“Existe um agente que é natural e divino, material e espiritual, um mediador plástico universal, um receptáculo comum das vibrações cinéticas e das imagens das formas, um fluido e uma força, que podem ser chamados de certo modo de Imaginação da Natureza... A existência dessa força é o grande arcano da magia prática.”
O agente mágico ao qual Lévi se refere aqui é a substância do mundo formativo ou, mais particularmente, a esfera de Yesod – uma palavra hebraica que pode ser traduzida como o Fundamento ou a Base. O direto equivalente da Yesod qabalística na filosofia teosófica tal como enunciado por Madame Blavatsky – e nesse ensejo seguirei o extenso esboço delineado em seu sistema e aquele formulado em Dogma e ritual de Alta Magia, de Lévi – é conhecido como luz astral. Definido em alguns lugares como um fluido ou meio onipresente que tudo permeia, constituído por matéria extremamente sutil, essa luz está difundida pelo espaço, interpenetrando e penetrando todo objeto ou forma visíveis. Se quisermos estabelecer tal idéia diferentemente, trata-se de um plano quadridimensional composto de uma substância etérea luminosa num estado sumamente tênue, substância em sua natureza elétrica, magnética e radioativa.
“Esse fluido ambiente e que tudo penetra, esse raio destacado do esplendor do sol e fixado pelo peso da atmosfera e pelo poder de atração central, esse corpo do Espírito Santo, que chamamos de luz astral e agente universal, esse éter eletromagnético, esse calórico vital e luminoso é representado nos antigos monumentos pelo cinto de Ísis que se enlaça num nó cego ao redor de duas varas, pela serpente de cabeça taurina, pela serpente de cabeça de bode ou de cão, nas antigas teogonias pela serpente que devora a própria cauda, emblema da prudência e de Saturno. É o dragão alado de Medéia, a serpente dupla do caduceu e o tentador do Gênese; mas é também a cobra brônzea de Moisés que circunda o tao, isto é, o lingam gerador; é a hyle dos gnósticos e a cauda dupla que forma as pernas do galo solar de Abraxos.”
É nesses termos simbólicos, eloqüentes e singularmente expressivos à sua maneira, embora com ressaibo de verbosidade para o leitor final, que o mago francês descreve a luz astral. Trata-se de símbolos sumamente interessantes e significativos, e se bastante cuidado e atenção forem dispensados em sua interpretação, proporcionarão considerável instrução e poderão servir para revelar muitas informações valiosas, auxiliando na compreensão intelectual, ao menos, da natureza e das características desse plano sutil. Vibrando a um índice cinético diferente da substância grosseira do mundo físico, e existindo assim num plano superior, a luz astral contém o planejamento ou modelo do construtor, por assim dizer, projetado em sentido descendente pela ideação ou imaginação do Pai; o planejamento com base no qual o mundo exterior é construído, e dentro de cuja essência jaz latente o potencial de todo crescimento e desenvolvimento. Todas as forças e “idéias” dos domínios criativo e arquetípico são representadas e focalizadas nesse agente plástico, o mundo formativo. Ele é de imediato substância e deslocamento, sendo o movimento “simultâneo e perpétuo em linhas espirais de deslocamento em contrário”. Foi o falecido Lorde Salisbury, posso aqui intercalar, que definiu o éter como o nominativo do verbo “ondular”.
Em muitos pontos, esse mundo formativo, o recipiente das forças criativas superiores, é comparável em seus aspectos mais inferiores ao éter da ciência. Há, contudo, uma ressalva. A luz astral foi no passado e poderá no futuro ser verificada pela experiência direta visionária. A concepção científica do éter hoje difere radicalmente daquilo que o cientista de meio século atrás entendia por éter luminífero. Tanto assim que avaliado por seus padrões e empregando sua linguagem, a moderna idéia de éter e suas ondas de irradiação não são realidades em absoluto. E a despeito disso, o que é suficientemente estranho, observa Sir James Jeans em Os mistérios do Universo, o éter é uma das coisas mais reais “de que temos qualquer conhecimento ou experiência, sendo, portanto, tão real quanto qualquer coisa possivelmente possa ser para nós”.
A entidade que os físicos experimentais hoje definiriam como éter teria que ser algo que reagisse qualitativa e quantitativamente aos instrumentos e equações matemáticas deles. Por outro lado, quando os teurgos se referem à substância magnética e elétrica da luz astral, uma condição ou estado metafísico da substância está implícito – uma condição ou estado que atualmente não pode ser mensurado ou observado com instrumentos físicos, embora sua existência seja corroborada nos mesmos termos por uma série de videntes treinados e magos. Reside, como já afirmamos, num plano existencial e consciencial completamente diferente, e suas partículas vibram de uma tal maneira e a uma tal taxa de movimento que são inteiramente invisíveis e imperceptíveis aos nossos sentidos comuns exteriores.
Recentemente assistiu-se no domínio da especulação científica ao desenvolvimento da teoria eletromagnética que, por motivos de ordem prática da física, descarta como desnecessária a hipótese vitoriana de um éter luminífero ondulante que tudo penetra. No seu lugar, foi instalada como se num trono majestoso, coroada e venerada com devoção, uma concepção matemática ainda mais abstrata: o múltiplo ou contínuo espaço-tempo. Um grupo de cientistas é inteiramente a favor da manutenção da hipótese do éter, enquanto muitos outros, não menos famosos e de menor autoridade, estão igualmente convictos de que uma tal estrutura sutil como o éter inexiste e nem sequer é possível. Admitem-na apenas como uma estrutura teórica de referência, caso em que assume o papel de uma hipótese de trabalho destituída de qualquer grau de realidade objetiva. Um exame das definições científicas desses dois grupos de cientistas, entretanto, revela o fato de que pelas expressões éter e contínuo espaço-tempo quadridimensional indicam um único e mesmo conceito.
Sir Arthur Eddington, em uma de suas recentes obras, ao fazer referência a esses dois conceitos científicos, expressou a opinião de que ambos os partidos querem dizer exatamente a mesma coisa, sua cisão estando somente nas palavras. Sir James Jeans, em sua obra anteriormente mencionada, observa cautelosamente com relação a essa obscura questão que parece apropriado descartar a palavra “éter” a favor dos termos mais modernos “múltiplo” ou “contínuo”, apesar de o princípio essencial permanecer quase totalmente inalterado. Em outra parte, nessa mesma obra de erudição, o sábio cientista assevera que todos os fenômenos do eletromagnetismo podem ser considerados como ocorrentes num contínuo de quatro dimensões – três espaciais unidas a uma temporal – no qual é impossível separar o espaço do tempo de qualquer maneira absoluta. Chamo atenção particularmente para essa observação porque se enquadra aproximadamente na natureza de uma exata confirmação daquilo que os mais eminentes magos de todos os tempos escreveram relativamente a Anima Mundi ou o Azoth. É possível indicar bem grosso modo as demais observações de Jeans dizendo que se desejarmos visualizar a propagação de ondas luminosas e forças eletromagnéticas tomando-as como distúrbios num éter, nosso éter poderá ser considerado uma estrutura quadridimensional que preenche todo o contínuo, estendendo-se assim por todo o espaço e todo o tempo, caso em que todos nós desfrutamos do mesmo éter.
Esse éter da ciência que todos podem desfrutar e que se estende ao longo do espaço e do tempo, servindo como o meio das vibrações de todos os tipos, difere em poucos pontos essenciais da luz astral de Lévi. A definição em que insistem constantemente os teurgos relativamente a esse plano etéreo é que se trata de um estágio de substância plástica refinada, menos densa e grosseira que aquela que vemos normalmente em torno de nós, de natureza magnética e elétrica, servindo como o fundamento real sobre o qual as formas e acúmulo de átomos do universo físico se ordenam a si mesmos. É o plano que, em seu aspecto mais inferior, constitui a verdadeira cloaca do universo, compreendendo aquela faceta da consciência que dirige os instintos e as energias dos animais; em suas ramificações superiores, elevando-se além dessa esfera mundana, realmente faz fronteira com o divino. Que assim é pode-se compreender por meio da referência à Árvore da Vida, na qual vê-se que o Mundo Formativo não inclui apenas a esfera de Yesod, mas naquela classificação da Árvore em Quatro Mundos, ela se estende bem além de Yesod, de modo a incluir Tiphareth, a casa da Alma, mesmo até a beira do Abismo. A esfera do Fundamento é somente sua fase mais inferior. Como Yesod apenas, é aquela região grosseira do cosmos metafísico que contém os restos astrais rejeitados das criaturas vivas, a sujeira bestial e mental descartada pelos seres humanos na sua ascensão após a morte a esferas mais elevadas. Nos seus aspectos de Chesed e Geburah, é a mais pura expressão do céu, por assim dizer, a morada devachânica. Relativamente a essa maneira de considerá-lo, é ocasionalmente chamado de divino Astral, e de Alma do Mundo.
“É em si mesmo uma força cega, mas pode ser dirigida pelos líderes das almas, os quais são espíritos da ação e da energia. É de imediato a teoria por inteiro dos prodígios e milagres. Como, de fato, poderiam tanto o bem quanto o mal constranger a natureza a expor suas forças excepcionais? Como poderia o espírito réprobo, desviado, perverso deter em alguns casos maior poder que o espírito da justiça, tão poderoso em sua simplicidade e sabedoria, se não supormos a existência de um instrumento do qual todos podem fazer uso, sob certas condições, de um lado para o maior dos bens, do outro para o maior dos males?” Quero insistir enfaticamente com relação a esta dupla interpretação do éter mágico que Lévi aqui apresenta, que nele estão incluídos um elemento inferior vil e um elemento superior nobre.
O primeiro é a base da causa feita por si mesma de muitos dos males da espécie humana, o segundo é o fogo central e a Alma do Mundo. O divino Astral é solar e celestial por natureza, enquanto que o grosseiro Astral é lunar, reflexivo e puramente automático. Blavatsky confirma essa hipótese da natureza dupla da luz astral nos seguintes termos: “A luz astral ou Anima Mundi é dupla ou bissexual. Sua parte masculina (ideal) é puramente divina e espiritual, é a sabedoria, é Espírito ou Purusha; sua porção feminina é maculada num certo sentido pela matéria, é efetivamente matéria, e portanto é já o mal*.” Desnecessário afirmar que o teurgo diz respeito inteiramente às mais elevadas regiões da luz astral, os fogos solares.
Do ponto de vista prático, esse plano é o agente mágico ao qual a visão treinada e acumulada dos teurgos atribuiu o poder de transmitir vibrações e impressões não somente de luz, calor e som físicos, mas também aquelas vibrações mais sutis e menos tangíveis, que não são, todavia, menos reais por sua imperceptibilidade, que pertencem a correntes projetadas de Vontade, pensamento e sentimento. Lévi chama esse instrumento de imaginação da natureza, porquanto está sempre vivo de ricas formas, sonhos exóticos, imagens luxuriantes, o veículo imediato das faculdades mentais e emocionais. O controle desse plano constitui de um certo ponto de vista a Grande Obra. Alguns magos, inclusive o ilustre Lévi, opinavam que o segredo mágico central é o da orientação sob vontade desse arcano. Sendo o veículo em que são registradas dinamicamente as paixões e impressões mentais de toda a espécie humana, a memória da natureza inferior, e estando presente na Terra todo o tempo, visto que tudo penetra e é um plano destacado do físico, seu conteúdo deve influenciar muito as mentes de homens débeis e sensíveis. E não apenas esses últimos, como a maioria das crianças da Terra é influenciada de alguma maneira pelas correntes que ondulam por sua substância. Por conseguinte, postar-se isolado em relação às suas cegas ondulações e transcendê-lo cabalmente a ponto de se mover naquele estrato mais elevado que é sua alma não constitui realização desprezível, mas sim digna de todas as energias humanas.
Uma moderna autoridade em magia, aquela cujo pseudônimo é Therion, declara que nos estratos superiores da luz astral “dois ou mais objetos podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo sem interferência entre si ou perda de seus contornos. Nessa luz, os objetos podem alterar sua aparência completamente sem sofrer transformação de sua natureza. A mesma coisa pode revelar a si mesma num número infinito de aspectos distintos. Nessa luz é-se célere sem pés e voa-se sem asas; pode-se viajar sem se mover e se comunicar sem as formas convencionais de expressão*.” No que diz respeito ao processo de viajar no corpo de luz, a autoridade que citei acima acrescenta que ali somos insensíveis ao calor, ao frio, à dor e a outras formas de percepção sensorial, que nessa luz estamos presos pelo que superficialmente pode parecer uma série inteiramente diferente de leis. Nesse plano, que é o agente mágico par excellence, símbolos, emblemas e selos não são convenções intelectuais e nem mesmo representações arbitrárias de idéias universais e forças naturais; são entidades vivas absolutas, possuindo nesse plano vida e existência reais e independentes que lhes são próprias. À primeira vista, isso pode não parecer importante, mas tal afirmação é realmente de máxima importância no trabalho mágico.
Os símbolos representam no plano astral entidades reais e tangíveis. No capítulo anterior nos esforçamos para demonstrar que os números indicavam com profundidade os processos de evolução e de desenvolvimento e expressavam sinteticamente tanto o ritmo cósmico quanto certas forças e inteligências ocultas a que damos os nomes de deuses, Dhyan Chohans e Essências. A esses números que representam forças imensamente poderosas são aplicáveis vários selos e pictogramas, os quais possuem nesse Mundo Formativo uma existência que não é em absoluto simbólica no sentido no qual entendemos normalmente esse termo, mas real, vital e viva. Na substância plástica e maleável da luz astral esses símbolos podem ser galvanizados à atividade por uma vontade e uma imaginação treinadas. Essa substância é peculiarmente suscetível aos vôos e às obras da imaginação, esta última possuindo o poder de transformar seu fluxo perpétuo e deformidade em moldes e matrizes que a vontade é capaz de estabilizar e energizar poderosamente numa dada direção.
Entre numerosos exemplos está registrado aquele de uma mulher grávida que, tendo experimentado um choque nervoso, a impressão foi imediatamente transferida através do meio da imaginação atuante sobre a luz astral ao feto em formação gerado em seu útero. Historicamente, as deusas que presidiam entre os antigos ao nascimento eram deusas da lua e, conseqüentemente, da luz astral. Considera-se entre essas raças que a lua possui maior poder para acelerar o desenvolvimento da vida, das plantas e de toda a vegetação que o próprio sol. Sempre foi tida como o astro da mudança, da geração e da fertilidade. Em A doutrina secreta há muita informação e especulação incomuns a respeito da relação oculta entre a lua e o nosso planeta, embora o mero saber que essa relação realmente exista seja suficiente para finalidades práticas por parte do noviço. A conexão da lua com a luz astral é, entretanto, inteiramente válida, a maioria das autoridades nesse ponto estando de pleno acordo.
Astrologicamente, a lua é o planeta que simboliza mudança e fluxo, e as contínuas alterações das formas, a troca das condições. No plano astral, a visão treinada registrou que ali as configurações mudam de forma, cor e tamanho da maneira mais extraordinária; e para o noviço em Skrying constitui um fenômeno sumamente desconcertante e enigmático ver um conjunto de percepções desvanecer-se sob seu próprio nariz para ser substituído por um outro grupo de cenas que terá muito brevemente o mesmo destino. Trata-se de um caleidoscópio oscilante de fenômenos, sendo que as figuras, formas e energias nunca estão imóveis. Por conseguinte, estabelecer uma relação entre a lua e a luz astral é uma correspondência perfeitamente óbvia. Ademais, foi observado que a lua não brilha graças à sua própria luz interna e autogerada, mas sim por refletir os raios do sol.
Yesod, a esfera da lua na Árvore da Vida, está colocada imediatamente abaixo de Tiphareth, a esfera do sol, refletindo assim as forças criativas de cima para baixo. Há muitas outras razões altamente significativas, demasiado numerosas para aqui serem citadas, a favor dessa associação da lua com a luz astral, conquanto o estudo e o experiência mágica provam a validade e precisão da correspondência.
(Israel Regardie)