UM CAUSO DE VOVÓ CATARINA
Era um homem culto, para quem não havia Deus senão a ciência...
Sua arrogância era proporcional...
Igrejas?
- Ora, são templos de idiotas, costuma dizer...
Santos?
- Nada mais são que personagens da mitologia...
Benzedeiras, médiuns, orixás e guias espirituais, pior ainda...
Eram nada mais que mistificações ou crendices próprias dos ignorantes...
A estes não se contentava em menosprezar!
Mas fazia questão de achincalhar, desfazer, humilhar...
Dizendo que se tratava de religião de negros pobres e ignorantes...
A empregada da sua casa, uma negra de meia idade, ouvia esses absurdos...
Observava e mantinha-se calada!
Entendia que o patrão queria provocá-la...
Pois sabia que ela era frequentadora de um templo de Umbanda...
Resignada, a serviçal ouvia aqueles impropérios e baixava a cabeça...
Sabia que não adiantaria argumentar!
Preferia deixar que Olorum e Xangô se encarregassem do assunto...
Quem era ela para julgar?
Mas eis que um dia o filho mais novo do patrão...
Um menino de apenas seis anos, caiu doente, vítima de uma febre ardente...
Os melhores médicos da cidade foram acionados...
E foram unânimes em dizer que desconheciam a origem do problema...
Mas que dificilmente uma criança resistiria àqueles sintomas cada vez mais avassaladores...
Desesperado, o pai preferiu levar o filho para casa...
Se tivesse que morrer, que fosse entre os seus, e não no leito frio de um hospital...
Todos, pais, avós, tios e irmãos estavam ao redor da cama rezando pela saúde do pequeno...
Ao que o pai reclamava, dizendo que se Deus realmente existisse, não permitiria que uma criança sofresse...
Foi nesse momento que a empregada entrou para servir um café aos presentes...
Ao olhar para o menino desacordado, não conseguiu se segurar:
Uma sensação de peso envergou suas costas, as pernas dobraram-se...
Ela deixou cair o bule de café no chão, enquanto todos a olhavam atônitos...
Com a voz diferenciada, carregada com um sotaque oriundo de tempos remotos...
Pediu licença e foi até o menino...
Quase sussurrando, cantou baixinho:
- No pé do morro, na mata virgem
- Dizem que mora um velho lá
- Ele é curador, ele é rezador
- Ele é Xapanã, ele vai te curar
- Atotô...
Mesmo o pai, sempre tão endurecido, calou-se diante daquela canto...
Ainda sussurrando a velha fez uma série de orações quase inaudíveis...
E, por fim, passou a mão pelo rosto do menino, que imediatamente abriu os olhos...
Olhando para o patrão, disse humildemente:
- Vovó Catarina pede desculpa por ter vindo à casa do sinhô sem pedir licença...
- Mas nêga véia não consegue ver um curumim doente da alma e ficar sem fazer nada...
O homem tentou balbuciar alguma coisa, mas não conseguiu, então a velha continuou:
- Nêga véia conhece seu lugar e sabe que os hómi da ciência faz sua parte...
- Mas quando a doença é da alma é nóis que cura...
- Por que meu filho ficou doente?
Perguntou a mãe com a voz embargada!
Quando falta fé numa casa...
- Respondeu a negra...
- A alma de todos enfraquece e os pequenos são os que mais sofrem...
- É dever do pai e da mãe ensinar que existe um Pai Maior...
- E que a prece é o remédio da alma...
- Nesse casuá jogaram o remédio no ralo e ainda riam dele...
- Com licença que nêga véia já falou demais e vai embora...
- E lembrem-se, quem canta reza duas vezes!
Nesse instante, o pomposo homem jogou-se aos pés da negra...
Pedindo perdão e prometendo mudar dali para a frente...
A velha apenas fez uma cruz em sua testa, dizendo que não era preciso pedir perdão a ela...
A cada dia que passou o menino melhorou, até ficar completamente curado...
O respeito e a prece tornaram-se um hábito naquela casa...
E o patrão, antes tão pedante, agora vestia-se de branco uma vez por semana...
E ia ao templo de Umbanda da empregada ajudar a cambonear os pretos velhos...
Aos quais nunca esquecia de saudar dizendo:
- Adorei as Almas!