A FESTA DO PEDRINHO
Já era noite nas terras brasileiras quando um curumim partiu de Aruanda. Seu nome de trabalho era Pedrinho de Iemanjá, embora sua verdadeira denominação já não era dita há muito tempo. Mas isto pouca importava, aquele dia ele tinha uma missão a realizar. Iria visitar um “velho amigo”, que acompanhava quando ainda era grande.
Seu nome era Antônio. Embora Pedrinho não gostasse de contar além do 5, sabia que ele estava encarnado fazia quatro décadas ao menos. Ele precisava de ajuda, porém não sabia e não admitia isso. Possuía tudo o que os adultos daqueles tempos desejavam: residência, trabalho, casamento, filhos. Entretanto, os seus sonhos de criança foram esquecidos. E isto estava adoecendo sua alma.
Os dias de seu amigo passavam como uma mecânica repetição. Todo dia ele fazia a mesma coisa. Estava preso num ciclo de comer, trabalhar, dormir. Quando chegava em casa, estava tão cansado que nem conseguia conversar com sua família. Respondia tudo em poucas palavras, deixando claro que estava sendo incomodado. Sua vida era cinza, sem cores e sem alegria.
Pedrinho sabia que Antônio amava seus filhos e sua esposa. Ele sempre afirmava que o desejo de dar boas condições aos seus que o motivava a levantar toda manhã, uma vez que que há muito tempo não sentia o que era felicidade. O Erê, contudo, via em seu coração que ele se considerava condenado a passar o resto do seu tempo a se esforçar pelos outros. Já não alimentava nenhum desejo para si.
O remédio era simples, mas mais duro que aparentava. Seu velho amigo precisava sonhar. Não aquele tipo de sonho que fantasia nossa imaginação durante o sono, mas o que coloca o sorriso no rosto quando olhamos para o Céu. E foi o que a entidade ofereceu à Antônio. Aguardou o Sol se por naquela parte do planeta e interviu quando ele finalmente dormiu.
Mostrou-lhe o sonho mais colorido que ele já teve. Permitiu-o reviver sua infância, quando seus dias eram cheios de sons, cheiros, cores, risadas e encantos. Também o fez recordar das durezas daquele período: a fome em alguns momentos, o rigor e castigos de seu pai, a ausência da mãe, o medo que tinha do seu tio. Mas relembrou de como era divertido estar com seus irmãos. Não importava o que passassem, estavam juntos e criavam mil brincadeiras.
“Tio, você anda esquecido de muita coisa. Não é porque tem que tomar remédio amargo que não pode comer um pouco de doce também. Vida nunca foi fácil, mas mesmo assim vocês nunca deixaram de brincar” disse Pedrinho no sonho. Ele apareceu com a mesma aparência que usa quando visita os terreiros: um menino negro, por volta dos 6 anos, de lábios grossos e cabelos crespos, e com um sorriso serelepe. Contudo, seu olhar, intenso e profundo, revelava possuir muito mais idade do que aparenta.
O cosme, em seguida, levou Antônio para visitar seus filhos e sua esposa. Uma aura sombria crescia sobre eles.
“Tio, olhe para você. É do seu coração que está saindo esta coisa ruim. Mas isto não é sua verdade, não é, tio? É por amor que trabalha dia depois de dia, mas está esquecido de coisa importante também. Vem comigo, vou te mostrar algo muito gostoso”.
Pedrinho arrastou Antônio pelo espaço até chegar onde querida. Era dentro de uma floresta, onde outras crianças e encarnados festejavam e faziam suas estripulias. No centro, havia uma espécie de banquete, composto de todo tipo de doce existente na Terra.
“Come, tio. Come bastante. Deixe que o açúcar alcance sua alma. Quando adultos se tiram do castigo e se lembram de brincar e de comida gostosa, a alegria volta.”
Antônio devorou tudo que lhe era oferecido. E sentiu uma energia vibrante assumir seu interior. Quando deu por si, estava dançando, pulando, correndo, rindo como se não houvesse amanhã.
“Tio, a alegria faz parte da essência da vida. Ela traz saúde, leveza, bem-estar, união. Fortalece todos os laços, promove o amor e reafirma que vocês não vieram para este mundo para ficarem brigando uns com os outros. Não basta trabalhar pelos seus amiguinhos, tio. É preciso brincar com eles debaixo da chuva.”
Pedrinho, Antônio e os outras crianças continuaram sua festa até o amanhecer. No dia seguinte seu amigo já demonstraria grandes sinais de melhora. Pedrinho sabia que teria que acompanhá-lo por um longo período, até que sua alma se curasse. Porém, ele era paciente. Os séculos o ensinaram a ser assim.
Saravá a todos!
Escrito por @umbandacomsimplicidade / Diego Paiva Pimentel sob inspiração de Pedrinho de Iemanjá