CARURU: UMA RECEITA DELICIOSA QUE AGRADA OS ORIXÁS CRIANÇAS
No mês de São Cosme e São Damião, relembramos a incrível matéria escrita por Ana Paula Boni e publicada n’O Estado de São Paulo em 2018, sobre a tradição do Caruru feito em homenagem e agradecimento aos Santos.
Não importa em que dia da semana caia, o 27 de setembro na Bahia é quase feriado. É dia de festa em que as pessoas se perguntam onde comer o caruru de Cosme e Damião, pois é quando praticantes e simpatizantes do candomblé montam, em casa ou restaurante, um banquete de oferenda que inclui receitas como acarajé, caruru e vatapá.
Em São Paulo, cozinheiros praticantes da culinária baiana ou simpatizantes da festa farão suas homenagens – e é a chance de provar as iguarias desse banquete (gratuito ou não).
E o que vai nele? Segundo a tradição, caruru (cozido de quiabos), xinxim de galinha (guisado), vatapá (purê de pão) e feijão-fradinho – sendo que essas receitas levam azeite de dendê e a mistura de camarão seco, castanha-de-caju e amendoim batidos –, além de arroz branco, canjica (que na Bahia é chamada de mugunzá, feito de milho branco), feijão preto, farofa de dendê, acarajé, abará (similar ao acarajé, mas cozido em vez de frito), banana-da-terra frita e rolete de cana.
“
O candomblé é uma religião alimentar, todo orixá é oferendado com comida. E, para a oferenda ser aceita você precisa comer parte dela”, explica Diego de Oxóssi, editor da Arole Cultural e babalorixá (sacerdote espiritual do candomblé), dando conta do porquê de toda essa comilança.
Prato de caruru do Pão de Festa, com vatapá (amarelo à esq.), caruru (verde à dir.) e xinxim de galinha no topo Foto: Vivan Elblaus
Tanto na Bahia quanto por aqui, porém, as mesas adaptam seus pratos, não servindo necessariamente todas as receitas. Também não restringem a festa ao dia 27/9. No restaurante Na Cozinha, as comemorações começaram no dia 14 e vão até o fim do mês. Ali, a homenagem é feita há 10 anos, desde que a casa foi aberta por Carlos Ribeiro.
“
Antes eu fazia só no dia 27, mas há quatro anos passei a fazer a festa em três fins de semana seguidos”, conta o chef, autor do livro Comida de Santo que se Come (clique para saber mais).
Mas o que os
santos católicos Cosme e Damião têm a ver com uma festa do candomblé? Irmãos árabes nascidos no século 4 e filhos de cristãos, os dois eram médicos, porém não foram adotados pelo candomblé pelo trabalho com caridade e cura, e sim por serem gêmeos. Numa época em que negros na Bahia não podiam reverenciar publicamente o candomblé, Cosme e Damião serviram, no sincretismo religioso, como representação dos gêmeos Taiwo e Kehinde (chamados de Ibeji, que representa um único orixá gêmeo), filhos de Xangô e Iansã.
Pois é com os orixás, e não com os santos católicos, que entra a comilança de dendê no dia 27 de setembro. Como conta o livro Cozinhando História (Fundação Pierre Verger, 2015), das autoras Josmara Fregoneze, Marlene Jesus da Costa e Nancy de Souza, Xangô andava irritado porque Exu vivia roubando seu prato de amalá (semelhante ao caruru, mas carregado na pimenta). Taiwo e Kehinde falaram ao pai que iam dar um jeito em Exu.
Depois de uma aposta em que cansaram o orixá de tanto dançar, os dois conseguiram a promessa de Exu de nunca mais roubar o amalá. Em troca, Xangô perguntou o que eles queriam de recompensa. Disseram ao pai que, quando tivesse amalá, que deixasse um pouco para eles sem pimenta – o caruru.
A festa do caruru de sete meninos retratada por Pierre Verger em Salvador, entre 1948 e 1952; essa foto está no livro 'Cozinhando História', publicado em 2015 pela Fundação Pierre Verger Foto: Pierre Verger|Fundação Pierre Verger
Os sete meninos
A tradição estendeu a oferenda dos gêmeos para também Idhoú, Alabá, Talabí, Adoká e Adosú. Isso explica porque o caruru de Cosme e Damião (também chamado de caruru de sete meninos) deve ser ofertado a sete crianças. Como elas adoram rapadura, cana e todo tipo de doce, um banquete tradicional tem muita guloseima.
É assim que Luísa Inês Saliba prepara sua festa há 15 anos na Rota do Acarajé, com uma mesa que inclui bolos, pirulitos e brinquedos para distribuir a qualquer criança que passe pela calçada. Neste ano, a festa está marcada para o dia 3/10, após uma reza às 18h no próprio restaurante.
Ali, além do banquete (gratuito), Luísa segue à risca a tradição de colocar sete quiabos inteiros dentro do caruru. Quem pegar um deles deve manter a tradição e, no ano seguinte, oferecer seu próprio banquete a sete crianças.
É nesses moldes que também vai ser a festa na Casa de Ieda, quando a baiana Ieda de Matos vai servir, pelo primeiro ano, as crianças a partir do meio-dia do dia 23/9, abrindo ao público pagante a partir das 13h.
Já n’A Baianeira, a primeira edição da festa será no dia 20 de outubro, quando também haverá um altar montado em homenagem aos gêmeos. A chef Manuelle Ferraz conta que aprendeu a tradição cozinhando junto com uma amiga baiana que faz o caruru há mais de duas décadas.
“
Essa história me liga muito à minha avó paterna, mineira, que fazia vatapá. Eu tinha a memória do prato, mas nunca fazia, até aprender os rituais com Taís, há dois anos. Foi quando entrei mesmo nesse mundo que sempre me interessou."
Cheio de histórias e fé, o Caruru é um importante rito para comemoração do dia dos Santos, mas independente da crença esse é um daqueles pratos de dar água na boca o ano todo. Quer saborear essas delícias e homenagear Cosme, Damião, Doum e os Ibejis?
O Chef Carlos Ribeiro (autor de
Comida de Santo que se Come e Oxum, Doçaria Fina e Quitutes) nos presenteou com essa receita deliciosa de caruru, olha só:
Caruru de Quiabos
Rendimento: 6 porções de 150g cada.
Tempo de Preparo: 1h30 hora
Ingredientes:
- 4 colheres (sopa) de azeite de oliva
- 6 colheres (sopa) de azeite de dendê
- 1 cebola picada
- 1 dente de alho picado
- 1 xícara de camarões secos descascados e moídos
- ½ xícara de amendoim torrado e moído
- 50 unidades de quiabos picados em cubos pequenos
Modo de Preparo:
- Em uma panela, coloque os dois azeites, a cebola e o alho.
- Refogue bem e acrescente, os camarões secos, metade do amendoim e o quiabo.
- Junte deixe cozinhar em fogo brando. Se necessário, adicione um pouco de água.
- Quando estiver cozido, se quiser, junte o amendoim restante para engrossar.
- Cozinhe mais um pouco e sirva a seguir.
Quer saber mais sobre como os Santos Criança se relacionam com os Orixás, Caboclos, Pretos Velhos, Exus e Pombagiras, Boiadeiros, Marinheiros e Sereias... Guias, mentores e protetores, que nos acompanham desde cedo por toda a jornada da vida?
Não importa em que dia da semana caia, o 27 de setembro na Bahia é quase feriado. É dia de festa em que as pessoas se perguntam onde comer o caruru de Cosme e Damião, pois é quando praticantes e simpatizantes do candomblé montam, em casa ou restaurante, um banquete de oferenda que inclui receitas como acarajé, caruru e vatapá.
Em São Paulo, cozinheiros praticantes da culinária baiana ou simpatizantes da festa farão suas homenagens – e é a chance de provar as iguarias desse banquete (gratuito ou não).
E o que vai nele? Segundo a tradição, caruru (cozido de quiabos), xinxim de galinha (guisado), vatapá (purê de pão) e feijão-fradinho – sendo que essas receitas levam azeite de dendê e a mistura de camarão seco, castanha-de-caju e amendoim batidos –, além de arroz branco, canjica (que na Bahia é chamada de mugunzá, feito de milho branco), feijão preto, farofa de dendê, acarajé, abará (similar ao acarajé, mas cozido em vez de frito), banana-da-terra frita e rolete de cana.
“
O candomblé é uma religião alimentar, todo orixá é oferendado com comida. E, para a oferenda ser aceita você precisa comer parte dela”, explica Diego de Oxóssi, editor da Arole Cultural e babalorixá (sacerdote espiritual do candomblé), dando conta do porquê de toda essa comilança.
Prato de caruru do Pão de Festa, com vatapá (amarelo à esq.), caruru (verde à dir.) e xinxim de galinha no topo Foto: Vivan Elblaus Tanto na Bahia quanto por aqui, porém, as mesas adaptam seus pratos, não servindo necessariamente todas as receitas. Também não restringem a festa ao dia 27/9. No restaurante Na Cozinha, as comemorações começaram no dia 14 e vão até o fim do mês. Ali, a homenagem é feita há 10 anos, desde que a casa foi aberta por Carlos Ribeiro.
“ Antes eu fazia só no dia 27, mas há quatro anos passei a fazer a festa em três fins de semana seguidos”, conta o chef, autor do livro Comida de Santo que se Come (clique para saber mais).
Mas o que os santos católicos Cosme e Damião têm a ver com uma festa do candomblé? Irmãos árabes nascidos no século 4 e filhos de cristãos, os dois eram médicos, porém não foram adotados pelo candomblé pelo trabalho com caridade e cura, e sim por serem gêmeos. Numa época em que negros na Bahia não podiam reverenciar publicamente o candomblé, Cosme e Damião serviram, no sincretismo religioso, como representação dos gêmeos Taiwo e Kehinde (chamados de Ibeji, que representa um único orixá gêmeo), filhos de Xangô e Iansã.
Pois é com os orixás, e não com os santos católicos, que entra a comilança de dendê no dia 27 de setembro. Como conta o livro Cozinhando História (Fundação Pierre Verger, 2015), das autoras Josmara Fregoneze, Marlene Jesus da Costa e Nancy de Souza, Xangô andava irritado porque Exu vivia roubando seu prato de amalá (semelhante ao caruru, mas carregado na pimenta). Taiwo e Kehinde falaram ao pai que iam dar um jeito em Exu.
Depois de uma aposta em que cansaram o orixá de tanto dançar, os dois conseguiram a promessa de Exu de nunca mais roubar o amalá. Em troca, Xangô perguntou o que eles queriam de recompensa. Disseram ao pai que, quando tivesse amalá, que deixasse um pouco para eles sem pimenta – o caruru.
A festa do caruru de sete meninos retratada por Pierre Verger em Salvador, entre 1948 e 1952; essa foto está no livro 'Cozinhando História', publicado em 2015 pela Fundação Pierre Verger Foto: Pierre Verger|Fundação Pierre Verger
Os sete meninos
A tradição estendeu a oferenda dos gêmeos para também Idhoú, Alabá, Talabí, Adoká e Adosú. Isso explica porque o caruru de Cosme e Damião (também chamado de caruru de sete meninos) deve ser ofertado a sete crianças. Como elas adoram rapadura, cana e todo tipo de doce, um banquete tradicional tem muita guloseima.
É assim que Luísa Inês Saliba prepara sua festa há 15 anos na Rota do Acarajé, com uma mesa que inclui bolos, pirulitos e brinquedos para distribuir a qualquer criança que passe pela calçada. Neste ano, a festa está marcada para o dia 3/10, após uma reza às 18h no próprio restaurante.
Ali, além do banquete (gratuito), Luísa segue à risca a tradição de colocar sete quiabos inteiros dentro do caruru. Quem pegar um deles deve manter a tradição e, no ano seguinte, oferecer seu próprio banquete a sete crianças.
É nesses moldes que também vai ser a festa na Casa de Ieda, quando a baiana Ieda de Matos vai servir, pelo primeiro ano, as crianças a partir do meio-dia do dia 23/9, abrindo ao público pagante a partir das 13h.
Já n’A Baianeira, a primeira edição da festa será no dia 20 de outubro, quando também haverá um altar montado em homenagem aos gêmeos. A chef Manuelle Ferraz conta que aprendeu a tradição cozinhando junto com uma amiga baiana que faz o caruru há mais de duas décadas.
“ Essa história me liga muito à minha avó paterna, mineira, que fazia vatapá. Eu tinha a memória do prato, mas nunca fazia, até aprender os rituais com Taís, há dois anos. Foi quando entrei mesmo nesse mundo que sempre me interessou."
Cheio de histórias e fé, o Caruru é um importante rito para comemoração do dia dos Santos, mas independente da crença esse é um daqueles pratos de dar água na boca o ano todo. Quer saborear essas delícias e homenagear Cosme, Damião, Doum e os Ibejis?
O Chef Carlos Ribeiro (autor de Comida de Santo que se Come e Oxum, Doçaria Fina e Quitutes) nos presenteou com essa receita deliciosa de caruru, olha só:
Caruru de Quiabos
Rendimento: 6 porções de 150g cada.
Tempo de Preparo: 1h30 hora
Ingredientes:
- 4 colheres (sopa) de azeite de oliva
- 6 colheres (sopa) de azeite de dendê
- 1 cebola picada
- 1 dente de alho picado
- 1 xícara de camarões secos descascados e moídos
- ½ xícara de amendoim torrado e moído
- 50 unidades de quiabos picados em cubos pequenos
Modo de Preparo:
- Em uma panela, coloque os dois azeites, a cebola e o alho.
- Refogue bem e acrescente, os camarões secos, metade do amendoim e o quiabo.
- Junte deixe cozinhar em fogo brando. Se necessário, adicione um pouco de água.
- Quando estiver cozido, se quiser, junte o amendoim restante para engrossar.
- Cozinhe mais um pouco e sirva a seguir.
Quer saber mais sobre como os Santos Criança se relacionam com os Orixás, Caboclos, Pretos Velhos, Exus e Pombagiras, Boiadeiros, Marinheiros e Sereias... Guias, mentores e protetores, que nos acompanham desde cedo por toda a jornada da vida?