e me apresentou o Axé.
E eu gostei muito
E decidi me iniciar, eu fui dado
Como Filho de Logunedé.
Ela não gostou,
tinha aquela ideia de que Macumba
Era do mal,
Então eu pedi pra ela ir comigo
no terreiro pra ver o que achava.
Eu ja era maior de idade
mas se ela dissesse que não
eu não iria fazer santo coisa nenhuma,
Eu sempre entendi que ela
Sabia o que era melhor pra mim.
Então um dia eu chego do trabalho
e ouço la de fora a maquina de costura
batendo.
Quando entro em casa ela vem e
Me mostra o calçolão azul turquesa
e diz
"Seu Pai de Santo disse que tem ser essa cor, você gostou?"
Aquilo era a roupa do meu Orixá.
Foi ela que fez a roupa do Logunedé.
Então eu raspei para Logun
E ela estava lá sorrindo pra mim.
Na filmagem que fizeram o sorriso dela
Aparecia toda hora no fundo,
Em cada momento ela estava lá.
E então ela se interessou
Em se iniciar também,
E no jogo dela deu que era de Oxum.
E já começamos a juntar dinheiro
e ela toda animada costurou a roupa
Da santa dela, amarelo ouro e branco.
Algumas semanas antes de fazer o santo
ela começou a passar mal,
Vómitos, diarreia, tonturas.
Os exames vieram, a medica pediu
Novos exames e meses depois
com toda a papelada nas mãos
Ali naquela sala fria a medica
disse a nós dois
"Câncer de mama em estado já avançado"
Naquela época não haviam exames
Preventivos como hoje em dia
Então o diagnóstico de câncer
Era sentença de morte
Pois só vinha quando a situação
Já era gravíssima.
Começou o tramento imediatamente,
Os cabelos caíram,
Emagreceu muito, e a médica no novo
exame disse várias vezes a palavra
"Metástase"
E eu só entendi a gravidade
quando eu ela pediu que eu apressasse
a minha obrigação de sete anos
Que ela queria muito ver.
E eu pedi a meu pai de santo
se podia fazer a iniciação da minha mãe,
E ele disse que não, que ela
Não ia aguentar o recolhimento.
Então eu dei minha obrigação,
E no dia da festa minha mãe estava lá
em uma cadeira de Rodas,
Pele e osso, mas estava lá sorrindo pra mim.
Na festa havia uma moça virada de Oxum,
Paramentada para dançar com meu Logun.
Eu virei no Orixá
E quando voltei a mim mais tarde
Minha mãe estava lá radiante.
Logo vieram e me disseram que
Ela tinha dançado com meu Logun,
E eu não entendi muito bem
Mas fiquei feliz de todo jeito.
Nos dias seguintes ela precisou ser internada,
E eu voltei ao trabalho mas ia
Todo dia visitar a noite.
Mas uma noite eu informei o número
do quarto na recepção do hospital
e não me deixaram subir,
Pediram que eu fosse para
Uma sala que a médica iria falar comigo.
Fui achando que ela iria falar sobre
O resultado dos novos exames,
Mas assim que entrei a
Médica disse a frase
"nós fizemos tudo que era possível..."
E eu nem esperei ela acabar de falar,
Sai da sala e corri pelos corredores
até chegar no quarto.
Ela estava lá coberta por um
Lençol branco.
Eu removi o lençol e beijei
Aquele mulher na testa,
O corpo dela já estava frio.
Minha mãe tinha ido embora.
O velório foi lotado
Todo mundo gostava dela,
E eu levei tudo com uma naturalidade
Tão grande que ninguém percebeu
Que eu estava arrebentado por dentro.
Continuei a vida,
Continuei como se nada tivesse acontecido.
Então meu pai de Santo me deu
O dvd da filmagem da minha obrigação
De sete anos,
E eu finalmente assisti.
Em um determinado momento
a Oxum de minha irmã de santo
Começou a tirar as proprias roupas,
Tirou o pano da costa e a saia de cima,
Então simplesmente vestiram aquilo
Na minha mãe ali na cadeira de rodas mesmo
E fizeram aquele ato do banho de Oxum.
Todos os orixas que estavam ali
Seguraram as barras da saia e balançavam
enquanto minha mãe segurava o abebe
De Oxum e fingia se banhar.
No fim meu Logun se abaixou e colocou a
Cabeça no colo dela,
E ela muito feliz o beijou no rosto.
Assisti aquilo com uma vontade
muito grande de chorar
Mas não consegui.
Passou umas semanas e iria
Acontecer a festa das Iyabas,
Era dezembro então fui fazer o Orô
No terreiro.
A minha irmã de Santo, Cláudia de Oxum,
Aquela da Oxum que vestiu a saia
Na minha mãe
Estava lá e ficou incorporada praticamente
a noite toda se recusando a ir embora.
Acabamos o serviço
e os irmãos de santo foram saindo,
Por fim ficamos só nós três,
Eu, o babá e a Oxum.
Estava indo embora quando vi
Caido no meio do barracão
um pano da costa, alguém
devia ter derrubado sem perceber.
Apanhei o pano e rapidamente
dobrei, foi instintivo, dobrei
Bem dobrado e me virando
vi o pai de santo e entreguei
o pano a ele.
Ele apanhou e examinou aquilo
então disse
"Nossa, você é muito prendado, nunca vi alguém dobrar assim perfeito."
E eu respondi
"Foi minha que me ensinou"
E de repente tudo o que eu
Estava represando no coração
Saiu, eu não sei como nem o porque
mas eu comecei a chorar,
E chorava muito, gritava,
Caí de joelhos no chão
com as mãos na boca tentando
Para de gritar mas não conseguia,
Então senti meu pai de santo
tentando me conter
Mas eu o empurrei e olhei para perto
Da porta de saída onde estava
a minha irmã virada em Oxum,
Então apontei o dedo para ela e a xinguei,
Enquanto chorava eu berrava,
A acusei de ter abandonado minha mãe,
De ter visto ela sofrer e não ter feito nada,
Eu estava totalmente fora de mim.
E a Oxum veio na minha direção
e se abaixou na minha frente,
E ali eu vi algo que nos meus sete anos
De religião eu nunca tinha visto
E nem sequer sabia que era possível.
Eu vi e ouvi Oxum falar.
A boca da minha irma de santo
se mexeu, Oxum ainda de olhos fechados
Começou a falar mas a voz que saiu
Da boca dela não era a de Cláudia,
A voz... era a da minha mãe.
E ela disse

"Então a barriga cresceu, e minha mãe disse que eu era muito nova para ter filho, fez um chá para que eu perdesse a criança, mas eu disse não, o filho é meu. Era sexta feira chuvosa, a na santa casa quiseram fazer uma césarea, mas eu queria ter um parto normal e no fim consegui. Ninguém veio me buscar no hospital, fui para casa sozinha de onibus com meu bebê no colo, e ali eu entendi que agora era eu e meu filho e mais nada. E eu lutei a vida toda, lutei uma luta sagrada, a luta de ser mãe. Meu filho, eu não morri sozinha nem desamparada, eu naquele quarto estava acompanhada. Eu não tive tempo de ser iniciada na navalhada, mas eu parti de mãos dadas com ela, e eu estou com ela. E eu ainda sou sua mãe. Seja forte como eu, seja forte como sua mãe."

Oxum me beijou na testa
E eu fiquei ali piscando feito um bobo.
Perguntei ao babá se aquilo era normal,
E ele respondeu "aquilo o que?"
Ele não ouviu nada,
Aquilo tudo só quem ouviu fui eu.
Não sei é loucura minha
Ou se aconteceu de fato,
Mas me lembro da voz falando
E era sim a voz de dona Leonor.
E eu até hoje quando me elogiam,
Quando falam que sou bonito
Ou que sou inteligente e educado,
Respondo
"Eu sou assim por que tive uma boa mãe."
E eu sei que ela está com Oxum
E eu sei que um dia eu vou ver
Minha mãe de novo.

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Memórias de Terreiro, Arte e texto por Felipe Caprini
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Espero que tenham gostado!
Não copie o texto ou reposte a arte sem dar os créditos! Seja Honesto!
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